Na confusão que é hoje o mercado mundial, depois da Grécia, a Itália é a bola da vez. A zona do Euro também está em crise.
A zona do euro está entrando em águas tempestuosas. A crise que se abriu com o quase colapso do sistema bancário mundial em 2008 agora se aprofundou em uma crise de insolvência de nações inteiras. A burguesia não sabe como sair da crise, que está varrendo como um tsunami de um país a outro na Europa. Nas palavras do ministro das finanças da Itália, “Não deve haver ilusões sobre quem será salvo. Como no Titanic, os passageiros da primeira classe também não serão capazes de se salvar”.
Primeiro foi a Grécia, em seguida a Irlanda e Portugal, e agora a Espanha e a Itália, uma economia após outra está sendo arrastada para o abismo. O destino da própria moeda comum europeia está sendo abertamente posto em dúvida. O euro está se arrastando sob o peso das gigantescas dívidas nacionais e os efeitos da crise capitalista global.
Há um ano, quando a crise grega estava em pleno andamento, a burguesia se consolava com a ideia de que somente os estados da periferia da Europa estavam em apuros. Mas, ao longo dos últimos dias, a ideia de que os mercados consideram a periferia arriscada tem se fortalecido e se expande gradativamente. Na terça-feira, 12 de julho, o Guardian publicou um editorial com o seguinte título: A Itália e a zona do euro: benvindos ao inferno.
As Bolsas europeias experimentaram novas e cada vez mais acentuadas quedas, conforme se propagavam os temores de que a Itália seria a próxima vítima da escalada da crise da dívida europeia, enquanto a Grécia se move continuamente em direção a uma moratória. As ações bancárias desmoronaram em toda a Europa, enquanto se espalhavam os rumores de que a Itália logo se tornaria incapaz de contrair empréstimos nos mercados monetários internacionais. O euro continuou a cair em relação às outras moedas e, agora, vale apenas US$ 1,388.
Nos mercados de títulos, o yield (taxa de juros) sobre os títulos italianos de 10 anos aproximou-se de 6%, o índice mais elevado em pelo menos uma década. Para a Espanha, o yield é ainda mais elevado, 6,2%. Os economistas estão advertindo que estes custos de empréstimo estão se aproximando de níveis insustentáveis. Nada disto se supunha acontecer. Os termos do Tratado de Maastricht proíbem grandes déficits e orçamentos deficitários. Mas Maastricht é hoje somente uma vaga lembrança.
Teoricamente, visto que todos aderiram à mesma e única moeda, com um único banco central que estabelece uma única taxa de juros de referência, cada país seria capaz de pedir emprestado a taxas bem próximas da taxa de juros de referência. Mas nos últimos dois anos os mercados começaram a diferenciar entre as mais fortes economias da zona do euro – a Alemanha e seus satélites (Áustria, Países Baixos e alguns outros) – e as mais fracas, como a Grécia, Irlanda, Espanha e Itália.
De modo crescente, as últimas economias citadas estão tomando dinheiro emprestado dos mercados monetários a taxas punitivas. O aumento dos encargos torna a dívida mais pesada e mais difícil de reembolsar. Assim, quando uma agência de crédito como Moody’s rebaixa o status de crédito de um país, esta ação é como uma profecia realizada.
Isto coloca uma ameaça à própria existência da zona do euro. O Banco Central Europeu (BCE) pode ser capaz de manter a Grécia flutuando (embora a prática nos mostre que isto não será tão fácil). Ele conseguiu organizar um resgate financeiro para a Irlanda e Portugal, que nada resolveu. Mas simplesmente não há dinheiro suficiente no BCE para resgatar países do tamanho da Espanha ou da Itália. Qualquer tentativa para fazer isto logo exauriria os fundos do banco.
Fracasso do resgate financeiro
O pacote de resgate de perto de um trilhão de euros que foi apressadamente costurado em conjunto pelos ministros das finanças europeus no último ano nada resolveu. A moratória grega foi apenas adiada, mas muito cedo se tornará inevitável. Todas as tentativas para evitá-la falharão. Os mesmos ministros das finanças esforçam-se para chegar a um acordo para um segundo pacote de ajuda à Grécia. Embora no final as medidas de austeridade tenham sido aprovadas no parlamento grego, os mercados tornam-se cada vez mais nervosos porque veem que mesmo estas medidas não podem deter o inevitável.
A razão deste nervosismo é clara. O primeiro resgate grego de 110 bilhões de euros não funcionou, e logo depois a Grécia estava exigindo mais 100 bilhões de euros apenas para permanecer solvente até 2014. A pergunta é: quem vai pagar por tudo isto? Os líderes europeus estão divididos sobre a seguinte questão: poderia a Grécia ser eventualmente autorizada a fazer uma suave, controlada e parcial moratória de suas dívidas, sabendo-se que isto obrigaria os bancos e os fundos de pensão a perder algo do dinheiro que eles emprestaram à Grécia?
A razão do conflito não é difícil de perceber. A União Europeia e o FMI têm centenas de bilhões de euros em jogo na Grécia. Então, os bancos centrais querem colocar toda a carga do resgate nos ombros dos contribuintes e querem que o pacote de ajuda seja financiado pelo fundo de resgate da União Europeia. Os líderes europeus não podem chegar a um acordo. Cada burguesia nacional quer defender seus próprios interesses nacionais– isto é, os interesses de seus próprios banqueiros e capitalistas.
Os alemães insistem em que os investidores privados devam ser envolvidos em um futuro pacote adicional de ajuda à Grécia, mas o Banco Central Europeu não está de acordo. Por quê? The Economist explica:
“O BCE quer evitar uma moratória grega a todo custo e se opõe categoricamente a envolver os credores privados. O próprio BCE está sentado sobre montanhas de dívida grega e teme uma reação em cadeia se um país for classificado como em moratória” (ênfase minha, AW).
Este é um problema sem solução. The Economist escreve:
“Os ministros das finanças querem a quadratura do círculo. Eles querem que a contribuição do setor privado seja “voluntária” e ao mesmo tempo “substancial”. Além disso, este reescalonamento da dívida não deve levar as agências de avaliação a declarar a Grécia em moratória”.
Mas Standard & Poor’s deu indicações de que poderia ver tal movimento como uma moratória parcial da Grécia, de qualquer forma.
Rebelião na Grécia
Contudo, eles concordam em uma coisa: deve-se fazer a Grécia pagar. Isto é, deve-se fazer a classe trabalhadora e a classe média grega pagarem. Para justificar o novo plano de resgate, tanto no âmbito de suas próprias regras e também porque os eleitores na Finlândia, Países Baixos e Alemanha ressentem-se do mesmo, a União Europeia insistiu em uma nova série de medidas de austeridade equivalente a uma redução de 10% nas despesas públicas, um corte de um terço na massa salarial dos funcionários públicos e mais 50 bilhões de euros em privatizações.
Mas há um pequeno problema. O povo trabalhador grego levantou-se revoltado contra estas imposições. As ruas de Atenas e de outras cidades gregas se encheram durante semanas com manifestações iradas. Papandreou no final das contas conseguiu aprovar seu programa de austeridade no parlamento. Sua maioria, no entanto, ficou reduzida e seu governo é agora odiado pelas massas.
No bojo da crise, ele ofereceu um governo de unidade nacional à Nova Democracia, o partido de centro-direita, que recusou; ele ofereceu sua própria retirada sob a condição de que um novo governo assinasse o plano de austeridade. Mas a Nova Democracia preferiu deixar o trabalho sujo para o PASOK, por enquanto. Ela está desesperadamente tentando manter apoio eleitoral através de uma oposição demagógica às medidas de austeridade, quando está perfeitamente claro que uma vez que retorne ao governo procederá exatamente com a mesma política.
O fato é que os mercados há muito tempo não consideram tão dura uma moratória na Grécia: 50 a 70% do dinheiro são, na medida em que estão preocupados, melhor do que nada. Desta vez, Papandreou, através da imposição de uma disciplina de ferro sobre sua bancada parlamentar, manobrou para aprovar seu pacote de austeridade mais uma vez; mas como até mesmo este pacote é insuficiente, ele terá que apresentar mais medidas de austeridade. As massas se movimentaram com decisão e sentiram o gosto de seu próprio poder e força. E se movimentarão novamente. Em algum momento o governo do PASOK será forçado a sair.
A lei da selva
Os políticos já não sabem mais a quem culpar. Algumas vezes apontam o dedo acusador para as três grandes agências de classificação de risco (Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s), que têm um poder colossal na avaliação da dívida soberana. Representam o poder manifesto do mercado. O ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, se queixou de que “na semana passada houve uma notificação de uma agência de classificação relacionada a Portugal que chegou à incompreensão total”.
“A Europa não pode permitir que três empresas privadas dos EUA destruam o euro”, disse a Comissária de Justiça da Europa, Viviane Reding, ao jornal alemão Die Welt, referindo-se às chamadas Big Three (embora Fitch seja majoritariamente de propriedade de uma empresa francesa com sede tanto em Nova Iorque quanto em Londres).
Isto é a mesma coisa que brigar com o termômetro porque ele registrou uma febre. Se você aceita a economia de mercado, você deve necessariamente aceitar as leis do mercado, que são muito parecidas às leis da selva. Aceitar o capitalismo e em seguida queixar-se de suas consequências é um exercício frívolo. Vastas quantidades de dinheiro se movimentam constantemente por todo o mundo como um bando de lobos famintos perseguindo um rebanho de renas, detectando as vítimas mais fracas e doentes. E agora existe uma grande quantidade de renas doentes para escolher e devorar.
A recente decisão de Moody’s de rebaixar a dívida de Portugal ao status de lixo lançou lenha na fornalha. Esta decisão tomou os políticos europeus de surpresa. Ficaram indignados com esta decisão, que deprimiu os preços das ações dos maiores bancos europeus e também rebaixou o valor do euro em relação ao dólar. As ações dos bancos portugueses, em particular, receberam um golpe, com os preços das ações do Banco BPI, Millenium BCP e Banco Espírito Santo caindo de 5 a 7%.
“Este foi um duro lembrete de que os problemas ainda estão presentes”, disse um corretor a uma agência de notícias. “Agora, Portugal está ameaçado de ser a próxima pedra a cair. As pessoas estão nervosas”.
O primeiro-ministro Coelho acaba de tomar posse, mas se mostrou servilmente disposto a executar as medidas de austeridade impostas ao país como condição para os 78 bilhões de euros de resgate. Frankfurter Allgemeine Zeitung escreve:
“Ninguém em Lisboa estava preparado para esta punhalada nas costas. O anúncio de que o novo governo conservador de Coelho estava sendo enganado politicamente por Moody’s somente duas semanas depois de tomar posse, foi uma notícia sinistra. Em seu esforço de se distanciar da Grécia de forma positiva, cometeu o governo português algum erro? Seus programas de poupança e reformas estavam adaptados às exigências da Troika (a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu)… E, para acalmar tanto a UE e o FMI, Coelho nomeou Vítor Gaspar, um homem que, quando se trata de políticas relacionadas à estabilidade, tem reputação de ser intransigente como um alemão”.
O rebaixamento é mais uma vez uma profecia que se realiza. Moody’s está dizendo em poucas palavras que Portugal não será capaz de recuperar a confiança dos investidores em dois anos. Mas este rebaixamento tornou a luta de Portugal para recuperar a confiança do investidor impossível. Os preços das ações caíram e a taxa de juros subiu imediatamente depois do anúncio. A comoção e a raiva são consideráveis. Um antigo ministro do governo chegou a falar de “terrorismo”. Os efeitos de tudo isto foram sentidos não somente em Lisboa, mas também em Madri e Roma.
Apenas uma semana depois do rebaixamento da dívida portuguesa ao status de lixo, a agência de classificação Moody’s rebaixou a classificação de crédito da Irlanda ao mesmo status também. A Irlanda, ao contrário da Grécia, adotou as metas estabelecidas para ela quando recebeu o seu resgate de 85 bilhões de euros (119 bilhões de dólares) da União Europeia e do FMI, em novembro passado. Mas os mercados monetários não ficaram impressionados com isto. Eles sabem muito bem que a Irlanda ainda está lutando sob uma carga imensa de dívida e concluíram que um novo pacote de socorro é inevitável.
A percepção de Moody’s em relação à Irlanda permanece negativa, o que significa que futuros rebaixamentos são inevitáveis. O ministro das finanças, Michael Noonan, admitiu na terça-feira, na televisão, que a situação do país permanece frágil. “A Irlanda”, disse ele na televisão estatal, “é uma palha balançando no atual oceano turbulento”.
O que significa isto para o povo irlandês? Significa que todos os sacrifícios anteriores foram em vão. Os trabalhadores e os agricultores da Irlanda estão sendo exigidos a fazer sacrifícios ainda maiores para pagar os agiotas. Mas, como na Grécia, os contínuos ataques aos níveis de vida somente servem para minar a economia. O crescimento da economia irlandesa permanece lento, o que se reflete na queda da arrecadação fiscal. A Irlanda é hoje ainda menos capaz de pagar suas dívidas do que anteriormente.
Por cada passo atrás que o povo der, os banqueiros e os capitalistas vão exigir mais dez. A sociedade está entrando em uma espiral descendente e sem fim à vista.
A Alemanha e o euro
As ambições da classe dominante alemã de dominar a Europa vinte anos depois da unificação explodiram debaixo de seu traseiro. Está crescendo gradualmente a percepção em Berlim de que a rápida disseminação da crise econômica ameaça arrastar a Alemanha para baixo. Eles falharam em resolver a crise grega através de uma gigantesca injeção de dinheiro. E não há dinheiro suficiente no Bundesbank para financiar as dívidas da Espanha e da Itália.
Os temores do mercado se refletem na inclinada queda do valor do euro em relação ao dólar. A moeda comum europeia encontra-se agora em seu mais baixo nível em relação ao dólar em quatro meses. O euro caiu abaixo de US$ 1,39 na terça-feira, abaixo dos US$ 1,42 no final da última semana, e quedas posteriores são inevitáveis. O yield sobre os títulos de 10 anos italianos subiu para 5,9%, enquanto o yield sobre os títulos de 10 anos emitidos pela Espanha, a quarta maior economia da zona do euro, subiu para 6,28%.
Tudo isto está causando crescente alarme na Alemanha, o principal banqueiro da União Europeia. Die Tageszeitung escreve:
“A próxima crise que se aproxima – desta vez na Itália – mostra que a estratégia estatal de resgate do euro não está funcionando. De fato, isto revela que sequer se pode chamar isto de uma estratégia, estritamente falando. Ganhar tempo a qualquer custo – nada mais do que isto tem acontecido no ano e meio desde que a Grécia entrou em crise.
O problema é que ganhar tempo não faz sentido. Isto implica em constantes arremedos de pacotes de resgate, enquanto os especuladores e seus capangas, as agências de classificação, lançam seus olhos sobre a próxima vítima da crise.
Mesmo que a economia italiana seja bastante sólida em comparação aos países em crise, a Itália é um alvo fácil. Todos os intervenientes no mercado sabem que a montanha da dívida italiana era a maior da Europa até a crise da Grécia e que o governo de Berlusconi esteve geralmente muito envolvido com outros assuntos para se preocupar com a monótona tarefa de equilibrar o orçamento.”
Isto está causando uma gigantesca dor de cabeça em Angela Merkel. Seu governo de coalizão está ficando dividido. O bloco anti-europeu no parlamento alemão está crescendo. As pesquisas de opinião pública mostram que mais de 60% dos alemães rejeitam os planos para um segundo plano de resgate para a Grécia. Se continuar esta tendência, Merkel se encontrará desprovida da maioria que necessita. Sob a pressão da opinião pública interna, repentinamente Merkel e o ministro das finanças, Wolfgang Schäuble, estão expressando apoio ao reescalonamento da dívida.
Der Spiegel escreve:
“A Itália ficou na mira dos especuladores em meio às preocupações de que a crise da zona do euro poderia atingir o país proximamente. Em muitos aspectos, a Itália está muito melhor do que seus vizinhos da periferia. Mas, ao contrário da Grécia, é decisivamente muito grande para entrar em falência.”
Contudo, Der Spiegel se esqueceu de acrescentar – e decisivamente muito grande para ser resgatada. No fim da semana, o jornal alemão Die Welt citou uma fonte anônima do BCE, afirmando que o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, o fundo de resgate soberano da zona do euro, que tem um tamanho nominal de 440 bilhões de euros (616 bilhões de dólares), não era suficiente para proteger a Itália.
Depois da Itália é a vez da Bélgica. Os mercados estão particularmente ansiosos que Dexia, um banco belga, venha a ser atingido, levando a dívida soberana belga ao noticiário. Pode-se esperar que a Alemanha venha a pagar por tudo isto? A resposta a esta pergunta é redundante.
O jornal alemão de circulação em massa, o Bild, escreve:
“A fragilidade da Itália tornou-se o foco de todas as dúvidas que, na verdade, estão dirigidas ao euro: será que os estados do euro se acostumaram com a dívida e a crise cambial? Ou não?
O euro somente será salvo se uma solução convincente for encontrada para a Grécia. Isto é o que falta no momento. Quem realmente acredita que emprestando constantemente bilhões e bilhões pode fazer mais que adiar a moratória da Grécia e a reestruturação da dívida?
Enquanto os estados do euro apenas ganharem tempo e continuarem a arcar com novos pacotes de ajuda, a desconfiança dos mercados continuará vigente – e, no final, possivelmente, focalizarão a Alemanha.”
A elite política alemã concluiu que uma moratória grega – caótica ou de qualquer outra forma – é inevitável. Ela quer usar o dinheiro dos contribuintes para resgatar os bancos do afetado norte europeu. Quer deixar os salários caírem, deixar os hospitais fecharem, deixar que os doentes morrerem, mas que os bancos sejam salvos a todo custo!
A Itália e o euro
Como vimos, depois de afundar a Grécia, a Irlanda, Portugal e Espanha, os lobos estão agora dirigindo sua atenção para a Itália, que tem uma enorme montanha de dívidas, que alcança em torno de 120% do PIB. Este nível de endividamento é o mais alto na UE depois da Grécia. Além disso, a Itália tem 335 bilhões de euros de empréstimos vencidos para o próximo ano, muito mais que a Grécia, a Irlanda e Portugal em conjunto. Vai necessitar tomar emprestadas centenas de bilhões e cada vez que pede um empréstimo os investidores em todo o mundo ficam preocupados se serão reembolsados, dado o seu gigantesco déficit público.
Desde que se iniciou a crise financeira e econômica, o país foi capaz de crescer apenas um simples ponto percentual anualmente. O crescimento econômico no primeiro trimestre deste ano foi apenas de 0,1%, bem abaixo da média da zona do euro que foi de 0,8%. E as perspectivas de uma recuperação não são promissoras. Saber como planeja pagar suas dívidas permanece um mistério insondável. Os investidores repentinamente começam a se perguntar se o governo em Roma planeja realmente pagar seus débitos.
Os custos dos empréstimos aumentam a cada dia, ameaçando estrangular a economia italiana no longo prazo. Até agora, a Itália não teve problemas emitindo novas dívidas, mas as preocupações são crescentes sobre o aumento do custo de financiamento da dívida existente. A taxa de juros sobre os títulos de 10 anos subiu para 5,5% na segunda-feira.
A experiência de outros membros da zona do euro mostra que o nível crítico está em torno de 7%. Se o yield subir acima deste nível, então os mercados desenvolvem sua própria dinâmica que é muito difícil de deter.
Isto não é nenhuma surpresa para os marxistas. Previmos tudo isto ainda quando a moeda única estava sendo introduzida. Dissemos, então, que a Itália, com sua enorme montanha de dívidas, seria um dos elos fracos da zona do euro. Agora os sinais de alerta estão piscando histericamente. Em maio, Standard & Poor’s mudou a perspectiva para a Itália para negativa, alegando que o governo não estava seguindo suficientemente de perto suas metas de austeridade. Em junho, Moody’s acompanhou, anunciando que iria rever a classificação da Itália para AA2, em razão do fraco crescimento econômico do país, sua baixa produtividade e seu “rígido mercado de trabalho”.
O prêmio de risco sobre os títulos do governo italiano chegaram a novo recorde nesta segunda-feira, as ações caíram e a bolsa de valores de Milão restringiu-se a vendas curtas como precaução. Depois de ter sofrido prejuízos de 3,5% na sexta-feira e de 4% nesta segunda-feira, os índices de mercado em Milão, na manhã da terça-feira, pareciam desastrosos. As ações do maior banco do país, Unicredit, perderam 5,5%. Intesa Sanpaolo, o segundo maior banco italiano, e Monte Paschi também caíram. Os negócios foram suspensos em alguns bancos.
O mercado de ações caiu até 5% nas primeiras horas de negociação. A diferença de yield entre a dívida italiana e alemã também se ampliou. Apenas algumas semanas atrás, a taxa sobre os títulos italianos de 10 anos tinha apenas dois pontos percentuais acima dos papéis alemães comparáveis. Na segunda-feira, a diferença cresceu para três pontos percentuais e, na terça-feira, chegou a 3,5%.
As dúvidas sobre a estabilidade do governo em Roma e um profundo ceticismo sobre as finanças do país formam uma mistura perigosa. A dívida nacional é de 120% do PIB, a segunda mais alta na zona do euro depois da Grécia.
A Itália é uma das sete maiores nações industrializadas (faz parte do G-7) e a terceira maior economia da zona do euro. Uma crise na Itália teria efeitos devastadores em toda a Europa.
O euro caiu na segunda-feira por preocupações sobre a Itália, negociado em queda de 1,5%, a US$ 1,40050, no início da negociação nos EUA. Os mercados de ações europeus também foram caindo. O gatilho para as incertezas do mercado foi justamente a instabilidade do governo italiano.
Os economistas têm sublinhado repetidamente que “a Itália não é a Grécia ou Portugal”, e que “os fundamentos econômicos da Itália não são tão ruins”. Isto pode ser verdade, mas não convencerá os mercados em seu presente estado de nervosismo. O Corriere della Sera sustenta com firmeza: “Não ajuda ficar animado com os especuladores internacionais. Se nós nos conduzirmos seriamente, então nada teremos a temer. Infelizmente não temos sido sérios até o momento. Por esta razão, os mercados estão pagando”.
A pergunta é: como exatamente os italianos deveriam demonstrar sua “seriedade” aos mercados? A resposta é a que está sendo dada pelo governo grego: somente através de cortes massivos nos padrões de vida.
Espiral descendente
Na realidade, a Itália está oscilando à beira de uma espiral descendente de rebaixamentos de classificação e de elevação do yield de seus títulos. As consequências seriam desastrosas, não apenas para a Itália, mas também para a zona do euro. Uma nova crise bancária abalaria a União Europeia. Os bancos alemães possuem 17 bilhões de euros da dívida grega, mas têm 116 bilhões de euros expostos na dívida italiana. O destino econômico da Alemanha está agora indissoluvelmente ligado à Europa que se assemelha a uma enfermaria de doentes terminais.
O chanceler alemão, Angela Merkel, na segunda-feira, em resposta à preocupação crescente sobre a Itália, instou o país a aprovar seus cortes orçamentários, previstos para ajudar a restaurar a confiança. Merkel disse que “a Alemanha e todos os demais parceiros do euro estão firmemente determinados a defender a estabilidade do euro”.
“Tenho plena confiança de que o governo italiano aprovará exatamente este tipo de orçamento. Discuti isto ontem com o primeiro-ministro italiano”, disse Merkel.
Numa tentativa de acalmar os mercados de ações e de títulos, o ministro das finanças da Itália, Giulio Tremonti, prometeu “enviar aos mercados uma forte sinalização”. Esta “sinalização” consistiu em um pacote de medidas de austeridade sem precedentes: em quatro anos, um programa de cortes de 40 bilhões de euros. Esta é uma tentativa desesperada de equilibrar o orçamento até 2014 e de começar a redução do nível de endividamento.
A burguesia internacional está crescentemente alarmada com a situação italiana. O FMI exigiu da Itália a garantia de uma “decisiva execução” dos cortes dos gastos para a redução da dívida do país. Angela Merkel disse em uma conferência de imprensa em Berlim que a Itália teve de concordar “com um orçamento que atenda as necessidades de frugalidade e consolidação”, acrescentando: “tenho plena confiança de que o governo italiano irá aprovar exatamente esse tipo de orçamento”.
Mas a sinalização de Tremonti não deteve o pânico. O yield dos títulos de 10 anos do governo italiano decolou para 5,565% – o mais alto desde maio de 2001. Isto significa uma aguda subida nos custos dos empréstimos estatais. O pânico se espalhou aos mercados de ações em que os bancos italianos, que lideram a propriedade da dívida de seu país, sofreram quedas acentuadas.
O capital financeiro internacional permanece cético sobre a capacidade do presente governo de realizar o programa de cortes que considera necessário. Tremonti fala pela burguesia italiana. Mas o primeiro-ministro Silvio Berlusconi está mais interessado em salvar sua própria pele do que em salvar o capitalismo italiano e europeu. Silvio está mais preocupado com seus escândalos e batalhas legais.
Quando se chegou a um massivo pacote de austeridade de 47 bilhões de euros, Berlusconi atacou o ministro das finanças dizendo que ele não colaborava com a equipe. Então, ele se referiu ao plano de Tremonti como se nada tivesse a ver com ele. Anunciou publicamente alterações no pacote de austeridade e parecia estar planejando se livrar do ministro das finanças. Isto parece ter se tornado mais fácil agora, visto que Tremonti e um de seus aliados mais próximos, Marco Milanese, estão submetidos à investigação por corrupção. Milanese alegadamente presenteou a Tremonti com um apartamento no valor de oito mil euros ao mês de graça.
Na antiga Roma, esperava-se que os políticos em desgraça caíssem sobre suas espadas. Mas a Roma atual não é a Roma antiga. Berlusconi corretamente assume que novos cortes seriam impopulares. Em uma entrevista a um jornal, ele disse que “a política depende dos votos”.
Tremonti foi recentemente citado como tendo dito que se ele caísse, a Itália e o euro o seguiriam. Talvez estivesse superestimando sua própria importância. Mas o nervosismo nos mercados mostra que a burguesia compartilha de sua opinião.
Bancarrota da “Esquerda”
As famílias comuns italianas estão cortando seus gastos. Apenas uma de cada cinco famílias italianas planeja sair de férias este ano e a maioria dos que vão sair de férias não planeja ficar longe de casa por mais de uma semana. No ano passado, metade da população saiu de férias no verão.
As pessoas que telefonaram para um programa de rádio da emissora estatal RAI, na terça-feira, alternadamente ou estavam em pânico ou indignados com o governo por não conseguir superar a situação econômica que está sendo pintada todos os dias na mídia local. “Se somos as vítimas de especuladores de países próximos ou distantes, pode-se chamar isto de democracia?”, perguntou uma mulher.
A classe dominante está bem ciente de que não pode depender de Berlusconi para a defesa de seus interesses. O governo Berlusconi será o mais odiado governo desde 1945. O presente sentimento de aquiescência rabugenta vai se transformar em fúria. As cenas que todos assistimos na Grécia serão replicadas na Itália. A presente coalizão de direita vai cair e novas eleições serão convocadas. A burguesia não tem alternativa a não ser passar o cálice envenenado para a “centro-esquerda”, cujos líderes ex-comunistas estão ansiosos para degustá-lo até a última gota.
Na terça-feira, Giorgio Napolitano apelou à oposição por uma “solução nacional”. E rapidamente conseguiu o que queria. Todos os três partidos de oposição no parlamento prometeram não bloquear a passagem de um pacote de medidas de austeridade. Disseram que não votariam a favor, mas prometeram não atrasar o projeto de lei com uma longa lista de emendas.
Os líderes da “Esquerda” na Itália comportam-se como seus equivalentes em qualquer lugar do mundo. Assim que a classe dominante sinalizar com o dedo mindinho, eles se atropelarão em sua pressa para demonstrar aos capitalistas que são “estadistas responsáveis”, que podem ser escolhidos para ocupar altos cargos. Esta conduta vergonhosa pode convencer a classe dominante que a administração do capitalismo pode seguramente ser confiada à “esquerda”, mas será a classe trabalhadora que irá pagar um preço bem alto por esta “responsabilidade”.
Foi em parte por esta razão que a Bolsa de Milão experimentou uma recuperação parcial na terça-feira. O prêmio de risco sobre os títulos italianos desceu novamente e está agora somente três pontos percentuais acima do valor de referência alemão. Mas isto é somente a calma que precede a tempestade.
Massimo D’Alema, dirigente do Partido Democrático, disse que, aprovado o pacote de austeridade, Berlusconi deveria ir embora imediatamente e abrir espaço para um novo governo destinado a melhorar a saúde financeira do país. Os líderes da “Esquerda” estão ávidos pelos frutos do ofício. Estão com pressa para entrar no governo, onde com fidelidade cumprirão as ordens da burguesia.
O único pequeno problema é o próprio Berlusconi. Ele continua insistindo que sua coalizão está “unida e determinada”. Ele acolheu os gestos conciliadores da oposição – e nada afirmou sobre uma possível renúncia. No fundo, seu futuro, como o de toda a Itália, descansa nas mãos dos mercados financeiros mais do que no parlamento italiano ou no eleitorado. E os mercados já estão sinalizando o fim da estrada para Berlusconi.
O orçamento irá atingir os mais pobres: aumentaram os encargos com a saúde e há o congelamento do valor das pensões e aposentadoria mais elevadas. Mais cortes devem ser feitos pelas autoridades locais e regionais, que deverão perder 10 bilhões de euros em transferências do governo central. O orçamento também inclui um aumento no imposto do selo sobre os títulos do governo que durante anos constituiu o núcleo da poupança da classe média italiana, o que poderia reduzir drasticamente a sua renda.
Isto irá prejudicar muitos dos eleitores de Berlusconi e ainda mais de Bossi [líder da Liga do Norte, em coligação com Berlusconi], minando ainda mais a coalizão já instável. A maior ameaça para Berlusconi é uma ação civil movida contra a Fininvest, a empresa do núcleo de seu império de negócios, por uma empresa pertencente ao seu rival de longa data, Carlo De Benedetti. Alarmado com o péssimo resultado dos partidos governantes nas eleições locais em maio, o líder da Liga do Norte, Umberto Bossi, está exigindo um giro de 180 graus: cortes nos impostos que seriam financiados por cortes drásticos focados nos gastos de defesa.
O momento da verdade se aproxima
O momento da verdade está se aproximando rapidamente. Uma moratória grega causará pânico em escala nunca vista há dezenas de anos. O colapso da confiança alcançará o ponto onde os bancos recusarão emprestar uns aos outros. É isto que temem os mentores da política do euro. Se isto acontecer, haverá um tremendo impacto em toda a economia mundial.
Os títulos dos governos europeus, que um dia foram considerados como o mais seguro dos refúgios seguros, são agora considerados com suspeição geral. As preocupações de que a Grécia não será capaz de reembolsar suas dívidas espalharam-se rapidamente a outros países que mostram sintomas de enfermidade econômica e financeira. O contágio é uma boa palavra para descrever a situação presente. O nervosismo que domina os mercados é como uma doença altamente contagiosa. Espalha-se pelo ar e quando se inocula no cérebro, é fatal. Não existe nenhum antídoto conhecido.
Nós assinalamos ainda antes que o euro fosse lançado que era impossível unificar economias que empurravam em direções diferentes. Agora, alguns economistas burgueses estão advertindo que as pressões e tensões que se acumularam podem conduzir ao colapso da moeda única. Pela primeira vez, a questão da possibilidade de uma ruptura está sendo abertamente colocada, não apenas do euro, mas da própria União Europeia. A queda do euro é a expressão das contradições insolúveis da Unidade Europeia.
Jane Forley, estrategista-sênior de câmbio do Rabobank International, disse:
“O contágio que está percorrendo seu caminho através dos mercados de títulos espanhol e italiano, bem como de outros mercados europeus de títulos, tem um elemento de automatismo. Quanto maior sua presença mais difícil será para os países afetados manter seus custos de manutenção da dívida e seus orçamentos em linha […] Quanto mais demorar, a UEM [União Econômica e Monetária] poderá implodir”.
Se, como parece provável, a Grécia for forçada a sair da zona do euro, nada será resolvido. Ela ainda será forçada a executar uma cruel política de austeridade. O preço da soberania econômica será muito alto: uma moeda desprezível, inflação ascendente, colapso dos investimentos e desemprego em massa. Dentro ou fora da União Europeia, não há solução para a Grécia na base do capitalismo.
A classe trabalhadora grega já mostrou que rejeita totalmente qualquer austeridade a mais. Em algum momento a Grécia irá à moratória e recusará pagar sua dívida. Isto despertará algumas ideias na Irlanda e em Portugal. Por que teriam de aceitar os cortes se os gregos os rejeitaram? O terreno estaria preparado para uma série de moratórias que abalariam a Europa em seus alicerces.
O “contágio” está na ordem do dia, não somente no plano econômico, como também no plano político. A classe trabalhadora nos últimos 60 anos conquistou através da luta o que pode ser considerado como condições de uma existência semicivilizada. A permanência dessas conquistas sociais está agora se tornando intolerável para a classe capitalista. É este o significado real dos ataques que estão sendo lançados em todos os lugares. Mas os trabalhadores da Europa não esperarão sentados nem cruzarão os braços enquanto a classe dominante destrói sistematicamente todas as suas conquistas dos últimos cinquenta anos. O palco está montado para uma explosão da luta de classes em todo o mundo.
Londres, 15 de julho de 2011.