Este artigo comemora o 137º aniversário da Comuna de Paris, quando pela primeira vez na história a classe operária tomou o poder em suas mãos.
“Os proletários de Paris em meio aos fracassos e às traições das classes dominantes, compreenderam que chegou o momento de salvar a situação tomando em suas mãos a direção dos negócios públicos… Compreenderam que é seu dever imperioso e seu direito incontestável tornar-se donos de seus próprios destinos, tomando o Poder”. (Manifesto do Comitê Central da Guarda Nacional, 18 de março de 1871)
Este artigo comemora o 137º aniversário da Comuna de Paris, quando pela primeira vez na história a classe operária tomou o poder em suas mãos. A Comuna foi uma tentativa de realizar uma sociedade socialista. Derrotada sob um banho de sangue, seus mártires, como disse Marx, já garantiram seu lugar no grande coração da classe operária. Recordar hoje a Comuna não é conjurar os fantasmas de um passado perdido para sempre, como querem seus detratores. Pelo contrário, é lembrar a todos um futuro possível, anunciado à época pela coragem da classe operária francesa e que voltamos a ouvir em vários momentos da história recente, como na cidade mexicana de Oaxaca e na Venezuela – para a intranqüilidade dos capitalistas. Aprender com a experiência da Comuna é nos somarmos ao esforço histórico dos trabalhadores de todo o mundo em sua luta por uma sociedade mais justa e humana: uma sociedade sem classes.
O contexto histórico da Comuna
Paris, 20 setembro de 1870. A capital francesa está cercada pelas tropas prussianas. A guerra que começou em julho foi um desastre para os franceses. A Prússia, um dos estados alemães, liderada por Otto Von Bismarck, estava à frente do processo de unificação da Alemanha. O desenvolvimento econômico e social desse país era considerado uma ameaça para a hegemonia francesa na Europa. O imperador Napoleão III, sobrinho e pretenso continuador da obra de Napoleão Bonaparte, ensaiou então sua última farsa à frente do governo francês: declarou guerra à Prússia. Mas foi derrotado e preso na batalha de Sedan, em 1º de setembro de 1870.
Livres do imperador e precisando organizar a defesa frente ao exército inimigo que se aproximava, os trabalhadores de Paris iniciaram uma revolução. Em 4 de setembro puseram fim ao Império e proclamaram a República. Sem tempo para eleições e com seus líderes retidos nas prisões desde antes da guerra, o proletariado de Paris entregou esse Governo de Defesa Nacional ao antigo corpo de deputados, formado em sua maioria por burgueses. E como o exército convencional havia fracassado, todos os trabalhadores parisienses capazes de empunhar armas foram engajados na Guarda Nacional, formando uma tropa popular e revolucionária. Os alemães chegam em 20 de setembro. Paris irá resistir heroicamente por cinco meses ao bombardeio e à fome. Nesse meio tempo, o Governo de Defesa Nacional vai se transformar no Governo de Traição Nacional.
Burguesia contra proletariado
A única forma de vencer o exército prussiano é a mobilização revolucionária das massas em toda a França. A Guarda Nacional de Paris é o exemplo disso. Mas os republicanos burgueses à frente do Governo de Defesa, já sentem que terão muito mais a perder com os trabalhadores franceses armados do que com a negociação para cessar o conflito com a Prússia. O antagonismo entre esse governo provisório – interessado em restaurar rapidamente a ordem abalada pela guerra – e o proletariado em armas, se manifesta em todo o tempo do conflito. As traições e a recusa em empreender uma guerra revolucionária, leva ao isolamento e ao esgotamento das forças da Guarda Nacional parisiense. Então, o “Governo de Defesa Nacional” assina um armistício em 28 de janeiro de 1871, cedendo a Alsácia e a Lorena (regiões fronteiriças entre a França e a Alemanha) e se compromete a pagar uma indenização de 5 bilhões de francos à Prússia. Elege às pressas uma nova Assembléia Nacional, formada por proprietários de terras e reacionários de todo o tipo, para votar a paz e pagar a conta da aventura de Napoleão III.
Na verdade, o Governo de Defesa Nacional põe fim à guerra contra a Prússia para iniciar a Guerra Civil contra o proletariado parisiense. Para pagar a indenização de uma guerra apoiada pelos especuladores e capitalistas franceses, é preciso cobrar a fatura de quem produz a riqueza: da classe trabalhadora. Mas a Paris armada é o obstáculo principal a esse plano.
Mesmo após o armistício, as tropas prussianas não se atrevem a entrar em Paris. A Guarda Nacional conserva suas armas e seus canhões, e principalmente, sua coragem – mesmo depois de 5 meses de conflito e traições do governo republicano que ela mesmo levou ao poder. E agora esse governo envia uma expedição noturna de policiais e tropas regulares à Montmartre, para confiscar os canhões da Guarda Nacional ali estacionados. A reação popular a essa última traição é imediata. Com o fracasso da tentativa de desarmar a Guarda Nacional, não resta mais o que fazer ao governo provisório e à burguesia do que se retirar rapidamente de Paris e se refugiar em Versalhes. Nas ruas da capital francesa, o proletariado toma pela primeira vez o destino em suas mãos. E a aurora do dia 18 de março de 1871 é saudada pelos gritos de “Viva a Comuna”!
Ameaçada por Versalhes, Paris organiza seu próprio governo. Eleita em 26 e proclamada em 28 de março, a Comuna recebe o poder das mãos do Comitê Central da Guarda Nacional, que até então conduzira a resistência. A Comuna é composta por conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal, nos diversos distritos da cidade. São empregados de escritório, funcionários públicos, pequenos lojistas – mas principalmente operários da construção civil, da metalurgia e artesãos especializados.
As resoluções operárias
Não é apenas a composição social da Comuna ou da Guarda Nacional que prova o caráter de classe do movimento. As resoluções adotadas pela Comuna trazem as marcas de um proletariado consciente de sua ousadia histórica. A Comuna declara que as despesas da guerra devem ser pagas por seus verdadeiros responsáveis; ordena o recenseamento das fábricas fechadas pelos patrões e o reinício das suas atividades sob controle dos operários; decreta a completa separação entre o Estado e a Igreja; desfaz o exército permanente e a polícia; isenta os trabalhadores do pagamento de aluguéis de moradias; suspende a venda de objetos empenhados nos estabelecimentos municipais de empréstimos; e limita o vencimento de um funcionário da Comuna ao salário de um operário.
Guerra Civil
As medidas tomadas pela Comuna são recebidas com pavor pelos membros do governo refugiado em Versalhes. Seus receios se confirmaram: o proletariado em armas é um perigo maior do que a ocupação por parte dos prussianos. E correm a fazer aliados os que até então eram os inimigos: os republicanos burgueses vão a Otto Von Bismarck e pedem a libertação de tropas regulares francesas mantidas presas pelo exército prussiano. Eles têm pressa pois querem evitar que o exemplo da Comuna se espalhe por toda a França, levando à sublevação dos camponeses. Bismarck compreende bem os riscos de uma revolução social às suas portas e cede aos apelos da burguesia francesa.
O cerco policial à Paris da Comuna é imediato. Em início de maio as forças de Versalhes já eram superiores às de Paris, bombardeada constantemente. E no entanto, depois de meses de resistência e de fome na luta contra os prussianos, a classe trabalhadora dá mostras de incrível coragem e abnegação na defesa da Comuna sitiada agora pelas tropas francesas. Mas em 21 de maio já não pode mais conter o avanço inimigo. O ódio da burguesia à Comuna autoriza o início da chacina: homens desarmados, mulheres e crianças são assassinados indiscriminadamente. Os números falam por si mesmos: pelo menos 17 mil mortos (pode ter sido o dobro disso); 43 mil prisioneiros; e 10 mil sentenciados (metade deles enviada para o exílio).
As lições da Comuna
A Comuna foi uma ação generosa e surpreendente da classe trabalhadora parisiense, mas incapaz de alcançar a vitória – já que sitiada pelas tropas prussianas e francesas, fustigada pela fome e isolada das outras regiões do país. Foi um “assalto aos céus”, na expressão de Karl Marx. A importância da Comuna não está no que conseguiu realizar (e o que fez à época não foi pouco), mas no que ela anunciou. Da Comuna em diante, os defensores da ordem burguesa compreenderam que teriam um novo inimigo à frente – e que deveriam temer não uma genérica “revolução social”, mas a revolução proletária.
A experiência da Comuna de Paris também deixou claro que a classe operária, ao tomar o poder, não pode continuar governada pela velha máquina do Estado capitalista, organizada para sua repressão. Lição aprendida por Lênin, que se apropriou dessa experiência da Comuna para escrever seu livro “O Estado e a Revolução”. A Comuna havia descoberto uma nova forma de governo, adequada à emancipação da classe trabalhadora. A tradicional divisão entre Parlamento e Executivo dos governos burgueses foi abolida: a Comuna era uma corporação de trabalho, e seus conselheiros cumpriam funções executivas e legislativas ao mesmo tempo. E para se prevenir contra a formação de uma nova casta burocrática, a Comuna usou dois remédios bastante eficientes. Primeiro, todos os cargos administrativos e judiciais foram preenchidos através de eleições e eram revogáveis a qualquer momento por quem os elegeu; em segundo lugar, todos os funcionários recebiam salários de operários. Ao abolir o exército permanente e a burocracia do Estado, a Comuna constituiu um governo barato, um autêntico governo da classe operária. Engels podia então anunciar a todos que o perguntavam sobre como seria um governo operário: “Olhai para a Comuna de Paris: eis aí a ditadura do proletariado!”
A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)
Alguns historiadores desenham a Comuna como uma simples reação popular, desesperada e inconseqüente, de uma cidade sitiada pela guerra e exasperada pela traição do governo republicano. Por outro lado, líderes políticos da época, incluindo Bismarck, denunciaram a ação “manipuladora” da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) por trás da insurreição operária, e organizaram a perseguição aos seus dirigentes, como Marx. Mas nem tão ao céu, nem tão à terra.
Na verdade, nos anos 1860 em diante, a Europa experimentou a ascensão do movimento proletário. Ondas de greves e agitações trabalhistas percorreram o continente de uma ponta à outra: na França e na Alemanha em 1868; na Bélgica, Áustria e Hungria em 1869; em 1870 no improvável Império Russo; na Itália e na Espanha em 1871; e entre 1871 e 1873 na Inglaterra. Foi nesse contexto de formação de novos sindicatos e de agitação operária que surgiu a AIT (1864-1872). Seus militantes conseguiram imprimir ao movimento dos trabalhadores o internacionalismo e a ideologia socialista, superando concepções anarquistas, blanquistas e radical-liberais que predominavam até então (e isso constituiu a principal contribuição dessa Associação ao movimento operário mundial). Longe de ser uma ação isolada e desesperada do povo parisiense, a Comuna de Paris de 1871 foi a expressão mais aguda de um período de ascensão da luta de classes, coincidindo com o auge do apelo popular da AIT.
Por outro lado, a Comuna não foi obra de uma pequena vanguarda organizada para dar um golpe de Estado. Não. A Comuna foi um movimento de massas. De fato, entre os conselheiros da Comuna se encontravam membros da AIT. Eram valorosos, mas minoritários no movimento. O levante operário não foi arquitetado previamente por nenhum gênio revolucionário, ainda que à frente da AIT estivesse o cérebro poderoso de Karl Marx. A Associação funcionava como um elo de ligação internacional entre os operários mais avançados da Europa e Estados Unidos. E como explicou o próprio Marx, onde quer a luta de classes adquirisse certa consistência, era lógico que o movimento operário encontraria entre os membros da Associação sua vanguarda mais resoluta.
A Comuna hoje
Alguns anos depois da Comuna, ainda com o sangue dos trabalhadores nas mãos, Thiers, que foi o líder do Governo de Versalhes de 1870, concluiu apressadamente: “Não se fala mais do socialismo e se faz bem. Estamos livres dele”. Ultimamente, desde a queda do muro de Berlim, essa idéia tem sido repetida em outras versões pelos novos mandatários do capitalismo. Marx, antes mesmo da Comuna acontecer, já respondia, quase profeticamente, esse tipo de censura: “As revoluções proletárias (…) se criticam constantemente a si próprias, interrompem continuamente seu curso, (…) derrubam seu adversário apenas para que este possa retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, (…) recuam constantemente ante a magnitude infinita de seus próprios objetivos até que se cria uma situação que torna impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias condições gritam: aqui está Rodes, salta aqui” (Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte).
E novos movimentos operários sucederam e sucedem a Comuna, retomando seus passos e acumulando novas experiências: na Revolução Russa (1917), na Revolução Espanhola (1931-36), no Chile (1971-72), para citar alguns exemplos de uma lista imensa. E também se vêem às voltas com dificuldades parecidas, como o isolamento da Comuna de Oaxaca, no México (2006), e a dificuldade da Revolução Venezuelana em dar cabo da burocracia e da velha máquina do Estado capitalista. Os capitalistas, desde o levante de Paris, sonham em pôr um fim definitivo à ameaça da Revolução Operária, mas são sacudidos de tempos em tempos pelos gritos renascidos de “Viva a Comuna!”. Têm eles toda a razão em temer o tempo em que os operários de todo o mundo venham a saltar o Rodes, e realizar o futuro anunciado pela serena e heróica Comuna de Paris.
Para saber mais:
1. A Guerra Civil na França, de Karl Marx (O livro reúne os três manifestos da AIT, escritos por Marx na época da Comuna. Principal obra sobre o assunto, o livro surpreende pela profundidade com que analisa os eventos. O prefácio de Engels completa o balanço político sobre a importância da Comuna).
2. O Estado e a Revolução, de Lênin.
3. Todo o poder ao povo: a Comuna de Oaxaca, Revista Luta de Classes nº 01.
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