O editor do site marxist.com, Alan Woods, iniciou uma série de palestras pela América Latina com encontros organizados pelos marxistas da Argentina, do Paraguai e do Brasil. As visitas continuarão em novembro com uma série de encontros na Cidade do México organizados por Esteban Volkov e o Museu de Trotsky.
A primeira parada foi na Argentina, onde um pequeno, porém engajado grupo de membros da Corrente Marxista Internacional (CMI) localizados principalmente em Rosário, terceira maior cidade argentina e local de nascimento de Che Guevara, lançaram um ambicioso programa de publicação de livros marxistas.
[table id=5 /]Em pouco mais de um ano eles já publicaram um número impressionante de materiais. A lista inclui o “Manifesto Comunista”, “Estado e Revolução”, “1905 – Balanços e Perspectivas”, de Trotsky, “Lenin e Trotsky – O que eles realmente defendiam”, “Reforma e Revolução”, de Rosa Luxemburgo, e “Comunismo e Anarquismo”, de Perobrazhensky.
Sua última publicação foi o livro “Bolchevismo – O caminho para a revolução”, de Alan Woods, o qual foi oficialmente lançado pelo autor em sua passagem por Rosário. Ano que vem está planejado o lançamento da versão argentina de “Stalin”, de Trotsky.
Durante a viagem, Alan tem sido acompanhado pelo camarada Serge Goulart, líder da seção brasileira da CMI. Após sua chegada em Buenos Aires, Alan foi com Serge visitar os líderes do movimento de fábricas ocupadas.
Serge Goulart tem mantido contato bastante próximo com esses camaradas por muitos anos, devido ao seu papel de liderança no movimento de fábricas ocupadas do Brasil e também de outros países da América Latina, principalmente a Venezuela.
Os camaradas receberam uma calorosa recepção dos trabalhadores, que organizaram uma parrillada (churrasco tradicional argentino) em sua homenagem. Estavam presentes no encontro 30 líderes e ativistas de 21 fábricas ocupadas, entre eles Eduardo Vasco Murua, o conhecido coordenador nacional da IMPA (indústria metalúrgica que é um ícone no movimento de fábricas ocupadas).
Os trabalhadores (que vieram todos de uma formação peronista) mostraram grande interesse nas ideias marxistas e pediram aos camaradas que falassem sobre a luta dos trabalhadores em seus países. Serge foi o primeiro a falar e deu um relato da situação no Brasil, enquanto Alan deu um breve panorama sobre a crise capitalista mundial e seus impactos na classe trabalhadora e na luta de classes.
Serge fez duras críticas à atitude sectária da esquerda argentina para com os trabalhadores peronistas que compõem a maioria da classe trabalhadora do país. Sua fala foi bem recebida pelos trabalhadores, que expressaram interesse genuíno nas ideias marxistas.
O evento público realizado em Buenos Aires enfrentou uma série de dificuldades e imprevistos. Primeiramente, os líderes das fábricas ocupadas, que haviam expressado firmemente sua intenção de comparecer, tiveram que se junt
ar a uma nova ocupação na província de Buenos Aires e enviaram suas desculpas. Uma chuva torrencial, que afetou gravemente o trânsito na capital, também não ajudou.
Ao fim, 26 estudantes e trabalhadores compareceram a um encontro muito interessante acerca da Revolução Russa hoje, o qual teve a introdução do camarada Alan, que falou sobre o significado histórico da Revolução de Outubro (em suas palavras, o maior evento na história da humanidade) e rebateu as calúnias dos historiadores burgueses. Em seguida houve um debate entusiasmado. Livros e outros materiais foram vendidos e contatos foram feitos.
Tanto em Buenos Aires quanto em Rosário, Alan foi entrevistado diversas vezes por diferentes veículos de imprensa e rádio. Entre eles, o jornal Pagina 12, um dos três mais importantes da Argentina.
Rosário
No dia seguinte, Alan e Serge viajaram de carro para Rosário, onde dois encontros foram organizados. O primeiro aconteceu em La Toma, um supermercado que foi ocupado pelos trabalhadores e se transformou em uma mistura de mercado, restaurante público e centro de conferências para a esquerda. Alan foi levado pelo comitê de trabalhadores a uma visita guiada pelo prédio. Após isso o encontro teve início. O tema era o mesmo de Buenos Aires e teve a presença de 53 pessoas.
Alan destacou que a Revolução de Outubro provou na prática que é possível gerir um país gigantesco como a União Soviética sem latifundiários, banqueiros ou capitalistas e obter resultados excelentes. Um país antes atrasado e analfabeto transformou-se em uma economia industrializada com mais cientistas que os EUA, a Grã-Bretanha, a Alemanha e o Japão juntos.
Depois disso as pessoas se juntaram ao redor da banca organizado pelos militantes e uma grande quantidade de materiais foram vendidos, inclusive sete cópias do livro “Bolchevismo – O caminho para a revolução”. Alan foi cercado por pessoas fazendo perguntas e pedindo que ele assinasse os livros.
No dia seguinte, um novo encontro foi organizado na Universidade de Humanidades, do qual participaram 65 estudantes e professores. O tema dessa foi o lançamento do livro “Bolchevismo – O caminho para a revolução” em uma nova edição argentina.
Alan iniciou sua fala destacando que não há nada na história dos partidos políticos que se possa comparar com a ascensão extraordinária do bolchevismo. Em seguida, ele expôs a história do partido desde seu início como pequenos círculos de propaganda até sua transformação em uma partido revolucionário de massas capaz de liderar milhões de trabalhadores e camponeses à tomada do poder.
Assim como em Buenos Aires e La Toma, houve um debate empolgante e bastante entusiasmo pelas ideias da CMI. Os camaradas de Rosário ficaram convencidos de que esses dois encontros (com cerca de 100 pessoas no total e audiências completamente diferentes) foram um marco na evolução da organização.
O restante do tempo que Alan passou em Rosário foi tomado por entrevistas para diferentes veículos de mídia, entre eles o El Ciudadano, principal jornal da região.
Paraguai
Essa foi talvez a parte mais significativa da primeira etapa da visita de Alan à América Latina. Juntamente com Serge Goulart, ele foi convidado pelos líderes do P-MAS, importante partido de esquerda paraguaio que ficou sabendo que Alan viria ao Brasil.
O P-MAS foi criado há apenas 11 anos e é composto majoritariamente por jovens, defendendo as bandeiras do comunismo e do internacionalismo. Isso levou a um confronto com as políticas e táticas oportunistas de Lugo e seus seguidores.
Há algum tempo esses camaradas têm acompanhado com interesse os materiais políticos da CMI e do site marxist.com. Eles queriam saber mais sobre as nossas ideias e aproveitaram a presença do camarada Alan Woods para isso. O encontro foi um grande sucesso, uma vez que ambos os lados tiveram total acordo em todas as principais questões.
Em 29 de setembro, uma sexta-feira, o partido organizou um encontro na universidade. Toda a divulgação foi feita e um grande encontro foi preparado, mas então a sabotagem teve início. Repentinamente, sem qualquer aviso ou explicação, as autoridades universitárias cancelaram o agendamento.
Os camaradas reagiram rapidamente e agendaram um espaço em outra universidade, dessa vez uma particular. Mal o agendamento havia sido feito, foi novamente cancelado. Por fim o encontro aconteceu nas dependências da CUT-A, uma das maiores federações sindicais do Paraguai.
Naturalmente, a confusão causada pelas duas mudanças repentinas de local tiveram efeito no número de participantes, mas de qualquer forma as tentativas de sabotagem falharam. O encontro aconteceu conforme planejado, com mais de 60 participantes. Entre eles estava o camarada Bernardo Rojas, presidente nacional da CUT-A, que recebeu calorosamente Serge Goulart, a quem conhece há alguns anos.
O tema da discussão foi a crise do capitalismo. À mesa, além de Alan e Serge, estava o líder do P-MAS, camarada Camilo Suarez. O primeiro a falar foi Serge, que tratou dos efeitos da crise no Brasil e a incapacidade dos líderes reformistas do PT de oferecer uma solução.
Em seguida, Alan explicou que a atual crise não tem qualquer paralelo histórico e não é uma crise comum: “Lenin afirmou que não existe algo como uma crise final do capitalismo”, disse ele. “Enquanto a classe trabalhadora não superá-lo, o capitalismo sempre vai encontrar uma maneira de sair até da mais profunda crise. Isso é verdade como premissa geral, mas não diz nada concreto sobre a situação atual”.
“A pergunta que deve ser feita é quanto tempo vai levar para sair desta crise e custo de quê?”. O Financial Times calculou que levará 20 anos para resolver a crise do Euro. “Essa é uma receita ideal para a luta de classes”, concluiu.
No dia seguinte, 1 de outubro, às 15 horas Serge e Alan foram convidados para realizar um encontro com 43 ativistas do sindicato de eletricitários Sitrande, maior sindicato do Paraguai. Há apenas quatro meses eles elegeram uma nova liderança com 70% dos votos.
Serge iniciou com um discurso bastante enérgico denunciando a colaboração de classes, o qual foi recebido com entusiasmo. Alan destacou que a luta sindical deve estar ligada à luta política pela mudança da sociedade, uma mensagem que foi entendida por todos os presentes. O encontro foi mediado pelo camarada Jorge, um sindicalista veterano e secretário de imprensa do sindicato.
Alan e Serge tiveram então que rapidamente se deslocar para o próximo encontro, agendado para as 19h na sede do P-MAS, onde 70 quadros do partido se reuniram para debater a Revolução Russa. Novamente, Serge abriu com um discurso aguerrido enfatizando que a Revolução Russa não é uma questão meramente histórica, mas de importância fundamental para os revolucionários hoje, destacando que a tática de frente única levada por Lenin em 1917 foi o que permitiu ao Partido Bolchevique tomar o poder em outubro.
Serge foi seguido pelo camarada Camilo Suarez, que falou sobre as contradições insolúveis do capitalismo que preparam caminho para a
revolução socialista. Ele também criticou a ideia de que a inteligência artificial ou a robótica poderia resolver esses problemas e insistiu na necessidade de aprender as lições da Revolução Russa.
Alan Woods, em suas considerações finais, tomou a questão da robótica levantada por Camilo e explicou que a palavra “robô” vem da palavra tcheca para “escravo”, e que em uma economia socialista racional e planejada os novos avanços tecnológicos como os da robótica poderiam ser usados para abolir a escravidão do trabalho ao reduzir drasticamente as jornadas laborais:
“Aristóteles escreveu que a humanidade começa a filosofar quando as necessidades da vida são satisfeitas. Ao libertar a humanidade da escravidão assalariada, podemos conquistar o que Engels chamou de salto do reino da necessidade para o reino da liberdade”.
Após o encontro, que todos os presentes consideraram um grande sucesso, os camaradas organizaram uma tradicional parillada paraguaia com música instrumental e canções.
Entrevista de Alan Woods à TV paraguaia
Às 8h30 do dia 1º de outubro, Alan Woods foi convidado a participar de uma entrevista televisiva em um programa bastante popular apresentado por um dos mais conhecidos apresentadores de TV do Paraguai no horário nobre do domingo, quando tradicionalmente as famílias se reúnem para assistir TV.
O fato de um revolucionário marxista ser convidado para um programa como esse, que ainda por cima foi transmitido ao vivo, é algo sem precedentes no Paraguai, onde a direita atualmente está firme no poder. Parecia que alguém havia pensado que isso seria quase como os romanos jogando cristãos aos leões para entretenimento público.
Se essa era a ideia, as coisas não saíram conforme o planejado. O apresentador, Luis Barreiro, foi justo a todo momento, até mesmo agradável. Mas ele estava claramente surpreso, até mesmo fascinado, com as respostas às suas perguntas. Ele começou perguntando se as ideias marxistas ainda eram relevantes, ao que Alan respondeu fazendo referencia ao Manifesto Comunista (“o documento mais moderno que existe”).
“Mas e quanto à ditadura do proletariado”, Luis insistiu. Alan explicou que no tempo de Marx a palavra “ditadura” não tinha a mesma conotação de hoje, em que é associada a nomes como Hitler, Mussolini, Stalin e Franco. O exemplo de Marx era a Comuna de Paris, “algo muito distante da ideia de um regime totalitário!”.
“Há algum país hoje que possa ser chamado marxista?”, perguntou o apresentador.
“A essa pergunta eu posso responder de maneira bem rápida: nenhum”, respondeu Alan.
“Coreia do Norte?”, retrucou Luis.
“Uma ditadura stalinista que não tem nada em comum com o regime democrático dos bolcheviques”, respondeu Alan.
“China?”, insistiu o apresentador.
“Hoje é um país capitalista onde os trabalhadores são explorados de maneira tão brutal quanto nos tempos de Marx e Charles Dickens”, respondeu Alan.
O apresentar então abordou a organização terrorista que opera no Paraguai sob o nome de EPP, “Eles têm algo a ver com o Marxismo?”.
“Nada”, retrucou Alan. “O marxismo russo nasceu em meio à luta implacável contra o terrorismo individual. Mas minha objeção ao terrorismo não tem nada a ver com sentimentalismo ou moralismo. Eu não sou um pacifista. Minha objeção a esses métodos se dá simplesmente pelo fato de que eles não funcionam e são contraproducentes. Na América Latina eles foram um desastre, com cerca de 100 mil mortes e levando somente a ditaduras militares brutais”.
“E a Venezuela?”, Luis voltou a perguntar.
“Ela mostra que não se pode fazer meia revolução. Ou nós destruímos o poder das oligarquias ou elas nos destroem”. Afirmou Alan. Hoje há um sério risco de que isso vá acontecer. Naturalmente, nós defendemos a Revolução Bolivariana da contrarrevolução, mas isso não significa que nós concordemos com as políticas do governo Maduro que levaram à atual situação”.
“Como se destrói o poder das oligarquias?”, perguntou o apresentador. “Você quer nacionalizar tudo?”
“Não, eu pareço um extremista? Eu me considero uma pessoal bastante moderada”, respondeu Alan. “Eu só desejo a nacionalização de três coisinhas”.
“Quais são?”, perguntou Luis.
“A terra, os bancos e os grandes monopólios”, respondeu Alan. “Isso é suficiente para planejar a economia”.
“E você quer que todos ganhem o mesmo?”, retrucou o apresentador.
“Não. Haverá diferença entre trabalhadores qualificados e não qualificados, tais quais médicos, cientistas, engenheiros etc.”, respondeu Alan. “O que não pode ser tolerado é uma situação em que 1% da população mundial possui mais riqueza que a metade mais pobre da humanidade. Além disso, esse 1% que detém os meios de produção não desempenha qualquer papel no processo produtivo”.
“E a mídia?”, perguntou Luis.
Alan havia afirmado que a mídia era possuída e controlada em todos os lugares pelos ricos e poderosos e que era necessário tomar o poder de suas mãos e fornecer acesso livre aos meios de comunicação para todos os partidos, sindicatos e organizações de acordo com seu apoio real na sociedade.
“Digamos apenas que eu sou a favor da democratização dos meios de comunicação”, respondeu Alan.
A essa altura estava ficando claro que as “perguntas difíceis” do entrevistador estavam acabando. Mas dois quadros do programa já haviam passado e ele se aproximava do fim. Para ser justo, o entrevistado em nenhum momento foi hostil e ao final pareceu genuinamente interessado no que Alan estava dizendo.
Pouco antes do último intervalo comercial, ele anunciou diversos tópicos que deveria perguntar a Alan, inclusive a questão de gênero, que aparentemente foi usada pela direita para desacreditar a esquerda no Paraguai.
Foi então que veio a surpresa final.
Durante todo o programa, Luis recebia ligações em seu fone de ouvido. O conteúdo exato delas nós podemos apenas supor, mas está mais ou menos evidente. Os comentários de Alan sobre a possessão da mídia foram a última gota e os donos decidiram encerrar o programa que já havia passado de todos os limites da permissividade.
Após uma rápida referência à questão de gênero (na qual Alan disse ser defensor da emancipação da mulher, mas contra as teorias que levam à divisão por gênero) , o apresentador repentinamente encerrou o programa agradecendo Alan pela presença e anunciando o fim da entrevista.
Isso fala bastante sobre a liberdade de imprensa no Paraguai (e em todos os lugares).
A próxima parada da visita de Alan será no Brasil, onde ele irá lançar a nova tradução portuguesa de “Stalin”, de Trotsky, em uma série de eventos públicos em São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis e Rio de Janeiro.
Publicaremos relatos dessas atividades no decurso das próximas semanas.
Tradução: Felipe Libório.