Milhões de pessoas participaram da greve geral no Brasil em 14 de junho, com manifestações em 380 cidades de todo o país. A greve foi convocada em rejeição à proposta de contrarreforma do sistema de pensões do governo Bolsonaro, mas também refletiu a oposição aos cortes na educação pública, que já havia levado milhões de pessoas às ruas em 15 e 30 de maio.
O governo Bolsonaro, já repleto de contradições internas e rapidamente perdendo apoio, foi atingido por revelações publicadas semana passada de conluio entre o juiz e a promotoria no julgamento contra o ex-presidente Lula. O juiz envolvido foi, então, premiado com o Ministério da Justiça por Bolsonaro. Longe de estar enfrentando a perspectiva do fascismo, o movimento de massas poderia derrubar o governo, mas, para que isso aconteça, mais de um dia de greve geral é necessário.
A greve geral foi originalmente convocada pelas confederações sindicais no Dia do Trabalhador (1 de maio) e fazia parte de uma estratégia muito débil centrada em “pressionar os membros do Parlamento” para não aprovar a lei, em vez de derrotá-la com pressão continuada nas ruas. A decisão do governo Bolsonaro de introduzir cortes nos orçamentos das universidades e a forma provocativa como isso foi feito provocou um tsunami de indignação no dia nacional de greve do setor da educação em 15 de junho, quando 2 milhões de pessoas participaram em manifestações contra o governo em todo o país. O movimento dos estudantes e professores proporcionou o necessário impulso à greve geral. Mais um dia nacional de manifestações, convocadas em 30 de maio pela União Nacional dos Estudantes, testemunhou centenas de milhares de pessoas marchando contra os cortes na educação.
Enquanto isso, a tentativa dos apoiadores do governo de convocar contramanifestações em defesa de Bolsonaro, em 26 de maio, foi um fracasso completo. Em São Paulo e Rio de Janeiro, eles mal conseguiram reunir 10.000 pessoas em cada uma dessas cidades. Em 15 de maio, os protestos contra o governo levaram 250.000 pessoas às ruas de São Paulo e 400.000 no Rio. As manifestações pró-governo de 26 de maio não foram só menores, como também o seu estado de ânimo não era de entusiasmo, e sim de defensiva e de choque devido à militância demonstrada pelos jovens em 15 de maio. As manifestações de 26 de maio tinham o objetivo de fortalecer ao governo e, pessoalmente, a Bolsonaro, numa tentativa de apelar ao “povo” diretamente, por cima das cabeças dos partidos e do parlamento. Fracassaram. O palco ficou pronto para a greve geral.
De acordo com a CUT, cerca de 45 milhões de trabalhadores participaram na ação de greve. A greve foi particularmente forte na educação e no setor público, mas também entre os trabalhadores bancários, os trabalhadores do petróleo na Petrobrás, os trabalhadores dos transportes públicos de muitas cidades etc. No coração industrial de São Paulo, o ABC, o sindicato dos trabalhadores metalúrgicos anunciou que mais de 98% dos trabalhadores tinham entrado em greve, paralisando as principais plantas de montagem da Volks e da Mercedes e o setor de autopeças. 10 das 12 refinarias do país foram paralisadas, com trabalhadores não substituindo seus colegas no final do turno da noite. Os serviços de metrô e ônibus foram parcialmente ou totalmente paralisados nas principais cidades, apesar do fato de que havia algumas decisões judiciais proibindo que alguns setores entrassem em greve. O governador de São Paulo, João Dória, ameaçou demitir os trabalhadores do metrô se eles entrassem em greve.
Durante o dia, houve manifestações e comícios do lado de fora dos principais locais de trabalho, bem como piquetes. Na parte da tarde, centenas de milhares foram às ruas em mais de 300 manifestações por todo o país, incluindo 50.000 pessoas em São Paulo, o mesmo número em Porto Alegre e 100.000 no Rio de Janeiro, de acordo com os organizadores. O estado de ânimo era muito militante e a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” pegou, apesar das tentativas dos líderes da esquerda e dos sindicatos de se limitarem à demanda de renúncia do Ministro da Justiça, Moro. As manifestações poderiam ter sido maiores se não fosse o papel desempenhado pelos líderes sindicais, que fizeram de tudo que podiam para evitar manifestações militantes nas ruas. O presidente da CUT, Vagner Freitas, pediu publicamente aos trabalhadores “para ficarem em casa”, como parte da greve geral.
As massas reagem aos ataques
A greve foi precedida pelas revelações, publicadas por The Intercept, de conduta imprópria do juiz e dos promotores do Estado durante o julgamento do líder do PT por corrupção, com o objetivo de impedi-lo, primeiro de ser candidato na eleição presidencial, quando ele era o primeiro nas pesquisas de opinião; e, em seguida, de dar qualquer entrevista pública desde a prisão, o que poderia influenciar o resultado eleitoral.
Trata-se de um enorme escândalo, que coloca em questão não só a validade do julgamento de Lula, no qual ele foi sentenciado à prisão por corrupção sem qualquer evidência, como também questões de legitimidade da própria eleição presidencial. Se Lula fosse autorizado a manter a candidatura, é provável que tivesse conquistado a presidência. Além disso, o escândalo atinge o Juiz Moro, que presidiu o julgamento contra Lula e que foi, em seguida, recompensado com o Ministério da Justiça no governo de Bolsonaro, além de receber a promessa de uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. As últimas revelações desse escândalo mostram como o Juiz Moro, que supostamente devia ser neutro e imparcial, disse à promotoria para emitir uma declaração à imprensa para rebater os argumentos da defesa de Lula. Apesar do fato de que ele ainda é o membro mais popular do governo, o número de pessoas que têm uma opinião positiva sobre ele caiu drasticamente de 60% a 50% com esses vazamentos recentes, o que se soma aos padecimentos do governo Bolsonaro, que acaba de ver outro de seus ministros ser demitido.
A contrarreforma previdenciária é uma parte importante da ofensiva contra a classe trabalhadora, que a classe dominante necessita implementar e que está sendo encabeçada pelo ultraliberal Ministro das Finanças, Paulo Guedes. Se implementada, seria um grande revés, aumentando a idade de aposentadoria para homens e mulheres, bem como aumentando as contribuições necessárias. Teria um impacto particularmente negativo sobre os trabalhadores do setor público. A contrarreforma se tornou muito impopular, incluindo muitos dos que votaram por Bolsonaro. Além do mais, enfrenta vários obstáculos em seus procedimentos parlamentares antes de ser aprovada. Devemos lembrar que o partido de Bolsonaro não comanda a maioria da Câmara dos Deputados, que, apesar de ser dominada por partidos burgueses, não está disposta a assumir a responsabilidade por um ataque tão brutal.
O relatório do Comitê do Congresso sobre a proposta de aposentadorias incluía várias concessões menores, por exemplo, com respeito à pensão básica estatal, o sistema de pensões para os trabalhadores em áreas ruais, dos professores, etc. De maneira mais significativa, o informe do comitê elimina dos pontos centrais da contrarreforma de Guedes: a transformação do sistema de pensões público e solidário em um sistema de capitalização individual, e a eliminação do teto constitucional da previdência (o que facilitaria a aprovação de novos ataques no futuro). A ideia por trás desse movimento dos partidos burgueses “centristas” no parlamento é fazer algumas pequenas emendas ao plano de Guedes, a fim de cooptar os governadores do PT dos estados nordestinos, mas aceitando o princípio básico da necessidade de uma “reforma” do sistema previdenciário. Esses governadores, do PT e do PCdoB , escreveram uma carta pedindo para serem incluídos nas negociações da “reforma” previdenciária. De acordo com alguns cálculos, o plano do Congresso reduziria a quantidade de cortes envolvidos, de 1,2 bilhões de reais a “apenas” 850 milhões de reais. No entanto, os aspectos centrais da contrarreforma permanecem, aumentando a idade de aposentadoria, bem como a quantidade de contribuições que os trabalhadores terão que pagar. A manobra do Congresso também visava dividir os trabalhadores e enfraquecer o impacto da greve geral. Guedes reagiu raivosamente a essas propostas e ameaçou demitir-se se seu plano original não for aprovado. A lei da contrarreforma previdenciária deve ser colocada em votação final antes do recesso parlamentar no final de julho.
Enfraquecimento do governo Bolsonaro
O governo Bolsonaro está contaminado com todo tipo de divisões internas, com pelo menos três grandes facções lutando publicamente entre si. A luta contra os cortes na educação e os ataques à previdência provocaram um declínio acentuado em sua popularidade. Os que pensam que o governo é ruim ou muito ruim aumentaram de 22,5%, em fevereiro, a 37,4% agora, enquanto os que pensam que o governo é bom ou muito bom declinaram de 38,7% a 30,4%.
Qualquer esperança de que uma recuperação econômica sustentaria Bolsonaro evaporou rapidamente. Os números do primeiro trimestre de 2019 revelam uma contração econômica de -0,2%, a primeira contração desde o final da recessão em 2016. Além da desaceleração internacional que atingiu o setor extrativo do Brasil (-6,3%), a indústria automobilística do país foi atingida pela recessão na vizinha Argentina. No geral, a indústria caiu 2% no primeiro trimestre. O desemprego mal diminuiu e permanece em 12.7% (30% entre os jovens), um total de mais de 13 milhões de desempregados.
Todos os indicadores estão por baixo. Os capitalistas não estão mais satisfeitos com o governo, que está se mostrando incapaz de agir rapidamente na implementação das políticas que a classe dominante exige e arrisca-se a provocar uma explosão social nas linhas dos dias de junho de 2013. Uma pesquisa entre “gerentes de dinheiro, economistas e comerciantes”, realizada pela XP Investimentos, mostrou como a aprovação do governo Bolsonaro havia caído para 14% em maio, desde o máximo de 86% em janeiro, enquanto aqueles que o classificaram como ruim ou terrível subiram para 43%, a partir de 1%!
Em certo momento, se Bolsonaro se tornar demasiado impopular e for incapaz de implementar o programa que os capitalistas necessitam, estes podem considerar a opção de substituí-lo pela figura mais “moderada” e “razoável” de seu vice-presidente, Hamilton Mourão, da “ala militar” do governo.
Diante de um governo tão fraco e dividido, seria perfeitamente viável derrotar a contrarreforma previdenciária e derrubar o governo. Isso exigiria uma liderança combativa, que nem os líderes das organizações da esquerda nem dos sindicatos estão proporcionando.
Fora Bolsonaro!
Eles ficaram chocados quando Bolsonaro ganhou o segundo turno da eleição presidencial, um resultado que não conseguiram entender. Os líderes do PT e da CUT reagiram levantando o grito sobre o “fascismo” tendo chegado ao poder. Isso era completamente falso e somente serviu para cobrir sua própria covardia em organizar a luta contra o governo. O governo de Bolsonaro é reacionário e ele próprio é um demagogo perigoso, de extrema-direita, com aspirações bonapartistas. Mas o que temos no Brasil não é fascismo, o que implicaria em um governo reacionário capaz de mobilizar apoio de massa entre a pequena burguesia para suprimir fisicamente as organizações dos trabalhadores. Pelo contrário, o que vimos em 15 e 30 de maio, e acima de tudo ontem durante a greve geral, foram uma manifestação poderosa da classe trabalhadora e da juventude e o fracasso de Bolsonaro para contê-la com o movimento de massa nas ruas em 26 de maio.
A partir dessa avaliação política equivocada, os líderes do PT e da CUT tiraram a conclusão de que a situação é ruim, que Bolsonaro tem apoio de massa e que, portanto, a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” está fora da agenda. Nisso, eles estão juntos, infelizmente, com os líderes do PSOL e com a maioria das seitas ultraesquerdistas. Enquanto os líderes do PT e da CUT argumentam que Bolsonaro foi democraticamente eleito (!!) e deveria poder terminar o seu mandato, os sectários ultraesquerdistas argumentam que a palavra de ordem é prematura e claramente se recusam a levantá-la. Tanto os reformistas quanto os ultraesquerdistas estão unidos em sua falta de confiança na classe trabalhadora.
Líderes de 10 partidos diferentes se encontraram em 20 de maio numa tentativa de organizar uma “frente única de partidos” contra Bolsonaro. A reunião incluía partidos burgueses, bem como representantes do PT, PCdoB e PSOL. Como sempre é o caso nessas frentes populares, o programa foi diluído ao ponto de significar quase nada. Não houve acordo na oposição à contrarreforma previdenciária, que os partidos burgueses apoiam. A demanda, portanto, foi retirada da frente comum. Não houve acordo sobre a demanda básica “Lula Livre”, então isso também foi descartado.
Uma coisa com que todos concordaram foi… recusar a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. Essa também foi a linha vinda de Lula, que ainda está na prisão. Os argumentos são surreais. Alguns dizem que a palavra de ordem pode ser interpretada como um slogan a favor do vice-presidente Mourão! Outros argumentam que deveria haver bases legais para se exigir o impeachment de Bolsonaro, mas as manifestações de massa nas ruas não querem só o seu impeachment, querem derrubá-lo!
Na reunião, o líder do PT, Haddad, insistiu que o acordo da oposição deveria ser ampliado para obter o apoio do centro e dos “liberais de centro-direita”. O líder do grupo parlamentar do PCdoB ficou muito satisfeito com o encontro e disse que “devemos lutar contra o sectarismo na política brasileira”! Numa reunião separada de partidos de esquerda, envolvendo o PT, PSB, PCdoB, PDT e PSOL, em 22 de maio, eles concordaram em não levantar a palavra de ordem Fora Bolsonaro, apesar da pressão vinda das manifestações de 15 de maio.
Os camaradas da Esquerda Marxista (seção brasileira da Corrente Marxista Internacional) intervieram desde o início do movimento levantando precisamente a ideia de que o governo pode ser derrotado por um movimento de massa unido da classe trabalhadora. Essa ideia pode ser resumida na palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. Derrotar Bolsonaro, argumentam eles de forma correta, exigiria não só uma greve geral de 24 horas, como também a preparação de uma ação de greve por tempo indeterminado com o objetivo não só de derrotar a contrarreforma previdenciária, como também de derrubar o governo.
A greve geral de 14 de junho mostrou a vontade de lutar dos trabalhadores e dos jovens. Se eles tivessem uma liderança para a realização da tarefa, o governo Bolsonaro estaria com os dias contados.
Tradução de Fabiano Leite.