Durante seu discurso televisionado em 17 de abril, o presidente francês Emmanuel Macron tentou superar o clamor em torno da recente reforma previdenciária, prometendo o impossível a todos aqueles que, desde 19 de janeiro, se mobilizaram nas ruas e estão em greve contra esse projeto de lei.
Poucas pessoas prestam atenção às promessas e outros compromissos “solenes” do chefe de Estado. No entanto, esse discurso também continha ameaças veladas contra trabalhadores e jovens. Estas sim, devem ser levadas muito a sério.
Desviar a atenção
Sem surpresa, uma nova ofensiva está sendo preparada contra os imigrantes. Macron visava tanto a “imigração ilegal” quanto a “fraude de benefícios”. Ele derramou lágrimas de crocodilo pelo destino dos trabalhadores atingidos pela inflação que não recebem nenhuma “ajuda” do Estado – o que devemos entender assim: “ao contrário de todos os fraudadores de benefícios, que recebem ajuda para não fazer nada”. No dia seguinte, na BFM-TV, o ministro da Economia e Finanças, Bruno Le Maire, fez uma ligação explícita entre imigração e fraude de benefícios: “Nossos compatriotas estão legitimamente fartos de fraudes. Eles estão fartos de ver as pessoas que recebem ajuda… mandando-as de volta para o norte da África ou para outro lugar, se não têm direito a isso”.
A esta clássica táctica de desviar a atenção juntar-se-á uma brutal ofensiva contra o direito ao subsídio de desemprego (RSA), com o objetivo de, por um lado, fazer economias orçamentárias e, por outro, pressionar os desempregados a aceitar trabalhos de baixíssima remuneração. Foi o ministro do Interior, Gérald Darmanin, que, no dia seguinte ao discurso presidencial, se encarregou de esclarecer este ponto: “Para aqueles que recebem o RSA, se estão trabalhando para a reintegração, se mostram esforço, devemos ajudá-los. Mas se eles não querem voltar ao trabalho, vamos impor sanções contra eles”. Tudo isso, claro, para benefício exclusivo dos ricos.
Waterloo e a Bastilha
Vamos resumir a situação geral. Macron, que não recuou na reforma da previdência, está partindo para uma ofensiva contra as camadas mais pobres, exploradas e oprimidas da sociedade, em um contexto em que a inflação, que ainda é muito alta, está constantemente minando os salários reais de todos os trabalhadores.
É o que ele chama de política de “apaziguamento”, que deveria durar “100 dias”, ou seja, até 14 de julho. Recordemos os famosos “100 dias” de Napoleão em 1815 – em que ele voltou do exílio apenas para perder uma série de campanhas militares, culminando com seu retorno ao exílio. Os 100 dias de Napoleão terminaram muito mal para ele, na batalha de Waterloo.
Lembremos também que 14 de julho é o aniversário da tomada da Bastilha, no início da Grande Revolução Francesa de 1789-94. O chefe de Estado e seus assessores estão tentando nos sugerir algo?
No momento em que escrevo, a política de “apaziguamento” não está indo bem. Coros de panelas batendo – símbolo de protesto no recente movimento contra a reforma da previdência – saúdam cada movimento de cada membro do governo. Alguns políticos desistiram graças a essa pressão pública e mudaram de posição quando se sentiram pressionados.
As manifestações de 1º de maio serão, sem dúvida, muito poderosas, talvez até de proporções históricas. Uma coisa é certa: a indignação que se manifestou em grande escala nos últimos três meses está muito longe de ser “apaziguada”. Pelo contrário: será constantemente alimentada pela inflação, que está corroendo o poder de compra de milhões de jovens e assalariados todos os meses.
O que fazer?
O que fazer com as enormes reservas de militância que se manifestam desde o início do ano? Esta é a questão central que a esquerda e o movimento sindical enfrentam hoje. Se Macron conseguir vencer e impor uma nova campanha de propaganda racista, enquanto ataca os desempregados, corre-se o risco de favorecer Marine Le Pen – que, como sempre, permanece à espreita, nas sombras, lançando seus jogos demagógicos, enquanto o povo luta no ruas e em seus locais de trabalho.
Qual deve ser o objetivo da luta no próximo período? Já repetimos: sozinha, a palavra de ordem de revogar a reforma da previdência é insuficiente, porque é muito limitada. É claro que devemos continuar lutando contra essa reforma – e pelo retorno à idade de aposentadoria de 60 anos. Mas, para encorajar a mobilização de novas camadas de jovens e trabalhadores, precisamos lutar por um programa muito mais amplo e radical. O que falta é um programa que abra a perspectiva de acabar com os problemas da esmagadora maioria da população.
Considere-se a questão da inflação. Em seu discurso, Macron a evocou para desviar imediatamente nossos olhos para os “fraudadores de benefícios” e imigrantes. O movimento dos trabalhadores deve responder colocando a crise do custo de vida no centro de sua luta. Devemos lutar por um aumento geral dos salários e de todos os benefícios, por um lado, e por outro lado, para que sejam ajustados de acordo com a inflação. A taxa de inflação deve ser calculada por representantes eleitos dos trabalhadores, não pelos economistas burgueses.
Dada a importância dos preços da energia e dos alimentos na deterioração do nosso poder de compra, a classe trabalhadora deve lutar pela estatização sob controle democrático operário das grandes empresas desses dois setores-chave da economia. É do conhecimento geral na França que a empresa de energia TotalEnergies está enchendo os bolsos de seus acionistas graças à inflação. Mas todas as grandes multinacionais dos setores de energia e alimentos – incluindo a distribuição – estão engordando as carteiras de seus acionistas: a França é a campeã europeia de pagamento de dividendos. Para acabar com esse escândalo e organizar o controle de preços, precisamos expropriar os parasitas gigantes que são donos dessas empresas.
Outras medidas programáticas são necessárias, incluindo a nacionalização da indústria e do setor bancário, a contratação extensiva de funcionários públicos, a revogação das contrarreformas no setor educacional, nas leis trabalhistas e todas as outras contrarreformas dos últimos vinte anos.
Quem vai realizar este programa? Naturalmente, não será nem Macron nem Le Pen. Somente um governo a serviço dos trabalhadores poderia realizá-lo. Consequentemente, este programa deve estar vinculado ao objetivo de derrubar Macron e sua camarilha. Essa perspectiva ganharia o apoio de amplas camadas da sociedade que rangem os dentes de raiva com a simples ideia de aturar esse governo por mais quatro anos.
Como podemos conseguir isso?
Uma vez elaborado este programa, a luta pela sua concretização não deve consistir numa série de “dias de ação”, cujos limites já foram muitas vezes demonstrados. Precisamos popularizar este programa em todos os locais de trabalho, em todos os bairros, em todas as universidades. Este trabalho deve envolver todas as forças militantes da juventude e do movimento operário, através de milhares de Assembleias Gerais e reuniões públicas em todo o país.
O equilíbrio de poder que seria necessário, nas ruas e nos locais de trabalho, para implementar este programa, deve ser claramente explicado desde o início. Grandes manifestações por si só não serão suficientes. Greves bem-organizadas e indefinidas terão que se desenvolver em um número crescente de setores. É exatamente isso que tem faltado nos últimos meses: os setores mobilizados permanecem isolados. A culpa não é dos trabalhadores, mas da direção dos sindicatos, que nada tem feito para tentar desenvolver o movimento de greves por tempo indeterminado. Devemos aprender as lições disso. Um plano de batalha deve ser elaborado. Tudo deve ser planejado com antecedência para que a mobilização dos setores mais militantes leve os demais setores em sua zaga.
Emmanuel Macron, cuja arrogância tantas vezes beira a imprudência, proclamou “100 dias de apaziguamento”. Vamos acreditar em sua palavra, mas com uma mudança radical de objetivo. Cem dias é um bom prazo para traçar um programa ofensivo, para popularizá-lo massivamente e começar a implementá-lo com base em um sólido plano de batalha. Se o movimento operário apoiar esta tarefa, poderemos estar em uma boa posição em 14 de julho para lembrar ao governo e à classe dominante o profundo significado histórico desta data.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.