Dilma Rousseff sancionou o Plano Nacional de Educação (PNE), que financiará, com 10% do PIB, a Educação pública e a educação … privada!
No dia 25 de junho foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff o Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece 20 metas para a educação no país a serem cumpridas no próximo decênio. A vigésima meta, que versa sobre o financiamento em educação, prevê a ampliação do investimento público em educação para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2024. Porém, tal investimento não será exclusivamente destinado à educação pública. O PNE amplia a noção de púbico[1] e inclui nesse percentual, os recursos destinados a financiar através de isenções, bolsas e parcerias com a iniciativa privada, programas como: Universidade para Todos (ProUni); Fundo de Financiamento Estudantil (FIES); Ciência sem Fronteiras; Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); Lei de Inovação Tecnológica; creches conveniadas, entre outros.
10% do PIB para educação pública e privada…
A noção de “público” adotada pelo PNE segue, em linhas gerais, a orientação proposta pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 1995 os países membros da OMC assinaram o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS), ou GATS em inglês, com a finalidade de “liberar progressivamente os serviços”, entre os quais, a educação[2]. Ou seja, privatizar os serviços públicos e compartilhar com a iniciativa privada a oferta dos direitos sociais (educação, saúde, habitação, saneamento, entre outros). Estimulando a criação e desenvolvimento de empresas que comercializam direitos sociais, como educação e saúde, e as famosas parcerias público-privadas.
Para a OMC, os “serviços públicos”, como é o caso da educação, devem acessar e gerir as verbas públicas de forma partilhada com a iniciativa privada, por meio de parcerias, já que o “serviço que comercializam” gera um “bem público”. Dessa forma, as vagas ofertadas por Instituições de Ensino Superior Privadas, por meio do ProUni, por exemplo, devem ser consideradas por essa concepção como integrantes da Educação Pública, já que quem financia é o Estado e o estudante freqüenta o curso de graça. Assim, por meio de um jogo de palavras, transformam a noção de público em gratuito não-estatal, para justificar a transferência de verba pública para iniciativa privada, por meio de isenções e parcerias.
… em 10 anos (se for realmente cumprido).
Além da aplicação dos 10% do PIB não ser exclusiva para a educação pública, será gradual. De acordo com o texto do PNE o investimento previsto será progressivo, sendo um mínimo de 7% até o quinto ano e 10% até completar o decênio. Segundo dados fornecidos pela UNESCO (2008)[3] e pesquisa realizada por Amaral (2011)[4] citado por ANDES (2012)[5], o Brasil aplica apenas US$ 959 por pessoa em idade educacional. Caso o Brasil aplicasse, em 2008, 10% do PIB, passaria para US$ 2.397,50, o que ainda é muito abaixo da média dos países selecionados na pesquisa que corresponde a US$ 4.456,00[6]. De acordo com o mesmo estudo, se o Brasil aplicasse imediatamente 10% do PIB exclusivamente em educação pública e mantivesse esse investimento, somente entre 2020 e 2030 atingiria a média dos países citados na pesquisa, considerando a diminuição quantitativa da população com idade entre zero e 24 anos e o crescimento real do PIB projetado pelo Ministério da Fazenda. Isso significa afirmar que o Brasil, ao propor aplicar 10% do PIB em educação de forma escalonada, posterga ainda mais a resolução dos graves problemas educacionais enfrentados pelo Brasil[7]. Caso o Estado brasileiro cumpra o que está previsto na minuta de lei do PNE (pode ser que não cumpra), somente daqui 30 anos poderá chegar aos patamares investidos em média dos países citados na pesquisa referenciada a cima.
A questão do Orçamento e a palavra de ordem “10% do PIB para educação pública”.
O novo PNE, portanto, em sua meta nº. 20 apresenta dois problemas fundamentais: 1) O dinheiro público (10% do PIB) não será destinado exclusivamente para educação pública; 2) A ampliação do investimento será progressiva e não imediata. Entretanto, a crítica não deve restringir-se a esses dois elementos. É preciso colocar no centro dessa discussão o debate sobre o orçamento geral da União.
Atualmente o governo federal utiliza 42,04% (previsão para 2014), do orçamento geral da União[8] para pagamento de juros, amortização e refinanciamento da dívida pública brasileira, enquanto áreas como saúde e educação recebem 4,11% e 3,49% respectivamente, do montante total do orçamento. Ou seja, praticamente metade do orçamento anual vai para o bolso dos grandes banqueiros e investidores, enquanto áreas como saúde, educação e habitação, entre outros, recebem uma quantia infinitamente inferior, compartilhada com a iniciativa privada e dissolvida ao longo dos anos.
A consigna levantada pelos movimentos sociais, sindical e popular de “10% do PIB para educação pública” (alguns incluíram pra “já”), exige corretamente mais investimentos em educação, porém ao fazer isso sem incluir efetivamente o debate sobre o orçamento público e a dívida pública, acaba por não explicitar que existe verba para os serviços públicos, entretanto é repassada para banqueiros e especuladores. Além disso, a vinculação do investimento a um índice variável como o PIB possibilita que a educação fique refém das oscilações da economia, apesar de ter sido aprovado o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) que é um mecanismo que força a União a repassar recursos para Estados e Municípios que não tenham condições de cumprir os padrões de qualidade determinados pelo CAQ.
Batalha inglória no tapetão!
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lançou uma campanha[9] para que Dilma vetasse o artigo nº. 5, parágrafo 4º do PNE que inclui a educação privada nos 10% do PIB e a estratégia 7.36 que vincula investimentos nas escolas ao desempenho no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em uma lógica meritocrática. A iniciativa foi justa, porém era improvável que tivesse sucesso por dois motivos. A mobilização para isso restringiu-se às tentativas de lobby de dirigentes sindicais e de moções dirigidas à Dilma, e, além disso, toda a bancada petista votou favorável ao texto (junto com PSDB e PMDB), o que diminui ainda mais a possibilidade de veto por parte do governo federal. De qualquer forma essa experiência demonstra a opção das direções sindicais, especialmente da CNTE, de preterir os métodos tradicionais de luta da classe trabalhadora – greves, ocupações, atos de rua – e adotar diálogos burocráticos no parlamento. E por outro lado, demonstra a vinculação do governo federal e dos parlamentares petistas com os tubarões do ensino e seu afastamento das lutas e reinvidicações dos trabalhadores e da juventude.
A luta continua! Público, Gratuito e para Todos!
A luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, em todos os níveis não começa e nem termina com a aprovação do PNE. Seguimos debatendo pacientemente com os trabalhadores e a juventude, e explicando que é necessário que o PT rompa as alianças com a burguesia e o governo federal pare de pagar essa dívida eterna e invista esse dinheiro nos serviços públicos.
Nessa perspectiva nos somamos e ajudamos a impulsionar a campanha: “Público, Gratuito e para Todos: Transporte, Saúde e Educação! Abaixo a Repressão”, formando comitês de luta em escolas, universidades, bairros e locais de trabalho.
Junte-se a nós nessa batalha!
[1] O projeto de PNE aprovado pela Câmara dos Deputados em seu parágrafo 4º do artigo 5º afirma, tratando da meta 20 referente ao financiamento, que: “O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal”.
[2] SIQUEIRA, A.C. de. A regulamentação do enfoque comercial no setor educacional via OMC/GATS. In Revista Brasileira de Educação, maio/jun/jul/ago 2004, nº 26, pp. 145-156.
[3] UNESCO. Banco de Dados do Institute for Statistics – Data Centre. Disponível em: <http://stats.uis.unesco.org/unesco/TableViewer/document.aspx?>. Acesso em: 14 de junho de 2014.
[4] AMARAL, N. C. O novo PNE e o financiamento da educação no Brasil: os recursos como um percentual do PIB. In: III SEMINÁRIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO, Unicamp, Campinas, SP: CEDES, 28 fev. a 2 mar., 2011.
[5] ANDES. Por um novo Plano Nacional de Educação como política de estado e financiado por 10% do PIB. Universidade e Sociedade. Brasília. Ano XXII, nº 50, junho, 2012.
[6] Veja alguns exemplos presentes na pesquisa referente ao investimento por pessoa em idade educacional: US$ 5592,00 (Portugal), US$ 6477,00 (Espanha), US$ 7187,00 (Alemanha), US$ 7884,00 (França), US$ 1578,00 (Argentina), US$ 3322,00 (Cuba).
[7] Segundo dados apresentados por Lisete Arelaro (USP), em pesquisa realizada para traçar o panorama educacional brasileiro, afirma-se que o país “conta com 20 milhões de analfabetos. Dos alfabetizados, 32 milhões cursaram somente até a 4ª série e 60 milhões não concluíram o ensino fundamental, o que equivale a uma entre três pessoas.Tais índices resultam, em parte, da carência de vagas que atinge de creches a universidades e que restringe o acesso da população pobre ao ensino. Em função disso, apenas 35% das crianças até 5 anos recebem atendimento educacional e só 15% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em um curso superior” o que expressa a defasagem educacional que o Brasil enfrenta. Extraído de: http://www.iea.usp.br/noticias/pesquisadora-traca-panorama-do-ensino-publico-no-brasil
[8] Extraído de: http://www.auditoriacidada.org.br/e-por-direitos-auditoria-da-divida-ja-confira-o-grafico-do-orcamento-de-2012/
[9] http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/cnte-informa/1423-cnte-informa-690-09-de-junho-de-2014/13687-pne-e-aprovado-na-camara-e-cnte-lutara-por-dois-vetos-na-lei.html