As Casas de Cultura retomam os holofotes no centro do debate sobre gestão pública na cidade de São Paulo pouco após a secretária Aline Torres (MDB), da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), publicar o “novo modelo de gestão das Casas de Cultura” em seu Instagram, no último dia 20. Em outras palavras, essa declaração deve ser entendia como projeto de privatização e terceirização.
A notícia sobre o plano de terceirização das Casas de Cultura proposto pela Prefeitura de São Paulo sob o comando de Ricardo Nunes (MDB) passou a circular publicamente no início do ano de 2022.
A sexta edição deste boletim publicou em junho do ano passado o texto “Casas de Cultura ameaçadas de terceirização em novo ataque aos serviços públicos” . Naquela edição, a Corrente Sindical Esquerda Marxista – SP buscou expor a origem e a tipificação enquanto política pública das Casas de Cultura. Sobretudo, explicou o real caráter do plano proposto pela Prefeitura que objetiva, nada menos, que colocar o controle dessas casas nas mãos de Organizações da Sociedade Civil (OSCs), as quais operam como empresas de direito privado e recebem dinheiro público diretamente do aparato municipal. Na prática isso se qualifica como privatização e terceirização. Cabe destacar que a Prefeitura avança em seu ataque pela terceirização das Casas de Cultura, tendo em vista o edital para a “gestão compartilhada” das 20 unidades distribuídas pela cidade estar publicado no site Participe+, desde dezembro do ano passado.
O que diz o post da secretária?
Vamos ao post da secretária de cultura para avaliar ligeiramente o que ele diz à população. Inicialmente, diz “após amplo diagnóstico e diálogo comunitário, a Secretaria Municipal de Cultura propôs um novo modelo de gestão das 19 Casas de Cultura de nossa cidade. Com o novo modelo, iremos aumentar a oferta de programação, quadro de funcionários, oficinas, espetáculos e todas as atividades a sua disposição serão ampliados levando mais cultura até você”. A secretária coloca a questão como se houvesse ocorrido uma construção conjunta desse modelo em permanente contato com a comunidade, artistas e demais trabalhadores. Contudo, os trabalhadores da cultura não se sentem representados em nada do que expôs a secretária. Aliás, como expressão disso, o agora deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) publicou no Instagram também no último dia 20, uma reunião destes trabalhadores e artistas em posição claramente contra os interesses da SMC e da Prefeitura. Esses entoaram, inclusive, a palavra de ordem em alto e bom som “não à privatização das nossas Casas de Cultura!”.
Além disso, como a secretária pode falar em “diálogo” se ela mesma não compareceu para as audiências convocadas pela própria SMC e pela vereadora Elaine Mineiro (PSOL), nem mesmo às reuniões dos movimentos de trabalhadores da cultura?
De todo modo, o movimento de trabalhadores e artistas não deve se apoiar num possível diálogo com a secretária, afinal, não há o que negociar. As Casas de Cultura devem manter-se sob administração direta! A própria palavra de ordem “Não à privatização” pressupõe que não existe possibilidade alguma de negociar o futuro das Casas de Cultura.
Voltemos aos demais pontos citados no post da secretária. Ela diz que o novo modelo de gestão irá aumentar a oferta de programação e o quadro de funcionários. Isso, porém, não passa de um argumento falacioso, pois as razões apresentadas para legitimar a conclusão do tal modelo de gestão não se sustentam na realidade. A privatização e a terceirização, o que chamam de “gestão compartilhada”, tem por tendência a redução da oferta dos serviços, a precarização dos postos de trabalho, bem como o rebaixamento do modo de vida dos trabalhadores com redução dos salários e, quando não, demissões sem garantia de recebimento dos seus devidos direitos trabalhistas.
Para exemplificar a tendência da precarização dos serviços públicos terceirizados, basta uma ligeira pesquisa numa ferramenta de busca da internet e terá inúmeros casos de serviços em condições deploráveis de trabalho e de uso dos equipamentos, como o antigo Centro Temporário de Acolhimento Mooca e o Centro de Acolhida Zaki Narchi I, no caso, ambos da pasta de assistência da cidade de São Paulo.
Primeiro que aumentar a oferta é absolutamente possível por meio da administração estatal. Basta desenvolver em conjunto com a comunidade a artistas locais um plano de atividades culturais baseado no interesse coletivo. Segundo: é necessário contratar mais trabalhadores para que se dê conta de cumprir a agenda cultural do município. Para isso, basta a Prefeitura convocar e admitir os aprovados em concurso público de 2016, além de abrir novos concursos.
Assim como injetar mais recursos financeiros para a execução da política de cultura, já que o orçamento de todo o município aprovado para esse ano foi cerca de 16% maior que o ano passado. Ademais, o não pagamento da Dívida Pública pela União e a revogação da EC 95 – Teto de Gastos – possibilitaria condições reais de maior investimento nos diversos setores das políticas públicas.
A secretária Aline, ainda em seu post, acrescenta que as Casas de Cultura não serão privatizadas, mas que o “novo modelo” prevê estabelecer parcerias em termos de colaboração. Ora, termos de colaboração serve tanto para convênio ou contrato entre a Prefeitura e uma entidade privada. É portanto a transferência da administração de um serviço e dinheiro público para uma OSC. Não há nada de novo nesse formato nem outra concepção sobre ele que não seja a velha privatização e terceirização dos serviços públicos.
S.O.S Movimento Casas de Cultura e o desenvolvimento da luta
Em resposta aos ataques às Casas de Cultura e pela necessidade de construir o combate contra o plano de privatização e terceirização proposto pela Prefeitura e SMC, surgiu o S.O.S Movimento Casas de Cultura, um organismo autônomo, plural e com claro caráter de frente única.
O movimento organizado tem atraído diversos trabalhadores da cultura, ativistas, líderes comunitários, militantes de diferentes forças políticas de esquerda, vereadores, parlamentares e artistas independentes e midiáticos. Também atenderam a seu chamado outros trabalhadores como os funcionários da CPTM, que já lidam com os infortúnios da privatização (linhas 8 e 9, privatizadas) e a combatem.
A atual situação das Casas de Cultura também chamou a atenção do Coletivo de Trabalhadores Terceirizados das Políticas Públicas (CTP) que se aproximou do movimento. Ele hoje o compõe, visando elevar o debate relacionado às implicações da privatização e terceirização, bem como levantar a bandeira pela estatização de todo serviço público atualmente privatizado e a admissão imediata pelo município e o Estado de todos os trabalhadores terceirizados.
Na última plenária organizada pelo movimento, dia 31 de janeiro, realizada no Sindsep, dentre diversas propostas feitas por companheiros e companheiras de outras frentes, os militantes da Esquerda Marxista apresentaram importantes propostas como a criação de uma frente única com diferentes movimentos contra a privatização e trazer para o interior do movimento a defesa pela estatização de todo serviço público hoje privatizado. Ambas propostas foram aprovadas no plenário.
O movimento tem ganhado proporções significativas e positivas, pressionando a gestão atual para retroceder com a proposta de privatização.
O Sindsep deve seguir firme junto com o movimento pela sua organização e combate contra a privatização das Casas de Cultura, sem arredar o pé ou negociar o que é nosso por conquista e direito, de modo que o tal projeto seja derrotado de uma vez por todas.
Os marxistas devem impulsionar, numa perspectiva de frente única, as ações corretas do movimento S.O.S Casas de Cultura e elevar o tom do debate e ação prática pelo fim da administração dos serviços públicos pelas OSC ou outras entidades privadas.
É fundamental, que todos e todas contra a privatização assinem a petição pública “Manifesto contra a privatização das Casas de Cultura em São Paulo – SP“, impulsionada pelo movimento como uma das formas de combate e pressão no campo do legislativo.
No mais, está sendo organizada pelo movimento a realização de um grande ato para o dia 27 de março, cujo local e horário será definido e divulgado mais adiante.
No entanto, é necessário que nos organizemos para participar ativamente nesse ato, levando as seguintes palavras de ordem em defesa dos serviços públicos: não à privatização das Casas de Cultura; estatização de todos os serviços públicos privatizados e terceirizados; efetivação de todos os trabalhadores terceirizados; contratação imediata, via concurso público para todas as áreas do serviço público; abaixo a EC 95 – Teto de Gastos; abaixo a Lei da Terceirização Irrestrita e as contrarreformas da Previdência, Trabalhista e Administrativa; pelo fim do pagamento da dívida pública e que todo o dinheiro seja revertido para os serviços públicos (cultura, educação, saúde e assistência social).
Artigo publicado originalmente na 7ª edição do boletim “Em Defesa do Serviço Público”, de janeiro de 2023.