Marxismo x pós-colonialismo 

Durantes os quatro dias da Universidade Marxistas Internacional 2020 os militantes da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) estão empenhados em disponibilizar em nossa página breves relatos dos 16 temas tratados na Escola. O objetivo é estimular nossos leitores a aprofundar o conhecimento sobre nossas posições e a juntarem-se a nós na construção da CMI. Para sua localização procure pelo dia e o tema que deseja fazer a leitura.

“A luta de classes é “eurocêntrica”? Marxismo x Pós-Colonialismo” foi um dos temas debatidos no terceiro dia (27/7) de Universidade Marxista Internacional. A mesa foi conduzida pelo camarada Hamid Alizadeh e contou com contribuições de camaradas de diversas regiões do mundo como Ásia , América Latina e Europa.

O debate iniciou com um panorama da teoria pós-colonial, que surge oficialmente com o livro “Orientalismo”, escrito por Edward Said, nos anos 1970. Ela compõe o leque de teorias pós-modernas e identitárias e, portanto, trata-se de uma teoria de caráter idealista e subjetivo. Desse modo, coloca a cultura como força motriz da história, reduzindo a luta contra o imperialismo e seus desdobramentos (como o racismo) a uma questão cultural. 

Embora trate de questões concretas, não consegue sugerir soluções concretas para esses problemas. Seu foco é na chamada “decolonização” e “desocidentalização” dos povos subalternos. Para essa teoria,  os povos subalternos são todos os povos que sofreram processos de colonização, principalmente os do hemisfério sul do globo (América Latina, África e sudeste asiático). E o processo de “decolonização” seria realizado a partir da reescrita da história, buscando narrativas que exaltem os povos que sofreram processos de colonização e os apresentem como protagonistas e agentes ativos. A “desocidentalização” é focada no processo de valorização desses povos em detrimento da cultura ocidental das nações que exerceram a colonização. Ou seja, essa teoria carrega centralmente a crença de que a cultura pode se transformar através dos métodos de educação e da transformação individual.

Avançando na discussão, foi explanado que essa teoria representa o pensamento de uma classe particular da sociedade. Ela surge no ambiente acadêmico e universitário e, as instituições educacionais, em todos os seus níveis, são ambientes de reprodução da ideologia burguesa. É uma camada da sociedade que é objetivamente levada a competir entre si e a buscar uma suposta originalidade de discurso. Por isso, o ponto de partida dos acadêmicos que desenvolvem as teorias pós-coloniais são sempre os mesmos. Indo de encontro às teorias pós-modernas e pós-estruturalistas, a experiência individual e subjetiva se torna a medida do mundo, sendo o ponto de partida para a construção de ideias que depois serão defendidas como universais. Partem da própria experiência e da própria dor, mas descolando essas ideias da fonte material da opressão que causa a experiência dolorosa sob o mundo capitalista. Por fim, os pós-colonialistas defendem que uma apreensão histórica da realidade é uma visão rígida e europeia. Defendendo que não existe realidade objetiva, se utilizando de termos vagos e obscuros para sustentar suas teorias. 

Na segunda parte da mesa, camaradas de outras seções também trouxeram importantes contribuições para o debate. Eles complementaram que um dos principais eixos de atuação dos estudos pós-coloniais ocorre no setor educacional. A educação sempre foi pautada na disseminação da ideologia dominante. A ideia pós-colonial na educação se expressa principalmente na defesa da “decolonização” do currículo. Parte do problema de que há um eurocentrismo no currículo que ignora as perspectivas do sul do globo, tendo como principais autores homens brancos. E que a solução para ele seria a inserção de autores de outras nacionalidades e etnias no currículo escolar.

Há uma crítica ao que se chama branquitude: a utilização de um “pensamento branco”, que usa a linguagem e literatura como exercício de poder e dominação.  Essa expressão na verdade, é a expressão da ideia da classe dominante. Ao chamar esse problema de “branquitude” se cria uma confusão na cabeça das pessoas, pois desloca o foco das reais forças de opressão da nossa classe. 

A decolonização do currículo não pode ser a demanda de uma campanha ou a perspectiva de uma luta que busque uma efetiva transformação social do contexto que vivemos. Desse modo, todo o foco se desloca do conteúdo que é desenvolvido para a etnia e cor da pele das pessoas que elaboram as ideias. 

Devemos defender que todos possam ter acesso a totalidade do conhecimento produzido pela humanidade. Isso inclui observar o conhecimento produzido  por uma perspectiva da classe trabalhadora. A questão do currículo deveria ser pautada na perspectiva de classe dos autores lidos e estudados. Por isso a história da escravidão e do imperialismo, que são a base da ideologia racista, nunca serão contadas do seu devido modo. Logo, a verdadeira decolonização seria acabar com as barreiras que impedem que grande parte da população tenha acesso ao ensino superior, o que só pode ser conseguido através da expropriação da classe dominante. A luta contra o racismo na academia não é uma luta isolada, deve ser parte de uma luta maior que é vinculada a luta de classes, e isso não se faz apenas com a mudança dos sistemas de leitura. Nós precisamos de uma educação real. Essa é uma das pautas que fazem parte da luta por uma sociedade socialista. 

A linha de pensamento pós-colonial propõe uma divisão do mundo por etnias, o que impede a classe trabalhadora de dialogar e construir ideias conjuntamente e internacionalmente. Acaba incutindo a ideia de que cada trabalhador deve se importar com as questões relativas a sua própria etnia. Essas ideias dialogam com o pensamento imperialista e reacionário, que distingue as pessoas por raça e etnia, dividindo-as em caixas atemporais e desconectadas da história, separadas do seu contexto concreto de vida. Ou seja, na prática, corroboram com as mesmas ideias que dizem combater, depondo contra a classe trabalhadora. 

A ideia pós-colonial defende que não há unidade entre as classes a nível internacional, o que acaba agindo contra a solidariedade entre a classe trabalhadora, fazendo com que ela se identifique mais com a classe dominante local do que com a classe trabalhadora internacional. Esse é o resultado de um grande vácuo criado pela degeneração da liderança do movimento dos trabalhadores das últimas décadas. Ainda que as ideias pós-colonialistas pareçam muito radicais, elas representam na verdade a disseminação da ideologia dominante. O programa pós-colonial e o programa do estado burguês acabam sendo o mesmo: ambos impedem a classe trabalhadora de se organizar contra o seu inimigo comum. 

A teoria marxista, em contraposição, analisa os fatos históricos em sua totalidade, entende a história como a história da luta de classes. Como marxistas, devemos ser concretos e atrelar o racismo a suas origens estreitamente vinculadas ao sistema capitalista e a sociedade dividida em classes. Descrever o racismo, mas não explicar de onde vem esse racismo é uma perspectiva limitante. Uma vez que você descola uma opressão de sua razão material você tira as bases necessárias para superá-la. As ideias são importantes, mas saber o que atribui concretude a essas ideias é o mais importante. 

O imperialismo não é o resultado da vontade de homens maus, mas a consequência do desenvolvimento do capitalismo e das suas contradições. Das limitações de mercado e território, que um sistema pautado na ultraconcentração de capital produz. São as grandes empresas, monopólios e corporações financeiras que extrapolam fronteiras e subsidiam o colonialismo e o imperialismo. O racismo, por sua vez, é uma ideologia da burguesia e divide a classe trabalhadora, é uma arma apontada há séculos contra os trabalhadores oprimidos. 

Por fim, o debate concluiu que as perspectivas pós-coloniais agem de maneira contrarrevolucionária, seduzindo para as “políticas identitárias” uma parcela da juventude com disposição combativa. Mas essas políticas acabam sendo inofensivas para o sistema, pois não propõem uma mudança na estrutura concreta e radical da exploração.

Por isso temos que combater essas ideias, que muitas vezes são a introdução a um pensamento político da juventude. Nos países coloniais há um fermento revolucionário profundo, uma juventude e classe trabalhadora dispostas e combativas, que necessitam de uma direção revolucionária com uma posição marxista internacionalista. 

O capitalismo é internacional. A luta contra a dominação colonial é a luta contra o imperialismo. Uma revolução socialista, mesmo nos países de economia dominante, significa um enfraquecimento do imperialismo nos países de economia dominada. A revolução deve ser internacional! Nos identificamos com os trabalhadores de todos os países!

  • Contra o racismo  e nacionalismo levantamos a bandeira do internacionalismo!
  • Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!