Matéria de 04/09/2017 no Valor Econômico dizia que o “mercado” elevou a projeção para alta do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2017 de 0,39% para 0,50%.
Nessa dança dos números fica oculta a base das projeções e o conteúdo real da riqueza de um país.
Quais as base que norteiam o cálculo da riqueza?
Na economia capitalista, a riqueza é uma imensa coleção de mercadorias, como disse Marx no seu “O Capital”. Mas para ser uma mercadoria, é necessário atender a alguns critérios, no caso, ter um valor de uso e ter um valor de troca. Ou seja, a acumulação capitalista se realiza na troca mercadorias que, por um lado tem utilidade e, por outro, podem ser quantificadas com base no seu valor, isto é, o trabalho socialmente necessário para sua produção.
Marx inicia sua obra pelo estudo da riqueza em sua forma mais elementar, que é a mercadoria. O conceito de riqueza que Marx utiliza para definir quanta riqueza tem uma nação está vinculado ao seu nível de produção, ao nível de mercadorias que ele é capaz de produzir e não apenas isso, mas realizá-lo na circulação.
Está bastante claro que a riqueza da mercadoria, seu valor, é determinada pela quantidade socialmente necessária de trabalho para produzi-la. E que para produzir uma mercadoria é necessário o capital inicial, máquinas, instalações, equipamentos e o desgaste desses materiais; a matéria-prima, a força de trabalho e sua remuneração, e a mais-valia que também entra nesse cálculo.
É assim que Marx monta todo o cálculo do valor de uma mercadoria e o mesmo pode ser generalizado para calcular o valor daquela imensa coleção de mercadorias, em outras palavras, da riqueza.
Os conceitos keynesianos para riqueza nacional baseiam-se no cálculo de todos os bens e serviços produzidos em um país em determinado período. Apenas são calculados os bens e serviços finais e não entram no cálculo as matérias-primas. O Sistema de Contas Nacionais, baseado nas contribuições de Keynes, é o padrão utilizado nacional e internacionalmente para calcular a riqueza dos países e fornecer parâmetros de comparação. Dentro do aspecto macroeconômico, é considerado PIB ou renda nacional tudo aquilo que entra na demanda agregada (Gasto do Governo, Investimento – das empresas -, Consumo e Exportação menos Importação).
A farsa:
A partir de 2010 foram incorporados novos dados para ‘dar uma maior precisão’ ao cálculo do PIB. Vale dizer que essa alteração não foi apenas feita no Brasil, mas em vários países que seguiram a recomendação de instituições como a Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial.
Como diz a reportagem do G1 de 27/03/2015:
‘‘Na prática, itens antes considerados como despesa passaram a integrar investimentos. É o caso da Pesquisa e Desenvolvendo (P&D) que agora faz parte da Formação Bruta de Capital Fixo, junto com investimentos em máquinas e construção civil.’’
As implicações foram bastante significativas para o cálculo do PIB, elevando-o na maior parte dos casos.
Isso apenas de forma aparente é positivo. Se rasparmos um pouco mais profundamente a superfície veremos que essa é uma manobra da burguesia para dizer que os números e a ciência são seus e, como tal, manipulam os resultados como querem, se assim lhes parecer benéfico.
A mesma reportagem do G1 nos fornece um exemplo que vale a pena ser recuperado para a exposição do que pretendemos. Dizem eles que “o dinheiro gasto para a criação de uma nova vacina passa a ser considerado investimento, e não mais gasto do governo ou de empresas privadas, como antes. Isso contribui para aumentar o tamanho do PIB. (…).”
Portanto, uma vacina que nem entrou em circulação (!), que ainda não foi vendida nem comprada (!) e na verdade ainda nem se tem conhecimento científico sobre sua eficácia (!) (afinal, ela está sendo criada), entra no cálculo e conta como riqueza de um país. O que ocorre, entretanto, é que um montante de capital foi gasto para a produção de uma mercadoria que, ao final de um período ou do processo, pode nem mesmo ser vendida, comprada e usada, ou seja, que não tem valor de uso, nem valor de troca.
Mas, por outro lado, a geração de energia, que é um insumo altamente necessário à produção moderna, não é mais considerada como produção de riqueza, porque, pasmem, seu alto custo gera ônus (!) (Essa é a brilhante explicação dos melhores economistas do país)².
No Brasil, em 2011, essa pequena revisão levou a um aumento de 2,7% para 3,9% no PIB. Finlândia e Suécia poderiam aumentar o tamanho do PIB em até 5%; na Itália, Irlanda, Espanha e Portugal, em até 2%; na Alemanha e na França, o crescimento poderia ser de até 4%, segundo os dados da Euroestat (!). E é claro, certamente essas alterações favorecem aqueles países mais desenvolvidos, que conseguem fazer dos seus principais gastos a P&D, são aqueles que exportam tecnologia para o resto do mundo, produtos com alto valor agregado. Os EUA, que propôs e defendeu essa revisão na ONU, foram os primeiros a implementarem, aumentando o PIB seu próprio PIB em 2,4%. Fica clara a intenção.
Não satisfeitos com essa manipulação, fizeram uma outra. Junto com a inclusão do cálculo de P&D, todos os países da União Europeia (UE) foram obrigados a fazer a contabilização completa do comércio com sexo, drogas e outros empreendimentos clandestinos como parte de uma reforma dos indicadores econômicos da Eurostat, o gabinete de estatísticas da UE diz à reportagem do Brasil Econômico.
Com isso, a economia italiana, em crise, poderia facilmente superar a inglesa, por exemplo, contando os ganhos da máfia, apenas para citar um exemplo.
A tragédia:
Com anos de PIB mundial abaixo dos 3%, a burguesia está realmente desesperada para demonstrar que o sistema capitalista ainda não falhou, que ainda pode se recuperar. E diante desse cenário, os Estados capitalistas precisam diminuir a proporção da dívida pública em relação ao PIB. O problema é que como todos eles, incluindo as grandes potências imperialistas, estão com dívidas maiores que o PIB, a forma mais fácil de fazer isso, é se utilizar da contabilidade criativa, então mudam-se a base de cálculos, aumentam o PIB e voilà!
Mas observem, o Estado não pode aumentar a arrecadação via coleta de impostos de uma atividade que é ilegal…
Além do mais, a alteração que se pretendia mais precisa, está muito distante de ser uma verdade, porque não pode ser considerada como uma ciência exata. Ao introduzir no cálculo algo que não é controlado legalmente (máfia e drogas ilícitas), que não existe (vacina ou jazigos de petróleo ainda não encontrados), enfim, que não existe forma de mensuração real, estão cometendo um grave ataque ao que a ciência já produziu sobre determinação do valor da produção real e em termos de estatística, coleta de dados e parâmetros comparativos.
¹ Ver em <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/03/entenda-o-novo-calculo-que-aprimora-e-muda-o-tamanho-do-pib.html>