Peru: as tarefas dos marxistas e o governo de Pedro Castillo

Os acontecimentos que estão se desenvolvendo no Peru requerem atenção especial por parte dos revolucionários. Os escândalos de corrupção, a severa crise econômica e a má gestão estatal da pandemia evidenciaram as grandes contradições do capitalismo, pois as condições de vida são tão precárias e a pilhagem imperialista tão evidente que a luta de classes se percebe à flor da pele. Desde a explosão de novembro de 2020, podemos notar duas questões importantes: a primeira, a bancarrota das instituições do Estado peruano, míopes e corruptas até a medula, onde, entre suas lutas internas e lutas pelo poder entre bancadas parlamentares, decidiram impulsionar o processo de afastamento do então presidente Martin Vizcarra, o que desencadearia uma série de mobilizações e protestos em Lima e em outras regiões do Peru, que deram mostras de nossa segunda questão a analisar: a frustração e a disposição de luta dos oprimidos peruanos. A pressão do movimento foi tal que, em questão de dias, o presidente interino, Manuel Merino, teve que renunciar e Rafael Sagasti tomou o seu lugar, numa manobra parlamentar para evitar que as mobilizações continuassem escalando. Esta situação nos mostrou com clareza as evidentes diferenças e divisões que existem entre os representantes da burguesia e a grande força que pode ter o movimento das massas trabalhadoras do Peru, pois estas não saíram às ruas em defesa de um personagem corrupto, saíram às ruas para mostrar seu descontentamento contra toda a corrupção existente no aparato estatal, contra a crise econômica, contra a falta de serviços sanitários para o enfrentamento da pandemia, contra a precariedade e a fome a que os submeteu o capitalismo e os burocratas que o representam. Finalmente, à falta de uma direção revolucionária, o movimento se dissolveu entre as promessas e as manobras do Estado burguês. No entanto, a luta buscaria um novo canal de expressão nas eleições presidenciais. Em abril de 2021, foram realizadas as eleições, com um resultado inesperado: Pedro Castillo, professor e sindicalista rural, participando pelo partido Peru Livre, assumindo-se de esquerda, marxista, leninista e mariateguista, terminou ganhando e se perfilou junto com a representante da direita, Keiko Fujimori, para o segundo turno das eleições presidenciais que foram realizadas em 6 de junho. A vitória de Castillo no primeiro turno, para surpresa de muitos, foi a expressão da acumulação de mal-estar e raiva profundos dos setores mais oprimidos do povo trabalhador do Peru. O lema de “não mais pobres em um país rico” se conectou com a contradição visível entre a enorme riqueza mineral e de recursos naturais do país andino e a extrema pobreza da maioria de seus habitantes. A ameaça de Castillo de nacionalizar o gás e as multinacionais mineradoras (se se negarem a negociar novos contratos mais favoráveis ao país) conectou com as aspirações do povo pobre. Sua promessa de uma assembleia constituinte, de manter o seu salário de professor e limitar os salários dos altos cargos, conectou com a rejeição da corrupção capitalista, que dominou a política peruana durante décadas, e com a aspiração de uma mudança fundamental. Estas eleições mostraram as duas caras do Peru, a pequeno burguesa e burguesa das regiões do Norte e dos bairros de classe média e alta de Lima, e a operária, camponesa e militante das regiões meridionais empobrecidas do Peru. A campanha eleitoral foi atormentada por negociações, pressões e calúnias, trazendo à memória a época do terrorismo do Sendero Luminoso. A apodrecida oligarquia capitalista peruana se uniu numa campanha suja com um só objetivo: impedir a chegada de Castillo à presidência. Utilizou para isso todos os meios ao seu alcance: a calúnia, a demonização, a campanha anticomunista em outdoors publicitários, as ameaças abertas e veladas, os grandes meios de comunicação. Embora esta campanha certamente teve o seu impacto, não logrou o seu objetivo. É importante assinalar que, durante a campanha do segundo turno, Castillo e sua equipe foram gradativamente moderando o seu discurso. Insistiu-se na renegociação dos contratos com as multinacionais, mas as referências à sua nacionalização foram ignoradas. Insistiu-se mais de uma vez no respeito à propriedade privada. Foram incluídos elementos “respeitáveis” da esquerda reformista, ou “gestores reconhecidos” na equipe do candidato presidencial, como, por exemplo, o economista Pedro Francke. O objetivo era o de “tranquilizar os mercados”, “dar confiança aos investidores”. Na realidade, esta moderação do discurso não convenceu aos capitalistas e, pelo contrário, criou dúvidas entre os setores operários e camponeses pobres que apoiavam Castillo. Finalmente, depois de um mês e meio das eleições presidenciais, na segunda-feira, 19 de julho, o Tribunal Nacional Eleitoral emitiu a tão esperada Ata Geral de Proclamação de Resultados da Eleição de Presidente e Vice-Presidente da República, declarando formalmente Pedro Castillo como ganhador e próximo presidente do Peru. Esta proclamação se deu depois de um processo longo e burocrático, pois, apesar de que, em 15 de junho, o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE, em suas siglas em espanhol) já havia terminado de contabilizar e processar as 86.488 atas eleitorais, onde Pedro Castillo obteve 50,126% dos votos e sua rival, Keiko Fujimori, 49,874%, com uma diferença percentual de 0,252%, que representavam 44.263 votos favoráveis a Castillo, a proclamação não se fez de imediato.

Por que demoraram tanto a proclamar Castillo?

Durante o processo de contagem, a tendência ia mostrando que a vantagem de Castillo seria irreversível, razão por que Fujimori e seus advogados apresentaram uma solicitação de anulação de 802 mesas eleitorais, representando 200 mil votos, e um processo de impugnação de 1.200 atas eleitorais, que representavam 300 mil votos, ante o Tribunal Nacional Eleitoral, com a intenção de eliminar a quantidade suficiente de votos favoráveis a Castillo e somar outros tantos que lhe pudessem dar a vitória. Todo este processo provocou a demora na promulgação do ganhador da contenda eleitoral, pois as impugnações tiveram que passar, primeiro, pelos juízes eleitorais especiais, onde foram rejeitadas, mas diante das apelações apresentadas pelos advogados de Fujimori, estas tiveram que ser revisadas pelo Tribunal Eleitoral, instância que rejeitou as impugnações apresentadas. Este processo já foi concluído e o certificado entregue aos presidente e vice-presidente eleitos que tomaram posse em 28 de julho. Desde a manhã em que o Tribunal Eleitoral anunciou que rejeitaria as últimas apelações apresentadas pela equipe de Fujimori, a candidata declarou que aceitava a derrota; no entanto, também mencionou que Castillo ganhou de forma ilegítima e fraudulenta (uma questão que não pôde demonstrar), e que, portanto, faria apelos ao “povo” peruano para se mobilizar contra a suposta imposição de Pedro Castillo. Uma questão clara que pudemos observar deste processo eleitoral é que, definitivamente, quando Keiko Fujimori fala do povo, refere-se aos grandes empresários, latifundiários, oligarcas e pequeno-burgueses que formam sua base de apoio sobretudo em Lima e em algumas regiões do Norte, onde se concentram os setores privilegiados da sociedade peruana. Pelo contrário, o povo que votou por Pedro Castillo é totalmente diferente, pois se trata dos setores mais empobrecidos, oprimidos e explorados do Peru, onde a costumeira tendência antissistema das províncias do Sul, mostraram sua força apoiando Castillo, com ilusões de que ele represente este processo necessário para melhorar as condições de vida dos trabalhadores, das mulheres, da juventude, dos indígenas e de todos os setores que diariamente são submetidos à discriminação e à miséria. É verdade também que este processo dilatório na proclamação foi utilizado, por um lado, por Fujimori para evitar o cárcere e, por outro, por setores da burguesia peruana para pressionar Castillo e negociar que abrande ainda mais o seu programa, ou simplesmente como uma medida para medir a força do movimento popular que dá apoio a Castillo e as forças da reação. Neste sentido, pudemos ver representada a força da burguesia através do Estado e de suas instituições, e a força da classe trabalhadora e dos oprimidos nas ruas, organizando-se contra uma possível fraude e exigindo a proclamação. Do ponto de vista reformista, dir-se-á que a proclamação de Pedro Castillo como presidente do Peru é um triunfo da democracia e um reflexo da eficácia e da honestidade das instituições burguesas, com as quais é necessário continuar trabalhando, propondo-se reformas e modificações na constituição que irão melhorar as condições de vida dos cidadãos, apelando-se ao cumprimento do Estado de Direito. No entanto, do ponto de vista marxista, podemos dizer que claramente não é esse o caso; se essas instituições lacaias do poder econômico dos oligarcas peruanos e dos imperialistas tomaram a decisão de nomear Castillo como presidente, não foi porque são muito honestos e democráticos, mas por temerem que, do contrário, se desencadeasse um processo de luta que, dadas as condições precárias, a crise econômica e de saúde, não se sabe até que ponto poderiam deter ou se teriam a capacidade de deter.

A ameaça de irrupção das massas no cenário

Todo este processo demorado acabou finalmente com a proclamação de Pedro Castillo apesar das disputas entre os escalões superiores da burguesia, mas um fator decisivo nesta equação foram as mobilizações e os protestos e o medo da classe capitalista de que fossem mais longe. Diante da possibilidade de fraude eleitoral ou de um plano de golpe de direita, formou-se a Frente Nacional pela Democracia e Governabilidade, que é formada pelas principais centrais sindicais e camponesas do Peru, como a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), o Sindicato dos Diretores do Peru (SINDEP), a Federação Nacional dos Trabalhadores na Educação (FENATE), a Federação Nacional das Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas e Assalariadas do Peru (FEMUCARINAP), a Central Única de Rondas Campesinas do Peru (CUNARC), a Confederação Nacional das Rondas Campesinas e Nativas do Peru (CONARC), entre outros. O partido Peru Libre, Juntos pelo Peru, o Partido Comunista Peruano, o Movimento Novo Peru, a Frente Ampla, o Partido Runa e os Etnocaceristas aderiram, todos sob um lema claro: Se não houver proclamação, Greve Nacional! Essas centrais têm uma importante base de apoio em todo o país; então, um sério chamado para mobilizar suas bases poderia abrir o caminho para a luta de classes. Poucas semanas após a nomeação de Castillo, começaram as lutas pela nomeação do gabinete e as negociações para obter um voto de confiança no Congresso, no qual o partido Peru Livre não tem maioria, para poder exercer plenamente seus poderes, o que se conseguiu. Esta foi outra oportunidade para a classe dominante colocar pressão sobre Castillo e forçar gestos de moderação. Embora não tenham podido impedir sua eleição, agora se preparam para sabotar sua ação governamental, principalmente impedindo a aplicação dos elementos mais radicais de seu programa ou que possam abrir as comportas para a irrupção das massas em cena. Durante este processo, vimos uma tendência clara para a conciliação de classes. O programa apresentado por Castillo é um programa reformista que propõe uma “economia popular com mercados”, ou seja, deixará intactas as estruturas políticas e econômicas que sustentam o sistema capitalista, o que deixou claro em discurso que proferiu no final de junho:
Não somos chavistas, não somos comunistas, não vamos tirar as propriedades de ninguém, o que foi dito é totalmente falso, está selado: somos democráticos, respeitamos o governo e as instituições peruanas”.
Outro exemplo dessa questão são os elementos-chave de seu gabinete, como Pedro Francke, Ministro da Economia e Finanças, que goza do respeito e da confiabilidade do setor empresarial peruano. Durante as discussões sobre a composição do gabinete, Francke ameaçou não aceitar o cargo caso Guido Bellido, que se assume como marxista, castrista e representante da ala mais radical do partido Peru Livre, fosse mantido como primeiro-ministro. Por fim, foi alcançado um compromisso, baseado na moderação do Primeiro-Ministro, cuja capitulação se refletiu numa mensagem no Twitter onde afirmava: “Pedro Francke tem todo o nosso apoio para a aplicação da política económica de estabilidade”. Esse tipo de confronto inevitavelmente se repetirá quando o programa de reforma de Castillo colidir com a realidade do capitalismo peruano em crise. Mas o que eles querem dizer com esta política econômica de estabilidade, estabilidade para quem? Em entrevista à BBC Mundo, Francke explica sobre a economia popular com mercados que: “é um modelo de ação livre das empresas privadas, como temos feito até agora, mas com um maior componente redistributivo por parte do Estado” e acrescenta “Temos que redistribuir a riqueza, especialmente a riqueza mineira”. Com isso, pretende-se que o novo governo possa “redistribuir” riquezas, reduzir os lucros dos ricos e investir no setor público e que esses investimentos se traduzam em uma melhoria nos serviços de saúde e educação, em melhorias na qualidade de vida. dos setores mais pobres do país.

O programa de Pedro Castillo e Peru Livre

No programa de governo de Peru Livre, comenta-se que esse modelo econômico se baseia na experiência da Bolívia e do Equador. Em ambos os casos, os governos de Evo Morales e Rafael Correa foram exemplos clássicos de “governos progressistas” latino-americanos que chegaram ao poder como subproduto de uma onda revolucionária e que, por um período, foram capazes de fazer concessões à classe trabalhadora, baseadas em um ciclo de alta dos preços das matérias-primas. Com o fim do ciclo, por volta de 2014, esses governos começaram a fazer concessões cada vez mais profundas à classe dominante e ao imperialismo em detrimento dos interesses dos trabalhadores e camponeses. Essas políticas de contrarreforma minaram a base de apoio social para esses governos e finalmente levaram ao golpe contra Evo Morales e à mudança para a direita das políticas econômicas de Lenin Moreno no Equador, o que desencadeou grandes mobilizações em 2019. Repetidas vezes os governos reformistas mostraram que não pode haver conciliação entre classes antagônicas e que, enquanto o poder econômico permanecer nas mãos da classe burguesa, será o povo operário quem terá de suportar as adversidades da crise capitalista em seus ombros. A situação econômica que enfrenta o governo Pedro Castillo é diametralmente oposta àquela do início das ondas “progressistas” da América Latina. Em vez de um ciclo de alta de matérias-primas, o Peru está mergulhado em uma profunda crise capitalista e a economia chinesa, que antes impulsionava os países do Pacífico, agora está em forte desaceleração. Não há espaço para concessões. Mesmo a menor reforma será travada com unhas e dentes pela oligarquia peruana, que também tem representação majoritária no Congresso. Outros exemplos de elementos conciliatórios dentro de seu gabinete são a nomeação de Julio Velarde como presidente do conselho do Banco Central para continuar dirigindo esta instituição como o fez nos últimos 15 anos e a renúncia do chanceler Héctor Béjar, que denunciou que o período de terrorismo no Peru foi iniciado pela Marinha. Diante dessas afirmações, as Forças Armadas e setores da direita protestaram até forçarem a renúncia de Béjar, que foi substituído por Óscar Maúrtua, personagem que não tem laços com a esquerda. A renúncia de Béjar é mais um alerta de até onde a classe dominante está disposta a ir na chantagem do governo, mas também da fraqueza de Castillo que, em vez de enfrentar as Forças Armadas, entregou-lhes a cabeça de seu chanceler. Desta forma, podemos ver como os ministérios mais importantes, economia, relações exteriores e bancário, foram deixados nas mãos de políticos moderados ligados ao setor empresarial, e, também, a maleabilidade do governo diante das demandas dos setores mais reacionários do estado burguês. Os trabalhadores do Peru enfrentam diariamente uma realidade brutal, pois atualmente é o país com a taxa per capita de mortalidade mais alta do mundo, devido à pandemia, em torno de 500 mortos por cada 100 mil habitantes. Até maio de 2021, mais de 180.000 pessoas morreram por conta do vírus. Apesar de que, desde o início, tenha sido decretado um confinamento estrito, este não pôde ser realizado levando-se em consideração que mais de 70% dos trabalhadores do país dependem do trabalho informal, que três de cada dez pessoas vivem em condições de pobreza e que 11,8% das famílias pobres vivem em condições de superlotação, o que coloca os trabalhadores no dilema de se arriscar ao contágio da Covid-19 ou morrer de fome. Somado a estas condições, tem-se um sistema de saúde deficiente, sem insumos e incapaz de atender a emergência, o resultado de um capitalismo atrasado e dependente, de uma burguesia incapaz de poder desempenhar um papel progressista; pelo contrário, esta última vive do orçamento do Estado e da corrupção, além da exploração brutal da classe trabalhadora, com o apoio do Estado burguês. Pedro Francke anuncia que o novo governo terá condições de priorizar o aumento dos impostos sobre as grandes mineradoras, para empreender o combate à sonegação fiscal sobre o faturamento das grandes empresas, a fim de financiar o maior gasto social com saúde e educação dos peruanos. No entanto, isso, que parece tão lógico, não será fácil de fazer, já que o novo governo terá que enfrentar os interesses econômicos do grande capital e do imperialismo. Do ponto de vista das multinacionais e dos grandes capitalistas peruanos, isso é algo intolerável. Eles não estão dispostos a pagar impostos mais altos para financiar a saúde e a educação dos pobres. Embora essas medidas sejam muito tímidas, haverá resistência da classe dominante, que teme que sua aplicação desperte o apetite das massas por medidas mais radicais. Para resolver os problemas prementes que enfrentam as massas trabalhadoras e camponesas, não basta pedir aos capitalistas e às multinacionais que paguem impostos; antes é preciso colocar em cima da mesa a questão da propriedade dos meios de produção. Os marxistas afirmam a necessidade de se recuperar as alavancas fundamentais da economia e da grande indústria, assim como a distribuição agrária no campo, a implantação de planos de infraestrutura para beneficiar os mais necessitados (construir escolas, poliesportivos, hospitais, estradas etc.) Marx explicou no Manifesto do Partido Comunista:
A existência e o predomínio da classe burguesa têm como condição essencial a concentração da riqueza nas mãos de uns poucos indivíduos, a formação e o aumento constante do capital; e isso, por sua vez, não pode existir sem trabalho assalariado”.
A ideia dos reformistas de que a riqueza pode ser redistribuída de uma forma mais equitativa entra em conflito com os interesses fundamentais dos capitalistas. Nesta época de crise econômica, colocar a redistribuição da pouca riqueza é utópico, os grandes burgueses têm algo diferente em mente para conservar quase sem perdas os seus lucros e isso significa lançar a crise sobre os ombros dos trabalhadores, incrementar as condições de exploração, arrebatar os direitos conquistados no passado. Para os reformistas, a forma de distribuir a riqueza é fazer do Estado capitalista o fiador do apoio social, ou seja, não quebrar a dinâmica da exploração capitalista, mas simplesmente dar algum dinheiro para que os pobres não morram de fome. Isso não resolve nada. Para os marxistas, o que está em causa é a expropriação de grandes fortunas e meios de produção privados, que passem para as mãos da classe trabalhadora e do restante dos oprimidos e que sejam geridos através de um plano de produção democrático. Uma medida não tem nada a ver com a outra. Apoiamos qualquer medida séria do governo Castillo que signifique um avanço nas condições de vida da classe trabalhadora. Mas advertimos que essas medidas encontrarão forte resistência dos capitalistas. Somente com a audaciosa mobilização das massas nas ruas é que essa resistência pode ser enfrentada. Se o governo permanecer dentro dos estreitos limites do parlamentarismo burguês, e especialmente sem ter uma sólida maioria legislativa, estará fadado ao fracasso. Se apoiar firmemente a mobilização e a luta nas ruas, será capaz de quebrar a resistência da oligarquia. Nossa luta não pode terminar aí, devemos empreender uma campanha para acabar com o capitalismo, não para arredondar suas arestas e torná-lo mais aceitável. Para alcançar estes objetivos, é necessário construir um partido revolucionário que resgate toda a nossa experiência de lutas passadas, faça um balanço sério dos acertos e erros, forme quadros políticos e tenha uma estratégia não sectária de luta contra o movimento de massas, que nos permita recrutar os melhores elementos da juventude, das mulheres e da classe trabalhadora para a luta pelo socialismo.

Uma Assembleia Constituinte pode resolver alguma coisa?

Outro eixo central da campanha de Pedro Castillo foi também a convocação de uma assembleia constituinte para poder gerar uma mudança na atual constituição de Fujimori. Grande parte dos que votaram em Castillo acredita que a modificação da constituição trará mudanças significativas no cotidiano dos oprimidos no Peru e, portanto, estão se organizando em torno dessa demanda, em campanhas de coleta de assinaturas e encontros informativos. A gestação do processo organizacional dos trabalhadores é bastante positiva, pois a partir dela os setores mais avançados poderão tirar algumas conclusões revolucionárias. No entanto, como marxistas, devemos advertir que uma modificação das estruturas da legalidade burguesa não representará uma mudança significativa. Enquanto o poder político e econômico estiver nas mãos da classe capitalista, nada de substancial mudará. Devemos estudar as experiências recentes das assembleias constituintes, por exemplo, no vizinho Equador. A Assembleia Constituinte que Rafael Correa ali convocou não mudou em nada a relação de dominação da oligarquia e do imperialismo. Mais recentemente, no Chile, a Convenção Constituinte serviu para desviar a eclosão da insurreição de 2019 para canais seguros do parlamentarismo burguês. A Convenção Constituinte não serviu nem mesmo para decretar a liberdade dos presos políticos durante a revolta e os responsáveis ​​pela repressão permanecem impunes. Por mais progressistas que sejam as leis, elas exigem o aparelho de Estado para serem implementadas e, enquanto este e as alavancas fundamentais da economia estiverem nas mãos da burguesia, servirão apenas aos seus interesses. Nosso papel no movimento deve ser o de lutar lado a lado com nossa classe para atingir essa e outras demandas, mas sem compartilhar as ilusões, e ao mesmo tempo aproveitar cada espaço organizacional para explicar pacientemente a necessidade de ir além, explicar as limitações dos programas reformistas e a importância da construção do partido revolucionário. Qual deve ser, então, a atitude dos marxistas em relação ao governo de Pedro Castillo? Sem dúvida, existem muitas ilusões e esperanças de que este governo venha a realizar uma mudança fundamental nas condições de vida dos trabalhadores e camponeses. Nossa tarefa é acompanhar nossa classe, apoiando todas as medidas progressistas tomadas pelo governo, mas, ao mesmo tempo, alertando claramente que somente com a luta organizada da classe trabalhadora e do campesinato pobre se pode avançar. O governo Castillo será pressionado por duas forças mutuamente inconciliáveis. Por um lado, a pressão das grandes multinacionais e seus agentes na oligarquia capitalista, que querem manter seu poder e privilégios a todo custo. Eles não hesitarão em pressionar, sabotar e chantagear Castillo se ele tentar tocar nos seus interesses. E o farão com todos os meios ao seu dispor: o aparelho de Estado, a sua maioria parlamentar, o controlo dos meios de comunicação, a ingerência imperialista etc. Devemos aprender as lições do governo Allende no Chile em 1971-73. Por outro lado, o governo Castillo também estará sob pressão das amplas massas operárias e camponesas, dos trabalhadores e pobres que votaram nele, esperando uma mudança fundamental em suas condições de vida e de trabalho. Se Castillo ceder à oligarquia, perderá seu apoio, minando assim a própria base de seu governo, que os capitalistas não hesitarão em afastar. Se, ao contrário, tentar avançar convocando a luta na rua, terá o apoio dos operários e camponeses no seu confronto com a oligarquia. Não é possível satisfazer os dois setores: ou com os trabalhadores, ou com a oligarquia e o imperialismo, este é o cerne da questão. Desse processo de avanço e recuo, de luta e traição, a classe trabalhadora vai tirar lições. Os marxistas em todos os momentos devem acompanhar nossa classe neste processo. Explicando claramente as contradições centrais e como resolvê-las. Fazendo avançar dentro do movimento geral da classe a ideia da organização independente da classe trabalhadora e a necessidade de um programa socialista de expropriação das multinacionais e capitalistas. Desse modo, com paciência, iniciaremos o processo de agrupamento dos quadros que podem dotar o movimento de uma direção marxista à altura das circunstâncias. Em primeiro lugar, é necessário começar a tarefa de construção do partido revolucionário e da luta pelo socialismo, pois, citando o marxista peruano José Carlos Mariátegui:
A revolução latino-americana será nada mais e nada menos que uma etapa, uma fase da revolução mundial. Será simples e puramente a revolução socialista. A esta palavra, adicione, conforme apropriado, todos os adjetivos que você desejar: ‘anti-imperialista’, ‘agrária’, ‘nacionalista-revolucionária’. O socialismo os supõe, os precede, os engloba a todos”.
Pela emancipação de todos os oprimidos do mundo, organização e luta de classes!
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE. PUBLICADO EM ARGENTINAMILITANTE.ORG