Nas semanas que antecedem o Dia dos Namorados as lojas ficam adornadas com flores, corações e mil tons de rosa. Ainda assim, para muitos, essa atmosfera não reflete de fato os verdadeiros sentimentos no ar. O sentimento generalizado não é de amor, mas de solidão e isolamento.
Isso não é apenas uma sensação abstrata, mas um fenômeno mensurável. Estamos vivendo no que tem sido chamado de uma “epidemia de solidão”. Até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a solidão é uma “preocupação de saúde crescente”. O cirurgião-geral dos EUA ecoou esse sentimento em um relatório que evidenciava que a solidão pode aumentar a probabilidade de morte prematura em cerca de 30%, semelhante ao efeito de fumar 15 cigarros por dia.
As consequências da pandemia para a saúde mental ainda estão afetando as pessoas. A Covid-19 interrompeu a interação social de cima a baixo, e o mundo tem tido grandes dificuldades para se ajustar. Uma pesquisa feita pela Forbes Health descobriu que 59% da população dos EUA considera mais difícil de se relacionar com outras pessoas atualmente. Embora os lockdowns tenham terminado, uma grande camada da população se sente tão isolada quanto antes.
Colapso das relações humanas
No campo do romance, isso significa um crescimento acentuado no número de pessoas solteiras. Hoje em dia, nos EUA, há um número recorde de pessoas acima dos 40 anos que nunca se casaram, e um declínio acentuado no número de jovens que tiveram relações sexuais no ano passado. O Japão tem cerca de 1,5 milhões de hikikomori – pessoas que se isolaram completamente do resto da sociedade.
A fonte desse desânimo deve estar clara. Os últimos anos trouxeram a crise capitalista mais intensa da vida das pessoas da atualidade. A inflação global e a austeridade criaram uma pressão constante nos trabalhadores de todos os países. A prioridade da maioria é simplesmente sobreviver. Menos tempo, energia e dinheiro significa menos oportunidades para encontros e amizades. Em certos casos, pessoas solitárias e ressentidas que buscam por respostas podem acabar sendo arrastadas por ideologias reacionárias, como o movimento dos celibatários involuntários, ou “incel”.
A crise do sistema capitalista cria sentimentos de temor, que só torna ainda mais difícil a socialização e a relação entre as pessoas. Assistir ao sistema político e econômico mundial se despedaçar naturalmente causa desilusão. Essa sensação penetrou em todos os aspectos da vida. Os últimos anos observaram um crescimento acentuado de doenças mentais, abusos domésticos e, agora, solidão.
Capitalismo e comercialização
Sob o capitalismo, absolutamente tudo pode ser convertido em uma commodity. Terra, água, indústria, trabalho humano e até mesmo o amor são colocados à venda ao lado de hambúrgueres Whoppers e celulares. Contanto que haja lucros a serem obtidos, haverá sempre um capitalista para explorá-lo. Apenas nos Estados Unidos, o Dia dos Namorados é uma indústria de US$ 25 bilhões.
As pressões da sociedade capitalista também penetram nas relações humanas. As pessoas são forçadas a se aproximar umas das outras não apenas por apego emocional, mas também pela pressão do dinheiro.
Os trabalhadores e as pessoas pobres estão sob pressão para formar relações com base na viabilidade financeira. No meio de uma crise capitalista, há uma pressão para morar junto com seu parceiro romântico o mais rápido possível para dividir custos. Nas cidades com o aluguel crescente algumas pessoas atrasam términos ou se mantêm em relacionamentos ruins por não conseguirem achar uma casa própria. Alguns são até mesmo forçados a se manterem em relações abusivas por não conseguirem viver por conta própria.
Podemos observar isso até mesmo na forma como comumente se fala sobre as relações. Um parceiro ideal é chamado de “roubo”, ou até mesmo de “commodity quente”. As pessoas buscam por um parceiro de “alto valor”. Cônjuges em potencial são escolhidos com base nas habilidades que podem providenciar e em quanto dinheiro estão recebendo. É frequente que lamentemos ter “gastado tempo” em relações que não terminaram bem. Na sociedade capitalista, os relacionamentos são pensados como uma transação. Um namoro é compreendido como uma simples troca de tempo por benefícios.
Aplicativos e alienação
Aplicativos de encontros são outro exemplo claro dessa comercialização. Esses aplicativos formam agora uma indústria global que gera bilhões de dólares em lucro todos os anos. Apenas o Tinder sozinho conta com 75 milhões de usuários ativos, com cerca de 11 milhões deles sendo assinantes pagos. A indústria de encontros por aplicativo teve um sucesso massivo, apesar das ligações evidentes que têm com problemas de saúde mental, como depressão ou ansiedade.
Mas esses aplicativos não têm de fato a pretensão de criar relações significativas. Providenciar aos seus usuários uma saída fácil para sua busca por amor seria um modelo de negócios pouco lucrativo. Em vez disso, esses negócios são incentivados a manter as pessoas no aplicativo o máximo possível.
Os aplicativos de encontro foram desenvolvidos de propósito para serem manipuladores. Esses aplicativos afetam o cérebro de uma maneira similar aos jogos de cassino. Na verdade, muitos deles são construídos com mecanismos adicionais similares aos aplicativos de apostas. Os usuários de aplicativos de encontros relatam experiências de pegar o celular e deslizar a tela, sem perceber quanto tempo estão gastando nisso.
Muitos se encontram baixando algum desses aplicativos por conta da solidão, e gastando horas navegando nele, apenas para encontrar uma dificuldade incrível de encontrar qualquer tipo de combinação decente ou conexões significativas. Uma empresa de marketing descobriu que 90% dos jovens consideram esses aplicativos frustrantes.
Uma vez que as pessoas são sugadas para dentro, esses aplicativos então divulgam suas configurações especiais adicionais pagas “gold” e “premium”. O Tinder e o Hinge oferecem planos premium por até US$ 50 por mês, com a promessa de que essas configurações tornarão mais fácil encontrar uma conexão especial.
É irônico que esses aplicativos têm supostamente a função de facilitar um encontro, mas que os encontros têm entrado em um declínio constante. As pessoas nunca estiveram tão conectadas e, ao mesmo tempo, tão isoladas.
A morte do “terceiro lugar”
Mas muitas vezes podemos sentir que não temos outra escolha. Os encontros na vida real – e a interação social em geral – têm declinado. O capitalismo separou as comunidades e destruiu as áreas tradicionais de interação social. Como colocado por um artigo do The Guardian, “Quando as pessoas não usam os aplicativos, isso não significa que elas começam a interagir pessoalmente. Isso só significa que elas deixam de interagir completamente com qualquer um”.
A rotina diária do capitalismo drena a capacidade das pessoas de interagirem socialmente. Os trabalhadores se arrastam até o trabalho, gastam o dia inteiro em um trabalho que odeiam e estão tão exaustos quando terminam que a única coisa que querem é descansar para aguentar o dia seguinte. Isso é verdade especialmente para os jovens trabalhadores que, em média, fazem oito horas e meia de horas extras não remuneradas por semana.
As coisas nem sempre foram assim, mesmo na memória viva. Nos anos 80, o sociólogo norte-americano Ray Oldenburg cunhou o termo “terceiro lugar” para descrever as comunidades baseadas nas relações sociais. Essas deveriam ser áreas distintas do “primeiro lugar” (casa) e do “segundo lugar” (trabalho), onde as pessoas vão para socializar.
Tradicionalmente, as pessoas iam para bares e cafés não apenas para pegar uma bebida, mas para conhecer pessoas novas e passar um tempo com os amigos. Os clubes sociais costumavam ter uma maior predominância do que agora, e as áreas comunitárias eram geralmente mais ativas. Barbearias e salões ainda agem como pilares em algumas comunidades. Os sindicatos também costumavam ser muito ativos na organização de atividades sociais. Em países com um movimento operário forte, como na Alemanha, as organizações operárias estavam envolvidas em quase todas as camadas da vida cultural.
Ter acesso a esses tipos de lugares claramente beneficia a saúde mental. Mas, para muitas pessoas, eles simplesmente não existem mais. A maioria das comunidades hoje em dia é atomizada e não existem muitos lugares restantes onde as pessoas vão normalmente com o único intuito de socializar.
Alguns desses lugares que ainda existem são constantemente ameaçados pelas pressões do mercado. As grandes empresas forçam o seu caminho nas comunidades e tornam impossível para muitos estabelecimentos locais amados continuarem funcionando. Para os trabalhadores que moram em cidades caras como Toronto e Vancouver, não é uma surpresa descobrir que seu restaurante favorito está prestes a ser substituído por um condomínio de luxo. A situação apenas piorou após a Covid-19. O lockdown forçou muitos cafés, bares, teatros e outros lugares de entretenimento a fecharem.
Acabar com o capitalismo para acabar com a solidão
Esses fatos mostram como o capitalismo arruína e distorce as relações humanas. As migalhas que a classe dominante joga para fora da mesa mal são suficientes para satisfazer as necessidades básicas, muito menos para garantir uma sensação de realização pessoal. Conforme a crise se aprofunda ainda mais, somos forçados a sacrificar mais e mais de nós mesmos para sobreviver. Isso inclui o romance e as amizades.
Como dizem as famosas palavras de Marx:
“Quanto menos você come, bebe e compra livros; quanto menos você vai ao teatro, à danceteria, às casas públicas; quanto menos você pensa, ama, teoriza, canta, pinta, esgrima etc., mais você economiza – quanto maior fica o seu tesouro que nem as mariposas e nem a ferrugem poderão devorar – o seu capital. Quanto menos você for, quanto menos você expressar sua própria vida, mais você tem, ou seja, quanto mais alienada for a sua vida, maior é o seu eu estranho a si mesmo.
Ainda assim, de uma forma contraditória, o capitalismo também tem o potencial de unir as pessoas. Conforme as condições pioram, os trabalhadores serão forçados a unir suas forças e lutar contra o sistema como um todo. Nós já podemos ver isso no número crescente de comunistas em escala global. A luta pela revolução unirá os trabalhadores, e nos dará algo para viver. Ela nos dará a habilidade de ver para além das circunstâncias imediatas e imaginar um futuro melhor.
Enquanto o capitalismo se mantiver em pé, as necessidades humanas vão sempre ser deixadas em segundo plano em relação à busca cega pelos lucros. A única forma de mudar isso é derrubando todo o sistema e lutando por uma sociedade comunista, onde a sociedade não será voltada para enriquecer uma minoria, mas sim para satisfazer as necessidades da população como um todo. O comunismo nos dará a habilidade de reparar as relações humanas e criar um mundo que possa funcionar com base na solidariedade genuína. É por esse mundo que lutamos, e apelamos para que você se junte a nós.
TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.