O crédito pode salvar o capitalismo? O aumento do crédito no Brasil e a produção

O Brasil tem um aumento imenso de crédito. E nos dizem que isso está salvando o País. E como ficam os trabalhadores? Este artigo procura responder esta questão.

Como diria o presidente: nunca antes na história desse país a bolha de crédito foi tão grande! Antes mesmo de a crise mundial estourar no final de 2008, o governo Lula já vinha injetando crédito na economia brasileira, mas o ano de 2009 bateu todos os recordes. O crédito total no país chegou a 45% do PIB, percentual significativo de aumento sobre os 39,7% do PIB de 2008. Quer dizer, o volume de crédito ofertado no país equivale a 45% de toda a riqueza produzida no Brasil.

Em março, numa palestra para dirigentes do Banco do Brasil, Lula destacou: “saímos de 381 bilhões de reais em 2003 para 1 trilhão e 410 milhões de crédito no país. Não é possível ser um país capitalista sem financiamento de crédito”.

Em particular, os balanços divulgados pelos bancos públicos impressionam e dão uma idéia do tamanho dessa bolha de crédito. No BB, por exemplo, o crédito a pessoas físicas cresceu 88% em um ano, sendo que a carteira de crédito consignado teve a maior alta: 107,2%. O financiamento a veículos cresceu 209,8% em 12 meses (já levando em conta a participação de 50% na BV Financeira, empresa do grupo Votorantim que o BB salvou em benefício de seu dono, Antônio Ermírio de Moraes).

Já o BNDES desembolsou R$ 137 bilhões, um aumento de 49% em relação ao ano de 2008. A Caixa Econômica Federal dobrou o crédito imobiliário entre 2008 e 2009, chegando a R$ 47 bilhões. Desse total, R$ 14,1 bilhões foram destinados ao programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”. Mais de 275 mil unidades habitacionais foram contratadas pelo programa, sendo que quase 169 mil destinadas às famílias com renda de até três salários mínimos. No entanto, nem de perto atendeu a demanda, pois foram apresentadas 656 mil propostas, sendo 394 mil propostas de famílias com até três salários mínimos, ou seja, 225 mil famílias pobres que foram até a CEF pedir financiamento para sua casa própria, saíram de lá com as mãos abanando.

Mas as construtoras comemoram porque, se os mais pobres não têm mesmo condições de se endividar com o crédito imobiliário oferecido, a burguesia e a pequena burguesia se aproveitam do mercado aquecido para investir em imóveis e ampliar o próprio patrimônio.

Bancos privados surfando na onda!

Os grandes bancos privados, mesmo que mais receosos em ofertar dinheiro no momento de crise do que os bancos públicos, também alcançaram lucros recordes, incentivados pelo estímulo ao crédito do governo e pelos juros mais altos do mundo pagos pelos títulos da dívida pública brasileira.

O Itaú-Unibanco fechou 2009 com lucro líquido de R$ 10,1 bilhões, um pouco atrás do BB (R$ 10,15 bilhões). O Bradesco vem em seguida, acumulando lucro 5% maior do que em 2008 (R$ 8 bilhões) e o Santander, após capitalizar R$ 13,2 bilhões no maior lançamento de ações que uma empresa atuante no Brasil já fez, fechou 2009 com lucro 41% maior (R$ 5,5 bilhões).

Como se vê, esses bancos lucraram e enriqueceram ainda mais seus donos e principais acionistas e, além disso, foram generosos na remuneração de seus executivos, mas esqueceram-se dos trabalhadores. Itaú e Bradesco pagaram mais de R$ 500 milhões para seus executivos. No caso do Bradesco, R$ 250,4 milhões foram divididos entre 150 engravatados (mais de um milhão e meio para cada um). Porém, dados do DIEESE mostram que após a fusão entre Itaú-Unibanco houve uma redução de 7.176 postos de trabalho em 2009 e o Bradesco cortou mais de mil vagas. Ao todo, os três maiores bancos privados fecharam quase 10 mil postos de trabalho no ano passado!

A concentração e centralização do capital financeiro também se acentuaram. Hoje, os oito maiores bancos monopolizam 88,6% do total de crédito do sistema financeiro nacional! Além de Itaú-Unibanco, Banco Real e Santander também se fusionaram. Já o BB, além de comprar metade da BV Financeira, adquiriu os bancos estaduais do Piauí (BEP), Santa Catarina (BESC) e de São Paulo (Nossa Caixa). Já a CEF resolveu comprar 49% das ações do Banco PanAmericano para ajudar seu dono, o Silvio Santos! “Há! Há! Háiê! Quem quer dinheiroooooo”?

E por falar na dívida pública, vamos aos números. Em 2009, ela chegou a cerca de R$ 1,6 trilhão e, em 2010 se prevê uma elevação de mais R$ 233 bilhões. E para fazer frente aos juros, o governo pretende emitir mais títulos, num montante que pode chegar a R$ 320 bilhões. E assim, a colossal bola de neve da dívida pública vai crescendo ainda mais, beneficiando os agiotas do Tesouro Nacional, os banqueiros e especuladores.

Traduzindo em miúdos, para o governo obter dinheiro e seguir patrocinando a economia, emite títulos lastreados pelo caixa do Tesouro Nacional. Os grandes investidores compram esses títulos, pois o governo promete devolver o dinheiro depois de um tempo, acrescido pelos juros mais altos do mundo. Diante da impossibilidade de quitar essa dívida – pois só para pagar juros é desembolsado, todo ano, cerca de 4% do PIB e ela, mesmo assim, não pára de crescer – o governo emite mais títulos, paga os anteriores e rola a dívida. Até que ponto essa equação se sustentará não é possível adivinhar, mas que essa situação é uma bomba relógio não temos dúvida.

Salvar o capitalismo ou construir o socialismo?

A grande questão é que, na tentativa de criar um colchão para uma queda mais suave da economia, ameaçada pela crise do sistema capitalista, o governo resolveu destinar recursos públicos, através do BNDES, BB e CEF, para salvar grandes empresas e manter (ou até elevar), artificialmente, o ritmo de consumo de automóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis e imóveis (aliado a medidas de desoneração fiscal, como a redução do IPI).

O apelo do presidente foi para que os trabalhadores continuassem comprando, mesmo ameaçados de desemprego, para evitar que os “sonhos de consumo” da propaganda midiática – regados a longínquas prestações “sem juros” no cartão ou na base dos empréstimos consignados – não se transformassem em pesadelos para milhões de brasileiros.

É verdade que a enxurrada de crédito funcionou para evitar uma queda ainda pior (que teria efeitos devastadores para a classe trabalhadora) e até serve para uma retomada de investimentos industriais, porém, isso não significa que estamos salvos da crise e nem que a situação vai melhorar para o povo.

Esta situação, combinado com a “estabilidade social” proporcionada pelo governo, levou a que o Brasil se tornasse um dos maiores, senão o maior destinatário dos investimentos do mundo inteiro. A produção retoma o crescimento a partir do segundo trimestre do ano passado (2009) e vem acelerando. É retomada a criação de empregos, inclusive dos industriais. O mês de fevereiro bateu recorde de criação de emprego.

Mas, isso significa que os trabalhadores estão ganhando? O exemplo da Embraer mostra como isso aconteceu: a Embraer demitiu 5.000 trabalhadores no auge da crise (jan e fev/2009), demitiu mais 700 trabalhadores ao longo do ano… e aumentou seu lucro no ano de 2009 em relação a 2008! E pretende aumentar a produção sem recontratar trabalhadores em 2010. Em outras palavras, vai aumentar a “lucratividade”, a “produtividade”, ou seja, os trabalhadores que ficaram vão trabalhar mais para maior lucro do patrão.

Afinal, se esse enorme volume de crédito estivesse sustentado num plano de desenvolvimento das forças produtivas, no pleno emprego, no aumento geral dos salários e no controle operário sobre a produção e distribuição da riqueza, teríamos um ciclo virtuoso não só de crescimento econômico, mas de prosperidade social. Essa é a superioridade do socialismo sobre o capitalismo.

Acontece que no capitalismo, somente os banqueiros, industriais e latifundiários iriam se beneficiar com isso, pois a riqueza produzida coletivamente pelos trabalhadores sempre é apropriada para fins privados e pelo Estado burguês. E acrescente-se que, no caso de um país semi-colonial como o nosso, grande parte dessa riqueza é transferida para as multinacionais e governos de países imperialistas.

O problema, além desse, é que a economia mundial não está bem das pernas. Por isso, a bolha de crédito atual no Brasil somente serve para empurrar a crise mais para frente e, portanto, prepara uma bomba ainda maior para ser jogada sobre a cabeça da classe trabalhadora quando for explodir novamente.

Enquanto o Estado se endivida para financiar o capitalismo, mais cedo ou mais tarde, a fatura será cobrada da classe trabalhadora, com aumento do desemprego, rebaixamento de salários, retirada de direitos e cortes de verba nas áreas sociais. (É isso que estamos vendo na Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália, por exemplo, e até mesmo no Japão e EUA, com suas dívidas públicas monstruosas!).

Para concluir, reproduzimos um trecho do editorial do Jornal Luta de Classes, edição nº 29 que se encaixa perfeitamente como uma resposta à frase do presidente Lula citada no começo desse texto:

“O crédito é necessário para a sobrevivência do capitalismo? Sim, é necessário. Mas é necessário que o capitalismo sobreviva? Sim, nos repetem todos os que um dia foram socialistas, que um dia combateram contra a dívida externa, que um dia combateram pela estatização dos bancos, que um dia combateram para reestatizar tudo o que foi privatizado, que um dia combateram pela reforma agrária”.

De nossa parte, reafirmamos que a classe trabalhadora não está derrotada e, por isso, as grandes reivindicações do povo brasileiro seguem em pauta, apesar do pouco caso que os políticos fazem delas e da criminalização que se acentua sobre os movimentos sociais.

Além disso, temos certeza que os marxistas e todos os petistas que se mantêm fiéis à luta de classes e ao socialismo, seguirão lutando para que o governo do PT, que é o avalista das esperanças populares, honre seus compromissos históricos.

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