Depois de seis anos e sete meses, nesta quinta-feira (31/10), os assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes foram condenados pelo Tribunal do Júri do Rio de Janeiro. Ronnie Lessa, que realizou os disparos, recebeu uma sentença de 79 anos de prisão e o motorista do automóvel, Élcio de Queiroz, recebeu uma sentença de 56 anos.
Nos países de capitalismo atrasado, como o Brasil, a vinculação dos grupos paramilitares e organizações criminosas com o Estado burguês é ainda mais flagrante. O caso Marielle Franco trouxe à tona este emaranhado de articulações políticas e interesses pessoais, que tem um peso nefasto na vida da classe trabalhadora brasileira, foram as Milícias do Rio de Janeiro que assassinaram Marielle e Anderson. Essas relações criminosas permanecem e se aprofundam devido à crise do capitalismo.
A certeza da impunidade foi o que fez com que os milicianos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, ambos ex-membros de tropas especializadas da Polícia Militar do Rio de Janeiro, aceitassem a missão de assassinar uma vereadora eleita com 46.502 votos, em uma metrópole como a cidade do Rio de Janeiro, em troca de dinheiro e grandes terrenos na Zona Oeste da cidade.
Vale aqui lembrar que as manifestações no dia seguinte à execução de Marielle Franco e Anderson levaram centenas de milhares de pessoas às ruas do Brasil e de todo o mundo. E a palavra de ordem central era o fim da Polícia Militar.
Os desdobramentos destas manifestações poderiam ter ido muito mais longe caso a direção do PSOL não tivesse confiado as investigações às instituições burguesas e se recusado a levar a frente uma investigação independente. A proposta da campanha internacional “Justiça por Marielle Franco” tinha apelo internacional, com o apoio de magistrados e personalidade de todo o mundo. Defendia-se a formação de uma comissão independente com total acesso aos dados e arquivos da polícia.
A força do repúdio e ódio por este crime bárbaro também se expressou nas urnas, nas eleições de 2018. O PSOL elegeu cinco deputados estaduais, três deles eram assessoras do mandato de Marielle Franco: Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro. Em apenas seis meses, essas três militantes pouco conhecidas tornaram-se deputadas estaduais.
A confiança nas instituições burguesas por parte da direção do PSOL se repetiu na eleição para prefeito de 2020, na cidade do Rio de Janeiro, com resultados desastrosos para o próprio partido. Em 2020, a direção do PSOL escolheu como candidato a vice-prefeito de Renata Souza, o coronel da reserva da Polícia Militar, Íbis Pereira, alimentando mais uma vez ilusões nas forças de repressão. Renata Souza obteve apenas 3,2% dos votos, 85 mil votos.
O assassinato de Marielle Franco extrapolou todos os limites desta relação sinistra entre o crime organizado e o Estado burguês. Era demasiado para a democracia burguesa, que para preservar sua legitimidade social precisa respeitar alguns de seus próprios ritos e leis aprovados por seu próprio sistema de dominação. A classe dominante se viu obrigada a agir, em nome de sua própria sobrevivência.
Lentamente, o crime foi sendo esclarecido. Hoje, a principal tese que sustentou a condenação dos assassinos, e que pode levar à cadeia também os mandantes, é de que Marielle Franco lutava e atuava pela regularização de loteamentos clandestinos na Zona Oeste do Rio para que os moradores desses terrenos adquirissem a propriedade. Os beneficiados seriam as famílias da classe trabalhadora que ali haviam construído suas residências e suas vidas. Essa luta do mandato de Marielle Franco irritou os irmãos Brazão, que atuavam na grilagem de terras na região, ou seja, também queriam regularizar os terrenos, mas em seu próprio benefício e de seus comparsas.
Domingos Brazão estava em seu quinto mandato como deputado estadual e havia sido eleito, em 2015, como um dos sete conselheiros vitalícios do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Chiquinho Brazão estava em seu terceiro mandato como vereador do Rio de Janeiro e naquele mesmo ano de 2018 foi eleito para seu primeiro mandato como deputado federal (seu segundo mandato foi cassado somente agora em setembro de 2024 no Conselho de Ética e sua apelação foi barrada no STF). Já Rivaldo Barbosa que foi chefe da Polícia Civil justamente no período entre março e dezembro de 2018. Estes são os acusados de serem os mandantes do assassinato de Marielle Franco. Pelos cargos que exerciam no aparato de Estado burguês é possível ver até onde vão às relações das milícias com o estado do Rio de Janeiro. Eles devem ser julgados em 2025 no STF.
Também estão sendo investigados o delegado da Polícia Civil Giniton Lages e o comissário Marco Antônio de Barros Pinto, ambos da Delegacia de Homicídios, por obstrução da Justiça. O processo de investigação foi sistematicamente sabotado por eles, e somente começou a andar quando foi movido para a esfera federal.
Apesar de os resultados que vêm a público hoje estarem levando à prisão aqueles que executaram o crime, e de que possivelmente os mandantes serão condenados, não podemos deixar de salientar, que uma investigação independente teria ido muito mais longe. Seria uma excelente ferramenta para esclarecer as relações entre o governo e os agrupamentos milicianos do estado do Rio de Janeiro, que continuam a se desenvolver e aumentam seu poder econômico e político.