Comunismo versus “decrescimento”: Como enfrentar a crise climática

O conceito de “decrescimento” – que defende a diminuição da produção para salvar o planeta – ganhou popularidade dentro do movimento climático. Mas não há nada de revolucionário nessas ideias acadêmicas e reformistas. Neste artigo, Lubna Badi nos apresenta uma resposta marxista ao “decrescimento”.

As ideias do “decrescimento” vêm ganhando cada vez mais seguidores dentre os círculos ambientalistas nos últimos anos. De acordo com os que advogam pelo decrescimento, a sociedade poderia mudar da noite pro dia se nós o quiséssemos. Pelo que nos dizem, o “crescimento” das condições econômicas poderia – e deveria – ser encerrado pelo interesse do planeta.

Existe uma onda de “economistas ecológicos” na academia instigando essas visões. Por exemplo, o antropólogo Jason Hickel ganhou proeminência em 2020 com o seu livro “Menos é Mais”. Este se tornou um dos livros mais populares sobre decrescimento e inspirou um documentário da BBC de 2024 com o mesmo nome.

O autor japonês Kohei Saito também lançou o que muitos estão chamando de “um sucesso inesperado”’ com o seu livro O Capital no Antropoceno, vendendo cerca de meio milhão de cópias. Nessa obra, Saito apresenta a ideia do “comunismo de decrescimento”, o que significa que nós deveríamos “superar a divisão entre o marxismo e o decrescimento”.

Até mesmo Greta Thunberg, uma das ativistas climáticas mais famosas do mundo, formou suas crenças políticas em torno do decrescimento. Ela defende veementemente tais ideias em sua obra O Livro Climático, publicado em 2022.

Não é de se surpreender que essas ideias estejam circulando amplamente agora. Nesse período de aprofundamento da crise econômica e ambiental, é difícil manter a ideia de que o capitalismo é um sistema racional. Um número cada vez maior de pessoas está buscando por uma alternativa a esse status quo falido.

Os defensores do decrescimento tentam expressar o seu descontentamento com o sistema atual. Entre as várias noções vagas sobre o que é o “decrescimento”, alguns deles se identificam até mesmo como “anticapitalistas” e  proclamam declarações aparentemente radicais.

Contudo, essas ideias não são novas nem são verdadeiramente radicais. Na prática, as demandas dos decrescentistas se limitam a regular o capitalismo e, portanto, são completamente utópicas.

Existem diversas definições e visões distintas sobre como seria o descrescimento. De maneira geral, contudo, existem dois campos de seguidores destas ideias.

O primeiro é o campo de direita: aqueles que acreditam que existem limites ecologicamente definidos para as populações humanas e que, embora a tecnologia e a mudança econômica possam ser necessárias, o problema definitivo é o crescimento. 

Jason Hickel, 2022 / Imagem: AnaGuterres

O malthusianismo é um exemplo disso, jogando totalmente a culpa da destruição ambienal nos ombros das pessoas comuns e de seus estilos de vida, no “consumismo” e na industrialização. 

É aqui que nós encontramos as origens do decrescimento. O decrescimento foi popularizado nos anos de 1970 pelo Clube de Roma – um grupo de pesquisadores, políticos do establishment, oficiais da ONU e economistas burgueses – e pela sua publicação de 1972, “Os Limites do Crescimento“.

Esse estudo foi considerado um divisor de águas, com modelos e simulações revelando que a humanidade estaria caminhando em direção a um “declínio repentino e incontrolável tanto nas populações quanto na capacidade industrial” até 2072, a não ser que o crescimento econômico fosse severamente limitado o mais rápido possível. 

Tais críticas certamente encontraram um eco na esquerda. Entretanto, a maioria dos decrescentistas de esquerda afirmam rejeitar a visão de Malthus e rejeitam as tentativas da classe dominante de culpar as pessoas comuns pelos problemas ambientais. 

No lugar disso, os decrescentistas de esquerda costumam criticar o próprio sistema capitalista. Por exemplo, Hickel, Saito e outros dizem que nós devíamos seguir em direção a uma “economia pós-capitalista”: acabando com a “obsessão pelo crescimento sem fim” da sociedade e conciliando harmoniosamente a nossa economia com a natureza, tudo isso enquanto reduzimos a desigualdade e aumentamos os padrões de vida. 

Eles argumentam que, ao invés de focarmos no crescimento do PIB, deveríamos focar no crescimento do Indicador de Progresso Genuíno (IPG ) que considera a saúde humana e o bem estar-social.

O acadêmico Timothée Parrique, por exemplo, define o decrescimento como “uma restrição da produção e do consumo para reduzir as pegadas ecológicas, planejadas democraticamente de uma forma que seja equitativa ao mesmo tempo que assegure o bem-estar.”

Para garantir isso, dizem-nos que devemos simplesmente abandonar o “crescentismo” como ideologia junto com todos os seus problemas associados: a privatização dos serviços públicos, os cortes nos gastos sociais, nos salários e nas proteções trabalhistas e a desigualdade crescente. Uma vez desmantelada essa visão “crescentista”, nós poderemos implementar todas as reformas e mudanças que necessitamos.

Em “Menos é Mais“, Hickel levanta várias reformas relevantes: introdução de um salário mínimo global, o impedimento da evasão fiscal através de leis que regulem o comércio fronteiriço e a contabilidade corporativa, o cancelamento das dívidas públicas, libertando os países pobres para que possam investir em saúde pública e assim por diante.

Além disso, o autor propõe um plano em cinco etapas de “caminhos para um mundo pós-capitalista”: o fim da obsolescência programada, cortar a publicidade, trocar a posse pelo uso, o fim do desperdício de comida e a redução do número de indústrias ecologicamente destrutivas.

Nos anos posteriores, Hickel reiterou essas demandas, junto de outras, em várias entrevistas, jornais e posts.

Como marxistas, somos favoráveis a quaisquer reformas verdadeiras que melhorem as condições da classe trabalhadora. Esse não é o problema. O problema é como essas reformas são apresentadas de uma maneira completamente abstrata e utópica, divorciadas de qualquer mudança fundamental nas relações sociais – ou seja, de propriedade. É exatamente esse o problema do decrescimento como “teoria”’.

Hickel admite isso dizendo:

“Isso não é nenhum pouco assustador. Não estamos falando do fracassado controle restrito da União Soviética ou algo sobre um retorno às cavernas, uma penitência desastrosa ou um empobrecimento voluntário. Pelo contrário, é uma economia que é familiar em suas características principais, no sentido de que se assemelha com a economia conforme é normalmente descrita para nós.”

Por que é “familiar”? Porquê ainda é capitalismo! De acordo com as sugestões dos decrescentistas, em outras palavras, nós ainda viveríamos em uma sociedade de classes, com uma classe dominante explorando a classe trabalhadora pelo lucro. A lógica fundamental do capitalismo seria completamente preservada.

Da mesma forma, Hickel é um apoiador da “Teoria Monetária Moderna”: uma ideia neokeynesiana que busca utilizar o controle estatal sobre o fornecimento de papel-moeda (através dos bancos centrais) para direcionar a economia – tudo dentro dos limites do capitalismo, um sistema em que a produção tem como objetivo final os lucros. 

Através dessas declarações, se torna evidente o fato de que Hickel e companhia consideram o Estado capitalista como um árbitro independente que pode ser convencido a implementar mudanças radicais. Mas não é. O Estado serve aos interesses da classe dominante, defendendo a propriedade privada dos capitalistas e suas buscas por lucros.

Isso também fica evidente com a sugestão de Hickel de “democratizar as instituições internacionais”, como o FMI e o Banco Mundial. Mas essas instituições imperialistas devem ser destruídas, e não “democratizadas”.

De acordo com os decrescentistas de esquerda, portanto, nós estruturamos a nossa sociedade a partir de uma ideologia de “crescentismo”. Mas essa é uma explicação que não explica nada.

De onde surgiram essas ideias, em primeiro lugar? E por quê essa ideologia se tornou a ideologia dominante na sociedade?

Ao invés de apresentar qualquer análise real sobre como a sociedade capitalista funciona, a perspectiva decrescentista pinta tudo como “acidental”, fruto da ganância e da moralidade. Isso é idealismo puro.

O marxismo baseia-se na filosofia do materialismo dialético. Nossas ideias são moldadas pelo mundo em que vivemos. São as condições sociais que criam a consciência social

O marxismo, por outro lado, se baseia na filosofia do materialismo dialético. As nossas ideias são moldadas pelo mundo em que vivemos. São as condições sociais que criam as consciências sociais.

Não é o caso de que a classe dominante seja simplesmente guiada pelo “crescentismo” e que portanto deseja mais e mais crescimento. Na verdade, os próprios capitalistas estão sujeitos às dinâmicas e à lógica de seu próprio sistema, às leis objetivas do capitalismo, que se impõem sobre a sociedade:

“Como capitalista, ele é apenas o capital personificado. A sua alma é a alma do capital. Mas o capital tem apenas um impulso de vida, a tendência a criar valor e mais-valor, arealizar o seu fator constante, os meios de produção, absorvendo a maior quantidade possível de mais-trabalho”. (Marx, Capital. Vol 1)

A competição força os capitalistas, como classe, a revolucionar constantemente a produção para ganhar e manter uma fatia maior do mercado e para espremer a classe trabalhadora ainda mais – tudo isso para aumentar os seus lucros.

Se eles não fizerem isso os seus rivais o farão e com isso tomarão as suas fatias do mercado. É isso que compele os capitalistas a reinvestir constantemente os seus lucros em novos meios de produção, levando ao crescimento econômico.

Portanto, não são as ideias que os movem, mas sim as leis e a lógica do próprio capitalismo.

Mas os defensores do decrescimento dizem que não, que o que precisamos fazer é “sonhar” com um sistema melhor para convencer os governantes, os acadêmicos e os políticos a afastarem a nossa economia do crescimento.

Em sua tese “A Política Econômica do Decrescimento”, por exemplo, Parrique sugere que o decrescimento é simplesmente um convite para imaginar como a sociedade poderia satisfazer as suas necessidades sem permanecer na lógica surtada da expansão anárquica.

Antecipando as objeções dos marxistas, ele comenta:

“Alguns poderiam me interromper agora, citando Marx, que ‘não escrevia um livro de receitas sobre o futuro’. Só para esclarecer, essa declaração foi um ataque contra os socialistas utópicos dos meados do século 19 (Fourier, Owen, Saint-Simon), que produziam impressões elaboradas de sociedades ideais.

“Mas Karl Marx estava errado; existe um valor no sonhar politicamente. O que ele subestimava era o poder que as utopias têm de educar o desejo, de instigar o imaginário social. Marx  desprezava as utopias sem perceber que esses planos distantes eram a ponta visível de um momento revolucionário mais difuso.”

Essa é uma falta de compreensão completa sobre a abordagem marxista. Marx e Engels eram materialistas. Eles não negligenciaram o poder das ideias. Eles apenas explicaram que “a sociedade ideal” que os utópicos daquela época detalharam não poderia existir sem as bases materiais necessárias em termos do desenvolvimento das forças produtivas – ou seja, da indústria, da ciência e da tecnologia.

Conforme Marx explicou:

“Nenhuma ordem social jamais desapareceu antes que todas as forças produtivas que pudessem se desenvolver nela tivessem sido desenvolvidas: e novas relações mais elevadas de produção nunca apareceram antes das condições materiais de suas existências terem sido gestadas no umbigo da velha sociedade.

“Portanto, a humanidade sempre lida apenas com os problemas que ela pode resolver, já que, ao olharmos para essa questão mais detalhadamente, nós sempre descobriremos que o próprio problema surge apenas quando as condições materiais necessárias para a sua solução já existirem ou ao menos já estiverem no processo de formação.” (Marx, Crítica da Economia Política)

Os utópicos viveram na época em que as forças produtivas ainda estavam crescendo e se maturando. Não havia nenhuma superabundância e a classe trabalhadora ainda estava começando a se formar.

Em “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, Friedrich Engels explica como “as condições cruas da produção capitalista e as condições cruas de classe correspondem a teorias cruas.”

Incapazes de enxergar a base material para o socialismo e o comunismo verdadeiro, os utópicos tentaram desenvolver uma sociedade tirada diretamente do cérebro humano.

Os defensores do decrescimento ainda mantêm essa filosofia utópica. Eles começam imaginando a economia que eles gostariam de ver e então pensam que é suficiente argumentar a favor de suas impressões racionais.

Mas, assim como todos os reformistas, eles vêem apenas os sintomas devastadores do sistema capitalista (a desigualdade, a catástrofe climática, a pobreza, a exploração, a colonização etc.), não a verdadeira doença: a propriedade privada e a produção para o lucro. Para eles, como Engels coloca, “a sociedade se apresenta como nada além de erros, e removê-los seria uma tarefa da razão.” Ele continua:

“Era necessário, portanto, descobrir um sistema novo e mais perfeito de ordem social e impô-lo a partir de fora da sociedade, através da propaganda…

“Esses novos sistemas sociais já estavam predestinados a serem utópicos; quanto mais eles trabalhavam integralmente nos detalhes, mais eles não podiam evitar cair em puras fantasias.” (Engels, do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico)

É precisamente esse idealismo que leva a todos os tipos de confusões. Para dar um exemplo do próprio Parrique:

“Antes de serem instalados nos telhados, os paineis solares tiveram de ser instalados nas mentes. E para serem instalados nas mentes, eles tiveram que ser descritos em termos mais precisos do que um desejo geral por “energia limpa”. A produção de utopias não é nada mais do que o processo no qual as sociedades sonham e, sem elas, não poderiam existir revoluções.”

Aqui nós podemos ver de novo como os utópicos deixam tudo de ponta cabeça. Os paineis solares não haviam sido instalados nos telhados das pessoas em nenhum ponto da história. Sim, as nossas invenções vêm da mente – mas a mente não está separada do mundo material.

Para inventar os paineis solares, os cientistas primeiro tiveram que acumular um certo nível de compreensão sobre a física, a sociedade precisava ter indústrias e fábricas para construí-los, com trabalhadores e engenheiros possuindo certas habilidades e treinamento e toda a rede de transportes tinha que estar instalada para fornecer esses produtos para as casas que necessitassem de energia limpa.

Pra começar, o mero fato de que existe um “desejo geral por energia limpa” é precisamente por causa do sistema capitalista, que levou a humanidade para essa catástrofe climática. Em resumo, são as condições materiais que deram origem a essa ideia. 

As revoluções não são criadas primeiro de maneira subjetiva pela mente, mas são um reflexo do fato objetivo de que um sistema socioeconômico particular atingiu os seus limites e é incapaz de desenvolver as forças produtivas.

Essa compreensão materialista do desenvolvimento histórico e social evidencia o porquê do socialismo não ser apenas uma boa ideia ou uma “alternativa” ao capitalismo, mas sim uma solução essencial e objetivamente necessária para as contradições inerentes ao sistema capitalista.

Foi exatamente com esse propósito que Marx escreveu os três volumes de O Capital: para nos fornecer um entendimento científico do sistema capitalista e de suas dinâmicas.

Ao usar como referência os trabalhos de seus predecessores “clássicos”, como Adam Smith e David Ricardo, Marx analisou a dinâmica do modo de produção capitalista. A conclusão que ele demonstrou é que o crescimento anárquico e as destrutivas crises de superprodução são inerentes às leis e lógicas do capitalismo, que se baseia na produção para o lucro.

Marx explicou que as verdadeiras barreiras para um desenvolvimento econômico harmônico são a propriedade privada dos meios de produção e o estado-nação. Enquanto não nos libertarmos dessas amarras, quaisquer tentativas de resolver os problemas que enfrentamos no capitalismo serão fúteis.

Marx analisou o crescimento econômico sob o capitalismo cientificamente, em contraste com o jeito vago no qual os decrescentistas discutem essa questão.

Sob o capitalismo, o crescimento surge da “acumulação de capital”, como Marx demonstrou. Ele explicou como o capital é o valor que busca gerar mais-valor. Os capitalistas, em outras palavras, investem dinheiro nos meios de produção e na força de trabalho para poderem lucrar.

São as leis do capitalismo que são responsáveis pela escassez, pelo desperdício e pela destruição que vemos ao nosso redor – não a ideia abstrata de “crescimento”

Em suas buscas por lucros cada vez maiores, graças às pressões da competição, os capitalistas são forçados a reinvestir a sua mais-valia – criada pela classe trabalhadora – em novos meios de produção, incluindo fábricas, maquinaria, tecnologia, infraestrutura e matéria-prima.

Isso leva à expansão e ao desenvolvimento das forças produtivas, levando a um rendimento ainda maior. O bolo econômico cresce e, com isso, a massa de lucros também aumenta.

Enquanto os capitalistas acumulam mais e mais riqueza, os trabalhadores acumulam apenas miséria e fadiga. A desigualdade e o antagonismo entre as duas classes cresce.

Essa dinâmica da acumulação de capital também explica o porquê do capitalismo ser um sistema que inerentemente sempre leva a crises responsáveis por criar pobreza em meio à abundância.

Todo capitalista está tomando a mesma decisão “racional” de espremer a classe trabalhadora por lucros maiores, levando a uma situação que é extremamente irracional para o sistema como um todo. O mercado fica saturado com mercadorias que não podem ser vendidas, levando aa crises periódicas de superprodução. 

Em tais crises, Marx e Engels descrevem:

“A sociedade repentinamente se encontra de volta a um estado de barbárie momentânea; ela aparenta como se uma fome, uma guerra universal devastadora houvesse cortado o fornecimento de quaisquer meios de subsistência; a indústria e o comércio aparentam estar destruídos, e por quê? Pois existe muita civilização, muitos meios de subsistência, muita indústria e muito comércio.” (Marx & Engels, O Manifesto Comunista)

“Cada vez mais”, Jason Hickel afirma em Menos é Mais, “fica claro que a escassez é criada, intencionalmente, pelo bem do crescimento”. Mas isso é falso. O verdadeiro problema é o lucro.

“Os limites da produção não são determinados pelo número de barrigas famintas, mas pelo número de bolsos capazes de comprar e pagar”, Engels explica respondendo Malthus e suas ideias reacionárias. “A sociedade burguesa não deseja e não pode desejar produzir mais. As barrigas empobrecidas, o trabalho que não pode ser utilizado para o lucro e que, portanto, não pode ser comprado são deixados para as taxas de mortalidade”.

Em resumo, as leis do capitalismo são as responsáveis pelos desejos, pelo desperdício e pela destruição que nós presenciamos ao nosso redor – e não a ideia abstrata de “crescimento”.

Graças ao aprofundamento da crise global e da ascensão da luta de classes, em seus comentários mais recentes Hickel aparenta reconhecer os limites de tentar convencer os capitalistas e seus representantes políticos de sua agenda e sua perspectiva “decrescentista”.

Em uma contribuição ao Monthly Review de 2023, por exemplo, o acadêmico reconhece que o sistema capitalista nunca vai se transformar para ficar mais verde e mais igualitário. E, além disso, ele declara corretamente que é a classe trabalhadora organizada que deve ser o agente primário para trazer uma mudança radical.

“Esse não é o momento para um reformismo fraco, fazendo uma pequena mudança aqui e ali em um sistema falido”, o autor escreve. “Esse é o momento de uma mudança revolucionária”.

Enquanto isso, mais recentemente, Hickel se tornou um crítico aberto do imperialismo e da “social-democracia” (reformismo).

A única saída para a sociedade, de acordo com uma declaração do autor ambientalista em um post de uma rede social no início deste ano, “é abandonar a acumulação de capital e fazer a transição para uma economia pós-capitalista, onde a produção seja organizada democraticamente em torno do bem-estar humano e da ecologia (em outras palavras, socialismo)”.

“Ao nos livrarmos das ilusões e das falsas soluções,” ele conclui citando Karl Marx e Rosa Luxemburgo, “sempre retornamos para a única escolha que a humanidade enfrenta: socialismo ou barbárie”.

Ao mesmo tempo, contudo, em seus escritos e entrevistas Hickel cita diversos pensadores utópicos e liberais que variam do anarquista Kropotkin até o economista burguês Keynes. E ele continua a defender políticas econômicas reformistas, como a regulação do crédito comercial e do investimento privado, ao invés de defender o planejamento socialista de maneira inequívoca. 

Isso demonstra a grande confusão de ideias que é a teoria “decrescentista”, em última instância.

Nós devemos declarar de maneira clara e direta: o capitalismo está matando o planeta. Nós precisamos de uma revolução. A classe trabalhadora mundial deve se erguer, tomar o controle dos meios de produção e planejar a economia em linhas socialistas. 

Como marxistas, nós não “escolhemos” de maneira arbitrária a classe trabalhadora como a força destinada a derrubar o capitalismo. Na verdade, essa ideia vem de uma compreensão científica do papel central que a classe trabalhadora joga na produção, que dá aos trabalhadores um poder potencial enorme e uma consciência coletiva.

Os idealistas decrescentistas, por outro lado, tendem a apagar as linhas de classe, jogando diferentes grupos de trabalhadores uns contra os outros. Outras tendências inspiradas no malthusianismo do movimento ambientalista confundem as coisas de maneira similar, ao culpar a ideia abstrata do “consumismo”.

O autoproclamado “ecomarxista” Saito, por exemplo, declara que: “nós, japoneses [no Norte Global], somos cúmplices das catástrofes ambientais no Sul Global. Os nossos estilos de vida luxuosos seriam impossíveis sem a exploração do Sul Global.”

Mas os japoneses – assim como qualquer nação ou povo – não são uma única classe. É a classe dominante que aproveita os frutos do imperialismo. Enquanto os capitalistas poluem o planeta e enchem seus bolsos, a classe trabalhadora japonesa é extremamente explorada, sujeita a dificuldades notórias e condições de trabalho terríveis.

Os trabalhadores “do Norte” têm mais em comum com os trabalhadores “do Sul” do que com os patrões de seus próprios países. Os trabalhadores compartilham coletivamente os mesmos interesses de classe fundamentais e eles formam organizações de massa, como sindicatos e partidos políticos, para combater por esses interesses.

É a classe trabalhadora organizada que, armada com um programa revolucionário claro, tem o poder pra derrubar o sistema capitalista e trazer uma mudança revolucionária.

Atualmente, está cada vez mais evidente que os capitalistas e o seu sistema caótico não podem salvar o meio ambiente. De fato, eles são os verdadeiros sabotadores, responsáveis pelo inferno que está devastando o planeta.

Nós temos as ferramentas tecnológicas necessárias para fazer com que a nossa economia trabalhe em harmonia com a natureza. Mas, para implementá-las, nós precisamos da planificação. Contudo, isso levanta uma questão de classe fundamental: não é possível planejar o que você não controla e não é possível controlar o que você não possui.

Somente por meio de uma revolução socialista e do estabelecimento de uma economia planejada socialista poderemos garantir que o desenvolvimento da humanidade não continue em oposição à natureza

Apenas quando a classe trabalhadora tomar os ‘“paineis de controle” da economia, como os grandes bancos e os grandes monopólios, é que nós poderemos planificar a economia de acordo com os interesses da maioria da sociedade no lugar dos lucros de um punhado de indivíduos.

Essa é a fundação material para uma sociedade de superabundância, onde as forças produtivas que estão à nossa disposição serão utilizadas racionalmente e democraticamente, em harmonia com o mundo ao nosso redor.

Os marxistas, portanto, não são contra o “crescimento” em si. Inclusive, o crescimento sob o socialismo significaria um grande desenvolvimento das forças produtivas, em tal grau que nós poderíamos elevar massivamente os padrões de vida de todos em todo o mundo – tudo isso enquanto diminuímos a jornada de trabalho através da automação para podermos deixar as pessoas com tempo livre para se aprofundarem na educação, na ciência e na arte.

Graças aos capitalistas, nós herdaremos uma grande bagunça em termos de desastre e devastação ambiental. Uma das primeiras tarefas de um governo operário, portanto, seria investir em infraestrutura para prevenção de secas, incêndios florestais, enchentes e outras condições climáticas extremas por todo o mundo.

Ao expropriarmos as propriedades dos super-ricos, e desenvolvermos um programa massivo de construções de moradias, habitações decentes poderiam ser providenciadas para todos aqueles que vivem em um ambiente inabitável.

Sem a barreira do estado-ação, e sem políticos reacionários instigando o racismo e a xenofobia, isso não seria considerado como uma “crise de imigrantes”, mas um plano internacional para garantir a segurança e as condições de vida humanas para todos.

Já existe comida o suficiente produzida globalmente para alimentarmos o mundo inteiro. E, através do compartilhamento da ciência moderna, da tecnologia e das técnicas, uma quantidade suficiente de água limpa e energia poderia ser facilmente garantida para todos.

A especialização holandesa sobre a administração de água e o agronegócio, por exemplo, permite que o pequeno pedaço de terra que é a Holanda exporte alimentos e outros produtos agrícolas por todo o mundo. Ainda assim, graças à propriedade privada, os capitalistas guardam essa tecnologia só pra eles. A motivação deles não é de produzir comida para alimentar as pessoas, mas sim de aumentar a eficiência pelo bem da competição no mercado mundial e, com isso, realizar lucros enormes.

De maneira similar, sob as bases de um planejamento socialista internacional, a geração de energia baseada no Sol, no vento e na água poderiam ser instaladas nos locais que fizessem mais sentido geográfico, que então exportariam essa energia abundante para todo o mundo.

E, ao remover o lucro da equação, sob as bases do controle e administração operária, os grandes desperdícios poderiam ser removidos de indústrias inteiras. Junto com as últimas tecnologias e métodos de reciclagem, isso permitiria que a produção desse um salto ao mesmo tempo que reduziríamos a extração de recursos naturais.

Essa é apenas a ponta do iceberg. As possibilidades são ilimitadas. Nós não podemos dar uma impressão exata e detalhada de como o socialismo será. Mas o enorme potencial é evidente se nós pudermos construir as fundações econômicas necessárias.

Somente através de uma revolução socialista e do estabelecimento de uma economia socialista planificada que nós poderemos assegurar que o desenvolvimento humano não se encontre mais em oposição à natureza, mas sim que as leis e as forças da natureza sejam utilizadas em seu lugar para trazer o progresso para toda a sociedade e para os nossos arredores.

Nas palavras de Engels:

“A cada dia que passa, nós acumulamos um entendimento melhor dessas leis [da natureza]… Particularmente, após os grandes avanços conquistados pelas ciências naturais do século atual, nós estamos mais prontos do que nunca para concretizar, e portanto controlar, até mesmo as consequências naturais mais remotas ao menos das atividades de produção diárias.

“Mas quanto mais esse progresso avança, mais os homens não apenas sentirão, mas também entenderão a sua unidade com a natureza, e mais impossível será a ideia antinatural e sem sentido do contraste entre a mente e a matéria, o homem e a natureza e o corpo e a alma.”

TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.