Quando as tropas britânicas foram enviadas para as ruas da Irlanda

Há 50 anos, no dia 30 de janeiro de 1972, em um domingo, o exército britânico abriu fogo contra uma marcha pacífica pelos direitos civis em Derry, no norte da Irlanda. Quatorze pessoas inocentes foram mortas atrozmente. Durante décadas, a classe dominante britânica tentou encobrir a atrocidade. Quando as tropas britânicas foram enviadas para a Irlanda em 1969, alguns acreditaram erroneamente que estavam lá para trazer a paz.

Os marxistas advertiram que não trariam tal coisa – como o massacre em Derry e outras atrocidades mostraram. O artigo a seguir foi publicado pela primeira vez em 2019, na revista In Defense of Marxism, no 50º aniversário do envio de tropas britânicas para a Irlanda.

Cinquenta anos atrás, em 14 de agosto de 1969, tropas britânicas foram enviadas para o norte da Irlanda. No início, foram recebidas principalmente pelos católicos, como um amortecedor contra a ameaça de um pogrom. Muito rapidamente o clima mudou, quando a real natureza da presença do exército britânico se fez notar. Foi marcada por assédio, arrombamentos, internações sem julgamento, tiros para matar, massacres e brutalidade geral, e discriminação contra os católicos irlandeses.

A resposta inicial e ingênua dos católicos da classe trabalhadora, ao acolher sua presença, foi totalmente compreensível. Uma liderança perspicaz digna desse nome poderia ter superado o clima temporário e avisado sobre o real significado dos eventos. As tropas britânicas não estavam lá para defender os católicos.

Mas não apenas os líderes dos direitos civis saudaram a presença das tropas britânicas, como também muitos autodenominados “marxistas” na Irlanda e na Grã-Bretanha. Em pouco tempo, muitos desses grupos – como o SWP, na Grã-Bretanha – dariam uma reviravolta e se tornariam os líderes de torcida mais acríticos da “luta armada” do IRA Provisório (PIRA ou “Provos”). A tendência marxista, Militant, liderada por Ted Grant, manteve sua bandeira limpa e alertou sobre o real papel do exército britânico.

Infelizmente, a falta de uma liderança marxista perspicaz no curso do movimento dos direitos civis acabou por significar que uma oportunidade revolucionária foi deixada escapar nos anos de 1968 e 1969. É necessário, se as forças do marxismo na Irlanda se reagruparem, que as lições desses eventos sejam estudadas. Essa é a única maneira de se rearmar teoricamente o movimento em preparação para a nova onda revolucionária que se aproxima na Irlanda.

Uma revolução incompleta

Em 1968, uma explosão social eclodiu no norte da Irlanda em torno da questão dos direitos civis para os católicos. Durante séculos, os católicos da Irlanda foram submetidos à discriminação e à perseguição. Foi na Irlanda que o Império Britânico aperfeiçoou sua tática de “dividir para reinar”.

Mas quando a revolução varreu a Irlanda de 1919 a 1922, e os britânicos não puderam mais manter o país, eles resolveram dividir o corpo vivo da Irlanda em duas partes. Sob os termos do Tratado Anglo-Irlandês, que concluiu a revolucionária Guerra de Independência da Irlanda, o Sul tornou-se nominalmente independente. O mesmo Tratado, porém, deixou o Norte nas mãos do imperialismo britânico.

Quando a revolução varreu a Irlanda (1919-1922) e os britânicos não puderam mais segurar o país, eles resolveram dividir a Irlanda / Imagem: Walter Paget

Havia uma série de razões para que a classe dominante britânica enveredasse pelo caminho da divisão da Irlanda, desde as puramente econômicas (a região representava 80% da produção industrial da ilha); ao militar-estratégicas  (a Irlanda representou uma importante posição defensiva no flanco oeste da Grã-Bretanha). Mas, superando todas essas considerações, estava o medo do bolchevismo.

Se bem que os líderes trabalhistas irlandeses haviam abdicado da liderança da Revolução Irlandesa aos nacionalistas pequeno-burgueses do Sinn Féin. A revolução foi acompanhada pela formação de sovietes, ocupações de fábricas e tentativas de pequenos agricultores de redividir a terra.

Mas em 1922, os nacionalistas burgueses servis, na Irlanda, provaram seu caráter completamente reacionário. No Tratado com a Inglaterra, eles concordaram em dividir a Irlanda. Eles conseguiriam o que queriam: rédea solta para explorar os trabalhadores irlandeses em dois terços da Irlanda. Enquanto isso, os britânicos manteriam seis condados no Nordeste.

Como Connolly havia previsto, a partição “significaria um carnaval de reação, tanto no Norte quanto no Sul, retrocederia as rodas do progresso, destruiria a unidade iminente do movimento trabalhista irlandês e paralisaria todos os movimentos avançados enquanto durasse”. Isso era exatamente o que a classe dominante britânica tinha como objetivo.

Um regime de reação

Séculos de animosidades cuidadosamente cultivadas entre protestantes e católicos foram levados a uma orgia de violência. Católicos, socialistas e sindicalistas foram expulsos dos locais de trabalho. Em cidades como Belfast, os católicos foram aterrorizados em guetos.

O estado sectário do Norte foi concebido como um “parlamento protestante para um povo protestante”. Em outras palavras, deveria ser um baluarte permanente contra a revolução e a luta de classes. Os católicos deveriam ser mantidos permanentemente sob a bota, e a lealdade dos protestantes deveria ser mantida por condições de vida marginalmente melhores e pelo medo do que aconteceria se “eles”, os católicos, dominassem. O sectarismo foi codificado no DNA do Estado desde o seu início. A manutenção de tal regime exigia a criação de um enorme aparato de repressão de um lado, e do clientelismo do outro.

Através de organizações como a Ordem de Orange (Orange Order), a dominação permanente do Partido Unionista do Ulster deveria ser garantida. As fronteiras eleitorais foram manipuladas contra os católicos; as empresas receberam votos extras por meio da propriedade; e todas as posições de importância no serviço público foram dadas aos protestantes. A discriminação ativa em moradias e empregos foi usada para semear a ilusão de interesses comuns entre os trabalhadores protestantes e seus patrões.

E os Voluntários armados do Ulster, que Lenin comparou às Centúrias Negras na Rússia, foram integrados ao Estado como os Specials B. A Royal Ulster Constabulary (RUC), e os Specials B formavam um porrete permanente e ameaçador sobre as cabeças dos católicos.

A contrarrevolução não se limitou ao Norte. Também no Sul, a partição significava um “carnaval de reação”. O Tratado mergulhou o Sul na guerra civil. A burguesia irlandesa agora se estabelecia firmemente na sela. O regime de Dublin, não menos que o regime de Stormont, baseava-se na repressão e na reação social. A Igreja Católica exerceu uma ditadura espiritual e temporal, e recebeu o controle total sobre a educação, a saúde e todas as esferas da vida social. Ainda hoje, novas revelações sobre os horrores infligidos a mulheres e crianças, em particular, continuam a vir à tona.

As feias características de tal regime só poderiam repelir os trabalhadores protestantes do Norte. Enquanto, nas mentes dos trabalhadores protestantes, uma “Irlanda Unida” significasse apenas a absorção do Norte pelo Sul capitalista, eles nunca aceitariam tal resultado. Significava aderir a um regime teocrático economicamente estagnado, no qual os protestantes se tornariam a minoria perseguida. E os protestantes sabiam o que significava ser uma minoria perseguida; eles podiam sentir isso no descontentamento fervilhante de seus vizinhos católicos. Unir a Irlanda numa base capitalista só prometia mudar os prós e os contras. Como é frequentemente o caso, os regimes reacionários do Norte e do Sul, que aparentemente estavam em desacordo, na realidade, apoiaram-se mutuamentedo outro lado da fronteira.

Tais foram os frutos amargos da traição da luta pela independência, pelos nacionalistas burgueses, e do fracasso da liderança trabalhista em se colocar à frente dessa luta.

Rumo à reforma

Os britânicos instalaram, em Stormont, um regime destinado a garantir reação, animosidade sectária e dominação britânica permanentes. Mas as leis da dialética ditam que nada é permanente e tudo deve mudar. Ninguém, nas negociações anglo-irlandesas de 1922, perguntou: “E se esse acordo não atender mais aos nossos interesses?”

As necessidades e interesses do imperialismo britânico não se detiveram. Mudanças silenciosas e despretensiosas estavam minando a base material do Estado no Norte. Mas é precisamente porque as instituições, as ideias e a teia de relações sociais se desenvolvem de acordo com suas próprias leis, sem referência às necessidades dessa ou daquela classe na sociedade, que tal mudança necessita de confrontos, crises, catástrofes e revoluções.

No período pós-guerra, iniciou-se um processo de declínio para a economia do Norte / Imagem: Woodrow Wilson PLA, Wikimedia Commons

No período pós-guerra, um processo de declínio começou a se acelerar. Empregos na construção naval, na indústria do linho e em outras indústrias importantes estavam sendo perdidos em todo o Norte. Já não tinha a mesma importância econômica que teve antes. Além disso, com a invenção das armas nucleares, dificilmente se poderia dizer que a ilha tinha o mesmo valor estratégico que já teve.

As relações com o Sul começaram a esquentar na década de 1950, e a Grã-Bretanha e a Irlanda estavam fazendo bons negócios. Na verdade, o Sul era completamente dependente economicamente da Grã-Bretanha. O sectarismo estabelecido no Norte só acrescentou atrito a essa relação. E longe de ser um baluarte contra a revolução, as injustiças que ela engendrava ameaçavam tornar-se matéria combustível para uma nova explosão social.

O imperialismo britânico olhava, portanto, para a reforma. Se possível, a classe dominante, sem dúvida, teria optado pela reunificação imediata, mas isso foi descartado. É um fato que durante 75 anos o imperialismo britânico não teve interesse em manter o seu domínio sobre a Irlanda do Norte. Se não conseguiu se livrar desse controle, é porque se enredou em uma teia de contradições de sua própria criação.

Essa virada no interesse do imperialismo britânico refletiu-se na política reformista de Terence O’Neill, que sucedeu Brookeborough como primeiro-ministro da Irlanda do Norte em 1963. O’Neill fez uma série de promessas sobre reformas e, sob sua liderança, as relações com o Sul começaram a descongelar. Em 1965, O’Neill até recebeu o Taoiseach do Sul (primeiro-ministro), Seán Lemass. Este foi um passo inédito.

Mas as reformas de O’Neill permaneceram inteiramente verbais. Elas fizeram pouco para satisfazer os trabalhadores e jovens católicos. Enquanto isso, só serviram para irritar os linha-dura em seu próprio campo unionista. Nos estágios iniciais de muitas revoluções, a tempestade que se avizinha é anunciada, não por uma explosão vinda de baixo, mas por rachaduras no topo. Dentro do Partido Unionista, começaram a surgir divisões. Uma ala direita em torno de um dos ministros de O’Neill, William Craig, defendeu veementemente o fim da política da “cenoura” e um retorno ao “pau”.

Mais ameaçador, de fora e completamente sem o controle do establishment unionista, estava o partido de Ian Paisley. Em seus sermões insanos, esse pregador fundamentalista e agitador acusou O’Neill de “curvar o joelho ao papado” e de participar de um complô (totalmente imaginário) da Igreja Católica para unir a Irlanda. A classe dominante estava aprendendo uma lição. Era impossível alimentar o preconceito sectário, manter uma turba sectária armada permanente (os RUC e os Specials B) e semear sentimentos anticatólicos por décadas, e depois esperar para fechar a torneira quando não fosse mais necessário.

As turbas reacionárias de Paisley foram o produto de séculos de incitação sectária. Com o primeiro indício de mudança de rumo, esses reacionários loucos, é claro, gritaram: “Traição!”

A própria retórica de O’Neill não deu em nada, pois foi no establishment unionista que seu regime se apoiou. Por mais que ele gostasse de amaciar suas arestas, O’Neill era parte integrante de uma ordem sectária que ele nunca conseguiria desmontar. Em suas próprias palavras, O’Neill explicou:

“O medo básico dos protestantes na Irlanda do Norte é que eles sejam superados pelos católicos romanos. É tão simples quanto isso. É assustadoramente difícil explicar a um protestante que, se você der uma boa casa aos católicos romanos, eles viverão como protestantes, porque verão seus vizinhos com carros e aparelhos de televisão. Eles se recusarão a ter dezoito filhos, mas se o católico romano estiver desempregado e viver em uma choupana horrível, ele criará dezoito filhos com assistência nacional.

“É impossível explicar isso a um protestante militante, porque ele está muito interessado em negar direitos civis a seus vizinhos católicos romanos. Ele não pode entender, de fato, que se você tratar os católicos romanos com a devida consideração e bondade, eles viverão como protestantes, apesar da natureza autoritária de sua igreja”.

Direitos civis

No final da década de 1960, um clima revolucionário estava varrendo o mundo. Uma onda de revoluções bem-sucedidas desafiou o capitalismo e o latifúndio em vários países ex-coloniais. Itália, Paquistão, México, Tchecoslováquia e, claro, a França, foram todos varridos por desenvolvimentos revolucionários em 1968-69. Mesmo no ventre da besta, o descontentamento estava se espalhando. A crescente oposição à guerra do Vietnã e um movimento de massas de agitação pelos direitos civis, por parte da população negra, varreu os Estados Unidos.

Esses acontecimentos atingiram seu auge com os eventos revolucionários de maio de 1968, na França, quando 10 milhões de trabalhadores colocaram o regime de De Gaulle de joelhos. Esses eventos tiveram um impacto profundo nos trabalhadores e jovens mais avançados da Irlanda também. Este foi especialmente o caso entre os jovens católicos do Norte que estavam queimando de indignação por sua falta de direitos básicos.

A juventude de esquerda em Derry, em torno da Juventude Socialista do Partido Trabalhista, juntou-se aos republicanos de esquerda na organização do Derry Housing Action Committee, em 1968, e começaram a organizar protestos em massa. Centenas de trabalhadores e jovens furiosos fecharam as reuniões da Derry Corporation. Na Queens University, em Belfast, uma camada de estudantes de esquerda também estava se organizando.

O clima revolucionário que varreu o mundo no final da década de 1960 teve um impacto profundo nos trabalhadores e jovens mais avançados da Irlanda também / Imagem: Joseph Mischyshyn, geograph.org
E, em 1967, para unir as lutas contra as grandes desigualdades entre católicos e protestantes, foi formada a Associação dos Direitos Civis da Irlanda do Norte (NICRA). Suas exigências eram bastante moderadas. Eles eram a favor de “um homem, um voto”, ou seja, dar fim ao voto empresarial; um fim à manipulação eleitoral, dissolvendo os Specials B; pelo fim da discriminação em empregos públicos da discriminação na habitação.

A oferta de habitação e empregos eram questões particularmente candentes. Na Irlanda do Norte, o desemprego nas décadas de 1950 e 1960 era de cerca de 8%, enquanto na Grã-Bretanha era, em média, de 1,5%. Mas em Derry, o desemprego entre os homens católicos chegou a 30%.

No que diz respeito à habitação, o regime unionista, preocupado, em primeiro lugar, com a manutenção de uma maioria protestante, não pretendia construir mais casas e perturbar o equilíbrio demográfico. Os trabalhadores católicos poderiam se espremer em favelas cada vez mais densamente povoadas e deploráveis, ou então submeter-se à única opção sempre deixada em aberto pelo imperialismo britânico: a emigração. Cem mil jovens fizeram essa opção na década de 1950.

Nada disso quer dizer que a pobreza, o desemprego e as moradias deploráveis, ​​também não eram características da classe trabalhadora e dos bairros protestantes. Repetidamente, as condições dos trabalhadores protestantes os forçaram a seguir o caminho da luta. As tradições revolucionárias da classe trabalhadora no norte da Irlanda são propriedade, tanto dos trabalhadores protestantes, quanto dos católicos: desde a greve das docas de Belfast em 1907, quando até a polícia se amotinou; a greve dos engenheiros de 1919, quando os trabalhadores de Belfast tinham o poder ao seu alcance; os motins do Outdoor Relief de 1932, quando trabalhadores protestantes e católicos lutaram, em conjunto, contra o Estado sectário.

Mas como médias básicas, as condições, em quase todos os índices, eram piores para os católicos. Alguns dos eventos que levaram às primeiras marchas pelos direitos civis, tipificaram a discriminação sofrida pelos católicos. Na primeira metade de 1968, famílias católicas de Co Tyrone, fartas de serem constantemente recusadas por causa da discriminação oficial, começaram a ocupar casas recém-construídas. Um casal com filhos, que moravam com os pais da mãe e seis irmãos, em condições deploráveis, tomou conta das coisas com as próprias mãos e ocupou uma dessas casas vazias. Mas, logo depois, a família foi brutalmente despejada. A porta foi arrombada com uma marreta e eles foram fisicamente arrastados para fora do local. E, no entanto, a casa ao lado foi alocada para uma jovem protestante de 19 anos, solteira, sem dependentes, que, por acaso, era a secretária de um político unionista local.

Este despejo, em particular, diante dos olhos da mídia, tornou-se uma causa célebre para o movimento dos Direitos Civis. Em 24 de agosto de 1968, a primeira grande marcha pelos direitos civis partiu de Coalisland para Dungannon, em Co Tyrone.

Dois mil manifestantes partiram, mas, quando chegaram aos arredores de Dungannon, receberam uma prévia do que estava por vir. Na periferia da cidade, os manifestantes foram rechaçados pelo RUC. Uma pequena contramanifestação de Paisley ocupava o centro da cidade. Um grupo de seguidores leais do reverendo Ian Paisley estava determinado a parar o movimento dos Direitos Civis em sua caminhada.

Stalinismo

Deve-se notar que nesta e em outras marchas dos Direitos Civis, a liderança oficial do movimento dos Direitos Civis – representada pelo NICRA – “liderou” por trás. Só com grande relutância eles se colocaram à frente das marchas. Isso foi principalmente para evitar que o movimento escapasse de seu controle para a esquerda!

Em Derry, que estava no coração do movimento dos Direitos Civis em seus primeiros dias, foram o Partido Trabalhista de Derry e os Jovens Socialistas, de esquerda, que tomaram a iniciativa e desempenharam um papel de liderança no movimento. Um papel de liderança foi desempenhado por marxistas confessos como Eamonn McCann. Em Belfast, foi o People’s Democracy, um grupo amorfo de esquerda formado por estudantes radicais no final de 1968, que assumiu a liderança.

A liderança do NICRA continha várias correntes de opinião, de liberais a nacionalistas, comunistas e outros. No entanto, sua principal influência veio do chamado Partido Comunista, que defendia a “teoria das duas etapas” stalinista.

De acordo com essa teoria, era necessário lidar primeiro com a questão “democrática” da igualdade para os católicos. Isso, alegava-se, era necessário para dar ao movimento o apelo mais amplo possível. Só então, uma vez conquistada a verdadeira igualdade democrática, a questão do socialismo poderia ser colocada.

Mas, por mais “viável” que um programa tão moderado parecesse, o fato de não desafiar o capitalismo se tornaria um enorme obstáculo na unidade entre trabalhadores católicos e protestantes. Afinal, se você diz “mais empregos para católicos”, “mais casas para católicos”, a menos que também fale em aumentar o número absoluto de empregos e casas, esses slogans podem soar muito como “menos empregos para protestantes”, “menos casas para protestantes”. Como Eamonn McCann explicou em suas lembranças desse período:

“Havia um sentimento de que o movimento dos direitos civis era “antiprotestante”. O movimento exigia o fim da discriminação. Seus principais porta-vozes moderados, como John Hume e Gerry Fitt, insistiam interminavelmente que isso era tudo o que exigiam. Em uma situação em que os trabalhadores protestantes tinham mais do que sua parcela “justa” de empregos, casas e poder de voto, a demanda pelo fim da discriminação era uma exigência de que os católicos deveriam conseguir mais empregos, casas e poder de voto do que tinham no momento – e os protestantes menos. Esse cálculo simples parecia ocorrer a muito poucos líderes “moderados” dos direitos civis, mas cinco minutos conversando com um contra-manifestante paisleyista em 1968 ou 1969 não deixariam ninguém em dúvida de que não foi esquecido pela classe trabalhadora protestante.” (A guerra e uma cidade irlandesa, p.297).

É da própria natureza do capitalismo criar escassez artificial. Para acalmar os medos potenciais dos trabalhadores protestantes, teria sido necessário que os líderes dos direitos civis oferecessem algo mais: um programa socialista que pudesse eliminar completamente o desemprego e construir casas decentes para todos. Essa teria sido a única maneira de isolar Paisley e seus bandidos. Gregory Campbell, um sectário que se tornou um membro proeminente do DUP na área de Derry (e que hoje é um dos dez parlamentares do DUP), em suas lembranças, expressou sentimentos que, sem dúvida, refletiam as camadas mais atrasadas dos trabalhadores protestantes que estavam sob a influência de Paisley:

“O que me empurrou para a política foi todo o cenário dos direitos civis […] Eu vi que os nacionalistas estavam fazendo campanha por melhores condições de vida, empregos, direitos de voto e, no entanto, tudo pelo que estavam fazendo campanha, eu também não tinha. Eu não tinha água encanada, tinha que sair para ir ao banheiro. Eu tinha todas as desvantagens que os católicos urbanos tinham, e ainda assim eles faziam campanha como se fosse uma prerrogativa exclusiva dos católicos serem discriminados. Eu me sentia exatamente da mesma maneira […], mas continuava a haver uma atitude da parte deles de que eles eram os únicos discriminados e eu fazia parte do grupo que os discriminava.” (Citado em Hadden, Common History Common Struggle, p.210)

Em certo sentido, a concepção estreita e stalinista do movimento dos Direitos Civis confirmou a ideia de Paisley, Gregory Campbell e cia., que os direitos civis eram sobre católicos versus protestantes. De acordo com os stalinistas, o movimento tinha que unir, atrás de si, todas as forças “progressistas”. Isso significava uma política de colaboração de classes, de união dos trabalhadores católicos com os patrões católicos “progressistas”. Quaisquer que fossem as intenções dos líderes dos Direitos Civis, isso significava converter o movimento, efetivamente, em uma frente católica, e não da classe trabalhadora. Nas palavras de McCann, “a unidade anti-sindical era, para essa mente, a ideia mais perniciosa corrente no Norte”.

Violência da RUC

Após um período de agitação em torno da habitação, a primeira marcha pelos direitos civis em Derry ocorreu em 5 de outubro de 1968. Usando o pretexto de que os sectários Apprentice Boys [Garotos Aprendizes] pretendiam marchar no mesmo dia, o secretário do Interior de Stormont, William Craig, decidiu proibir a marcha. O NICRA era a favor de cancelar a marcha. Foi só porque o Comitê de Ação de Habitação de esquerda decidiu desafiar a proibição, que o NICRA relutantemente decidiu se colocar à frente.

A marcha proibida não foi grande. Apenas algumas centenas apareceram. Mas a RUC reagiu com violência feroz. Enquanto os discursos estavam sendo dados antes do início da marcha, a RUC avançou pela frente e pela retaguarda. Reforços pesados ​​e canhões de água foram trazidos para Derry. Antes que os manifestantes pudessem partir, cargas de bastões e canhões de água foram desencadeados contra a assembleia pacífica. Cabeças e braços foram esmagados pela polícia, que perseguiu os manifestantes até o Bogside, majoritariamente católico. O Bogside explodiu de indignação.

De repente, ao ver o significado desses eventos, as classes médias locais – empresários, clérigos e políticos nacionalistas – que não haviam desempenhado nenhum papel no movimento, organizaram-se no Comitê de Ação Cidadã de Derry (DCAC). Em nome da “paz” e da “unidade”, uma enorme pressão foi exercida sobre os organizadores originais para serem aceitos como a liderança do movimento. Apenas alguns resistiram.

Alguns dias depois, após uma marcha de milhares de estudantes da Queens University em Belfast, que foi novamente bloqueada por bandidos paisleyistas, os estudantes se organizaram na Democracia Popular. Como o próprio nome indica, os princípios da organização eram difusos e não claramente trabalhados, mas inclinavam-se firmemente para a esquerda. Eles se inspiraram diretamente nas ações dos estudantes revolucionários da Sorbonne em Paris.

Mas aonde quer que fossem, as marchas pelos direitos civis estavam sendo recebidas pelo monstro Frankenstein do sectarismo lealista. Esse monstro violento, um produto do imperialismo britânico, havia agora saído do controle de seu mestre. Sua violência, por sua vez, era agora um chicote, acelerando o desenvolvimento da consciência revolucionária.

Diante de uma explosão social, O’Neill finalmente começou a lançar mais do que reformas meramente verbais. Craig foi demitido, a Derry Corporation foi abolida, e a repressiva “Special Powers Act” foi revogada. Como de costume, foi a ameaça da revolução que, finalmente, levou à reforma a partir de cima. No entanto, as reformas ficaram muito aquém do que o NICRA exigia. Nessa fase, longe de satisfazer os trabalhadores militantes e a juventude na linha de frente do movimento, as reformas apenas os encorajaram ainda mais. De fato, em 16 de novembro, uma nova marcha através de Derry encurralou a polícia, quando 20.000 marcharam de Bogside para o centro da cidade.

No entanto, diante dessas reformas mesquinhas, o NICRA e o DCAC pediram a cessação completa das marchas. Para esses líderes da classe média e stalinistas, os métodos dos jovens raivosos e desempregados de Derry eram “hooliganismo”. Mesmo diante da violência reacionária mais brutal, em sua opinião, as massas devem permanecer impassíveis. Nas palavras de John Hume do DCAC, “Devemos ser não violentos a ponto de sermos esmagados no chão. A violência ganha publicidade e se a criamos é má publicidade. Se for criado contra nós, é uma boa publicidade.” (Irish News, 22 de fevereiro de 1969)

Direção

Entrando em 1969, a atmosfera era tensa. Os paisleyistas estavam aumentando sua agitação sobre a “traição” de O’Neill, enquanto os dirigentes oficiais agiam para conter o movimento dos direitos civis. As “esquerdas” stalinistas do NICRA não ofereceram alternativa.

O que faltava na Irlanda em 1968-69 era uma genuína organização revolucionária. Tal organização, recusando-se a ceder à pressão de misturar bandeiras com os dirigentes da classe média (cuja moderação e nacionalismo repeliram os trabalhadores protestantes), poderia ter erguido uma clara bandeira socialista. Com base em tal programa que ligasse a questão dos direitos civis às condições de todos os trabalhadores – incluindo trabalhadores protestantes no Norte e no Sul – uma oportunidade revolucionária poderia terse aberto em toda a Irlanda.

Mas enquanto existia uma esquerda mais radical em torno da Democracia Popular e do Partido Trabalhista de Derry, que estava se movendo em uma direção revolucionária, essas organizações eram difusas e não tinham um programa ou perspectiva alternativa clara. Em vez disso, seu radicalismo foi expresso em uma maior disposição para se mobilizar nas ruas e uma maior bravura no confronto com o regime sectário.

Em abril, quando novos confrontos com a polícia eclodiram, os moradores do Bogside não estavam mais dispostos a aceitar a repressão. Desta vez, foi a polícia que levou uma surra enquanto toda a comunidade se organizava para expulsá-los / Imagem: Keith Ruffles, Wikimedia Commons
Foi nessas circunstâncias, em 1º de janeiro de 1969, que estudantes radicais da Democracia Popular tomaram a iniciativa de realizar uma nova marcha de Belfast a Derry, desafiando os apelos dos líderes da classe média por contenção. A marcha foi cansativa. Centenas de bandidos paisleyistas constantemente assediavam os manifestantes, atirando-lhes tijolos, garrafas e pedras. Na ponte Burntollet, a marcha foi iniciada por bandidos lealistas, aos quais se juntaram dezenas de homens da RUC que estavam de folga. Eles foram brutalmente espancados com paus, porretes com pregos e correntes de bicicleta.

Muitos manifestantes foram hospitalizados. Apenas alguns manifestantes ensanguentados e espancados chegaram a Derry. Eles foram recebidos por milhares de trabalhadores e jovens indignados. A RUC, mais uma vez, atacou a assembleia e entrou no Bogside Católico, chutando portas e quebrando janelas. Agora o Bogside reagiu. Comitês de vigilância foram formados e barricadas foram levantadas para impedir a entrada da RUC. Em uma parede, na entrada do Bogside, foram pintadas as palavras “Você está entrando agora em Free Derry”, e uma “Free Derry Radio” foi estabelecida pelos moradores.

Em abril, quando novos confrontos com a polícia eclodiram, os moradores do Bogside não estavam mais preparados para aceitar os bastões da RUC sem resposta. Dessa vez foi a polícia que levou uma surra, enquanto toda a comunidade se organizava para afastá-los: 209 policiais feridos contra 79 civis.

No Verão de 1969, o norte da Irlanda estava à beira de uma explosão social. As provocações de sectários lealistas, apoiadas pela RUC, criaram um clima revolucionário nas comunidades católicas da classe trabalhadora. A juventude revolucionária que se encontrava na vanguarda da luta, estava aberta às ideias socialistas. Todo o Estado de Orange era o inimigo e as ideias do republicanismo também estavam ganhando terreno. Enquanto isso, aos olhos do establishment unionista, as reformas de O’Neill falharam completamente em reprimir o descontentamento. Em vez disso, a onda de inquietação continuou sua curva ascendente. O’Neill foi forçado a sair em abril, mas seu substituto, Chichester “ChiChi” Clark, não tinha uma política alternativa.

Derry explode

A faísca que acendeu o barril de pólvora veio durante a “temporada de marchas” de 1969. Todo Verão, grupos como a Orange Order e os Apprentice Boys em Derry marchavam em comemoração às vitórias conquistadas pelos exércitos de William de Orange em sua luta contra James II para a sucessão do trono britânico no século XVII.

Segundo o mito, a vitória dos “Willyamitas” sobre os “jacobitas” foi uma vitória do livre pensamento protestante sobre o autoritarismo da Igreja Católica. Na realidade, porém, Guilherme de Orange teve o total apoio da Igreja Católica. No Vaticano, um Te Deum foi realizado em comemoração à vitória de William na Batalha de Boyne.

Os pobres irlandeses – católicos e protestantes – não tinham interesse na vitória de nenhum dos partidos. Mas, apesar de pura mitologia, as vitórias do “Rei Billy” eram – e ainda são – celebradas todos os anos. Essas marchas, na realidade, foram projetadas para inculcar nos católicos sua posição inferior.

Em 12 de agosto de 1969, os Apprentice Boys de Derry marcharam ao longo de sua rota, levando-os ao longo das muralhas da cidade e passando diretamente pelo Bogside. O problema começou com o lançamento de moedas por jovens protestantes aos católicos abaixo. Um tumulto rapidamente se seguiu e a RUC foi colocada em ação, tentando penetrar no Bogside.

Derry explodiu. Toda a comunidade se lançou na organização da autodefesa. Já na noite de 11 de agosto, um Comitê de Defesa foi estabelecido com a participação de marxistas do Partido Trabalhista de Derry, e aqui e ali barricadas foram levantadas por antecipação.

Agora, toda a população da classe trabalhadora se atirou para repelir a RUC. Alguns começaram a ajudar os feridos, outros ajudaram a fornecer coquetéis Molotov, outros prepararam sanduíches para alimentar os combatentes e pessoas comuns abriram suas casas para uso na luta. Toda a área foi fechada atrás de barricadas. Do alto de High Flats na Rossville Street, os jovens ocupavam uma posição privilegiada para bombardear a RUC de cima. E para aliviar a pressão dos moradores do Bogside, foi feito o apelo para que outras áreas se levantassem em solidariedade para levar a RUC ao limite.

“Temos armas?”

Em Belfast e em outros lugares, os tumultos começaram nas comunidades católicas da classe trabalhadora, em resposta direta ao apelo de Derry. Até esse ponto, os residentes católicos da classe trabalhadora em Belfast estavam hesitantes em se juntar à luta. Os católicos eram uma proporção muito menor da população, e o medo era que a agitação fosse usada pelos paisleyistas para provocar um pogrom. Mas agora as instalações da RUC em Belfast foram atacadas. Na desordem, tiros foram disparados. Em resposta, a RUC enviou carros blindados com metralhadoras pesadas a áreas católicas. À medida que invadiam, os moradores claramente não estavam preparados para enfrentar a ameaça. Bravamente, os jovens responderam com pedras e coquetéis Molotov. Quando o fogo de metralhadora foi disparado, um menino de nove anos foi morto enquanto dormia em sua cama.

À medida que a RUC invadia as áreas católicas, ela foi seguida por turbas lealistas que queimaram casas católicas. Quando os católicos tiveram incendiadas as suas casas, fugiram aos milhares. Ian Paisley afirmou que eles só incendiaram, porque as casas e igrejas católicas estavam cheias de coquetéis Molotov e munição do IRA. A imprensa e os políticos de Westminster ecoaram as alegações de que, por trás da agitação, havia uma conspiração do IRA. O objetivo era debandar os protestantes para os braços da reação. A possibilidade real era a formação de um pogrom devastador e um deslizamento para uma guerra civil total.

Os acontecimentos estavam começando a tomar um rumo igualmente sinistro em Derry. Por três dias, os moradores da classe trabalhadora do Bogside de Derry lutaram com sucesso contra a RUC e os mantiveram fora de sua comunidade. Com a RUC exausta e derrotada, o governo em Stormont estava se preparando para liberar os Specials B. Eamonn McCann. O líder de esquerda do Partido Trabalhista de Derry descreveu o momento em que os moradores de Derry foram tomados pela percepção de que estavam enfrentando, desarmados, a perspectiva de um pogrom:

“…olhando através da névoa de gás, passando pelas linhas da polícia, vimos os Specials B entrando em Waterloo Place. Eles estavam prestes a ser lançados na batalha. Sem dúvida, eles usariam armas. A possibilidade de que haveria um massacre atingiu centenas de pessoas simultaneamente. ‘Temos armas?’ as pessoas gritavam umas para as outras, esperando que alguém soubesse…”

Mas não havia armas. Ao contrário da linha oficial do governo e da imprensa, que detectou a influência sombria do IRA em todos os momentos de agitação em 1968-69, o IRA foi uma irrelevância até o início dos anos 1970. Na verdade, eles eram vistos como um anacronismo pela maioria.

Na década de 1950, o IRA lançou sua “Campanha de Fronteira” – uma campanha de guerrilha destinada a unir a Irlanda. Os métodos da luta de guerrilha – adequados a um país camponês – estavam condenados antecipadamente ao fracasso. As forças do IRA no Norte eram tão pequenas que a campanha fracassada foi lançada quase inteiramente do Sul.

O fracasso de sua campanha ineficaz forçou a maioria da liderança do IRA a reavaliar seus métodos. Sob Cathal Goulding, na década de 1960, eles fizeram uma curva acentuada à esquerda. Embora uma nova ênfase na luta de classes tenha sido um passo positivo, a organização não conseguiu se voltar para as tradições de Marx, Engels, Lenin e Connolly. Em vez disso, eles ficaram sob a influência do Partido Comunista Stalinista da Grã-Bretanha.

Corretamente, a nova liderança rejeitou a tradicional política abstencionista do republicanismo. Mas em vez de ver o uso do parlamentarismo como uma tática revolucionária – como uma tribuna para agitar a revolução socialista – foi concebido de forma reformista e pacifista. A revolução irlandesa foi dividida em duas “etapas”. Em vez de uma luta revolucionária da classe trabalhadora, cujo objetivo final seria a derrubada do Stormont no Norte e do Estado burguês no Sul, e o estabelecimento de uma República Socialista de 32 condados, o IRA buscou a reforma democrática e o fim da discriminação. A reforma parlamentar viria primeiro, abrindo caminho para uma ação de classe unida dos trabalhadores católicos e protestantes. Só então seriam lançadas as bases para uma luta pela revolução socialista.

Essa perspectiva reformista de dois estágios, que impedia a revolução ou a guerra civil, deixou a liderança do IRA completamente despreparada para os eventos explosivos que se desenrolaram em agosto de 1969. Estava lamentavelmente despreparado para uma luta séria. De acordo com um oficial do IRA, eles tinham apenas 60 homens em Belfast em 1969, dos quais apenas metade estava ativo. Seu arsenal consistia em algumas pistolas e rifles da Segunda Guerra Mundial que sobraram da Campanha de Fronteira. A liderança fez pouco para adquirir novas armas antes dos eventos de 1969.

Aparentemente, “IRA = I Ran Away” [“IRA = Estou fora” – NDT] apareceu nas paredes de Belfast. Verdadeira ou meramente apócrifa, certamente correspondia ao sentimento de muitos jovens católicos da classe trabalhadora da época. O fracasso dos líderes do movimento republicano “oficial” em se preparar adequadamente para a autodefesa, levou à desilusão entre os membros de base do IRA com a liderança. Foi um elemento importante para ajudar o rápido crescimento dos Provisórios de direita, após uma divisão no movimento no final de 1969 e início de 1970.

Envio de tropas britânicas

No terceiro dia de tumultos, o governo Wilson enviou as tropas. Eamonn McCann captura o clima em Derry quando as tropas se posicionaram nas proximidades do Bogside:

“Os Specials desapareceram, a polícia sumiu de repente e as tropas, armadas com metralhadoras, formaram uma fila na entrada da William Street. A aparição deles era uma prova clara de que havíamos vencido a batalha, que a RUC foi derrotada. Isso foi bem-vindo. Mas havia confusão sobre qual poderia ser a atitude adequada para com os soldados.”

As tropas chegaram e a “Operação Banner” começou. A chegada repentina das tropas foi recebida com entusiasmo pela maioria dos trabalhadores e jovens católicos. Eles haviam derrotado a RUC. Quanto às tropas, acreditava-se que tinham chegado para manter a paz. Como McCann atesta, esse clima afetou até mesmo os militantes mais conscientes de classe.

As tropas chegaram, aparentemente para proteger os católicos. Isso não era para ser bem-vindo? Mas como isso se encaixa com a oposição de socialistas e republicanos ao imperialismo britânico?

Na ausência de uma organização revolucionária treinada, mesmo muitos dos melhores e mais radicalizados trabalhadores e jovens sucumbiram a esse estado de espírito e acolheram as tropas britânicas.

Não foi apenas McCann que apoiou a chegada das tropas. Os líderes dos Direitos Civis também as apoiaram. Na Grã-Bretanha, muitas das chamadas seitas marxistas, como o SWP e a maioria das esquerdas trabalhistas, saudaram o envio de tropas para o Norte. Ironicamente, eles dariam uma volta de 180 graus em poucos anos e aplaudiriam a campanha insana do IRA. Apenas o Militant se destacou. Apesar dos uivos de protesto do resto da esquerda, o Militant alertou que “o apelo feito para a entrada das tropas britânicas se transformará em vinagre na boca de alguns dos líderes dos direitos civis”.

Na verdade, as tropas não foram enviadas para proteger os católicos; foram enviadas, antes de tudo, para proteger os interesses do imperialismo britânico. A classe dominante britânica tinha suas próprias razões para se alarmar com o rápido deslizamento da Irlanda do Norte em direção à guerra civil.

A possibilidade real de guerra civil e limpeza étnica era grande. Tal cenário desestabilizaria o regime no Sul. A luta se espalharia rapidamente para o continente britânico, começando em cidades com grandes populações irlandesas como Liverpool e Glasgow. O impacto econômico seria devastador.

Mas talvez, mais do que tudo, as classes capitalistas britânicas e irlandesas olhavam com consternação a situação que se desenvolvia por trás das barricadas. O Estado havia perdido o controle. Os Comitês de Defesa dos Cidadãos assumiram a administração de comunidades nas quais 150.000 residentes da Irlanda do Norte se barricaram. Além de coordenar os combates, os comitês foram assumindo cada vez mais funções, incluindo o controle do trânsito e a vigilância contra o crime. Nos bairros católicos da classe trabalhadora, desenvolveu-se uma situação revolucionária e o duplo poder tornou-se um fato estabelecido.

Pior de tudo, esses comitês continham uma tendência definida de esquerda, com ideias marxistas, tendo uma influência real. Com a ajuda de trabalhadores atraídos para a luta, Derry Young Socialists conseguiu estabelecer um jornal regular com circulação de massa no Bogside, o Bogside Barricades, e reuniões de massa de milhares foram realizadas. Esta era uma situação intolerável para a burguesia britânica e irlandesa.

O Sul

Uma onda de simpatia com os bairros católicos em apuros varreu a classe trabalhadora no sul. Eles exigiram que o governo Fianna Fail fizesse alguma coisa. Em explosões de republicanismo verbal, Taoiseach [Primeiro-Ministro da República da Irlanda], Jack Lynch ameaçou enviar tropas para a fronteira. Na verdade, ele não foi além de estabelecer um hospital de campanha em Donegal.

O governo do Sul obviamente não estava disposto a confrontar fisicamente o regime do Norte. Apenas alguns anos antes, Lynch estava cordialmente conversando com O’Neill. Suas explosões, que incluíam um pedido de envio de forças de paz da ONU, foram realmente destinadas a satisfazer o clima em casa. Mas também eram uma mensagem codificada para os britânicos: coloque as tropas e resolva isso!

O governo do Sul obviamente não estava disposto a confrontar fisicamente o regime do Norte / Imagem: Joost Evers, Wikimedia Commons
Alarmada com a situação descontrolada, com a esquerda dominando em muitos Comitês de Defesa, uma seção da burguesia do Sul optou por tentar desfazer o equilíbrio de forças contra a esquerda, canalizando dinheiro e armas para os elementos de direita. Usando um fundo criado para ajudar as vítimas da violência, dois ministros do Fianna Fail, Haughey e Blaney, ajudaram a contrabandear armas secretamente para o Norte.

Esse dinheiro foi entregue diretamente à ala republicana de direita, raivosamente anticomunista, que há muito desprezava os “vermelhos” que lideravam o movimento oficial. Foram esses elementos, representando a ala burguesa do republicanismo, que se separaram para formar o IRA Provisório [Provos].

A liderança Oficial usou esse fato para se absolver de sua parcela de responsabilidade pela ascensão dos Provos. No entanto, permanece um fato que a burguesia do Sul forneceu um importante impulso na direção da guerra civil sectária, que eles temiam menos do que o socialismo.

No final de 1969 e início de 1970, a divisão entre as duas alas do IRA tornou-se completa. Nesta divisão, o IRA Provisório foi formado. A princípio, isso passou despercebido para a maioria das pessoas. O primeiro sinal externo da divisão foi o aparecimento de lírios de Páscoa nas comemorações da Revolta da Páscoa de 1970. Eles eram preferidos pelos “tradicionalistas” dos Provos aos adesivos usados ​​pelo IRA Oficial (que passaram a ser conhecidos como os “Pegajosos”).

Apesar de ocasionais insultos à “república socialista”, os Provos eram os velhos republicanos tradicionais da “força física”, que nunca se sentiram à vontade com a mudança à esquerda da liderança Oficial. Eles representavam uma tendência burguesa, de direita e, raivosamente, anticomunista no republicanismo.

Quando um punhado de jovens se juntou ao IRA, a “ala” do movimento republicano a que eles aderiram foi, na maioria das vezes, acidental. Certamente, as conexões que os Provos tinham com uma seção de empresários irlandeses-americanos e sulistas significavam que eles eram favorecidos por conta de seu apoio material. Ainda assim, o IRA permaneceu pequeno. Mas os eventos estavam incutindo em milhares de trabalhadores e jovens mais avançados a necessidade da autodefesa armada.

Autodefesa dos trabalhadores

Havia um forte clima anti-sectário em toda a classe trabalhadora neste momento, e o desejo de evitar a queda no tipo de derramamento de sangue e violência que o Norte havia testemunhado na década de 1920.

Em 21 de julho de 1920, protestantes no estaleiro Harland and Wolff, que empregava milhares de trabalhadores, foram incitados a expulsar trabalhadores “desleais”. Em resposta, uma grande multidão expulsou os católicos do estaleiro sob uma chuva de rebites de ferro. Deve-se notar que os socialistas e sindicalistas também foram expulsos. Em recompensa por essas demonstrações de “lealdade”, os patrões responderam com um ataque geral que derrubou o padrão de vida de todos os trabalhadores do Norte.

Em 1969 a questão era diferente. A força de trabalho, majoritariamente protestante, estava determinada a se opor aos fanáticos paisleyistas que queriam ver uma reprise da década de 1920. Em uma reunião em massa de todos os 8.000 trabalhadores, uma moção foi, esmagadoramente, aprovada pedindo o fim da violência:

“Esta reunião em massa de trabalhadores do estaleiro pede ao povo da Irlanda do Norte a restauração imediata da paz em toda a comunidade. Reconhecemos que a continuação da atual desordem civil só pode terminar em desastre econômico. Apelamos a todas as pessoas responsáveis para que se unam a nós e ofereçam uma alternativa para quebrar o ciclo de recriminação mútua decorrente dos incidentes do dia a dia.” (Bleakley, “Paz no Ulster”, 1972)

Em todo o Norte, os comitês de defesa tinham um caráter amplamente não sectário. Em muitas áreas mistas, trabalhadores católicos e protestantes formaram patrulhas de defesa conjuntas para bloquear os esforços dos encrenqueiros de ambos os lados da divisão sectária. No Bogside de Derry, os socialistas do Comitê de Defesa continuaram a manter contatos com trabalhadores avançados no bairro, majoritariamente, de origem Protestante.

Nessas condições, se os sindicatos tivessem apresentado o slogan para a formação de comitês de autodefesa de trabalhadores não sectários – inspirados no Exército de Cidadãos Irlandeses, que havia sido estabelecido pelo Sindicato dos Transportes, sob a liderança de Connolly em 1913 – poderia muito bem ter tido uma recepção muito positiva, e pôr um fim ao deslizamento na violência sectária olho por olho.

Mas os líderes do movimento trabalhista – dos sindicatos (NIC-ICTU) e do Partido Trabalhista da Irlanda do Norte (NILP) – completamente e literalmente, se venderam. Em resposta à agitação, em setembro de 1969, representantes do movimento sindical se reuniram com representantes do governo unionista de Chichester Clark.

O resultado foi uma declaração conjunta em que o governo e os líderes sindicais pediram a retirada das barricadas: “a contribuição mais valiosa que as pessoas podem dar neste momento é tentar garantir a remoção das barricadas por meios pacíficos e voluntários, em conjunto com as forças de segurança”.

Os dirigentes sindicais não tinham outra perspectiva senão restaurar “a lei e a ordem”. Por este ato de traição total, eles receberam suas cinquenta moedas de prata na forma de um subsídio anual do governo de £ 10.000 (Hadden, p. 273).

O papel do NILP não foi menos ignominioso. Embora no nível de base tenha havido uma mudança para a esquerda em alguns lugares, como em Derry, onde o Partido Trabalhista se moveu na direção do marxismo, a liderança se apegou firmemente aos métodos do reformismo. No contexto de um Estado sectário, a adaptação reformista significava adaptação ao sindicalismo. Como uma cunha sectária foi lançada entre os trabalhadores do Norte, essa recusa em romper com o reformismo significou a morte certa para o NILP.

Com a ameaça de um pogrom iminente em agosto de 1969, muitos dos esquerdistas que se mobilizaram através do Partido Trabalhista de Derry começaram a se aproximar do IRA Oficial, e começaram a treinar o uso de armas na fronteira, em Donegal. Eles não estavam dispostos a enfrentar, desarmados, a ameaça de um pogrom no futuro.

Repressão

O fracasso dos líderes dos trabalhadores em vincular a autodefesa armada ao movimento trabalhista, deixou um tremendo vácuo. Por um curto período, isso não era óbvio, porque o exército parecia ser um amortecedor.

Em setembro, um esforço conjunto de bispos e líderes nacionalistas “moderados” de classe média conseguiu convencer as massas a derrubar as barricadas. Em outubro, a RUC foi desarmada e os Specials B foram abolidos. Parecia que, afinal, os britânicos estavam intervindo ao lado dos católicos.

Mas, na realidade, os Specials B tinham acabado de ser substituídos pelo Regimento de Defesa do Ulster (UDR). Muitos ex-Specials B se juntaram em massa. Às vezes, 10-20% dos membros da UDR também faziam parte da Ulster Defense Association (UDA), o maior grupo paramilitar que operou durante os Distúrbios. A UDR tornou-se uma fonte preparada de armas para os paramilitares leais.

O verdadeiro caráter da ocupação britânica logo se fez sentir. Em 26 de junho de 1970, uma impenitente Bernadette Devlin perdeu seu recurso contra uma condenação por sua participação na defesa do Bogside, em agosto de 1969. Os moradores indignados do Bogside mais uma vez explodiram de raiva, dessa vez entrando em conflito com o exército.

No dia seguinte, a Ordem de Orange fez uma tentativa de marchar sobre o enclave católico de Short Strand, em East Belfast. A provocação sectária escalou desde o lançamento de pedras até o lançamento de coquetéis Molotov na Igreja de São Miguel. O IRA Provisório respondeu com tiros e no tiroteio que se seguiu (apelidado de “Batalha de St Matthews”) com sucesso, impediu que os lealistas invadissem. Pela primeira vez, os Provos se apresentaram como defensores dos trabalhadores católicos. Os unionistas estavam em armas porque o exército britânico não interveio.

As tropas britânicas agora mostravam o significado de sua presença. Longe de estarem estacionados para proteger os católicos, elas foram realmente mobilizadas para garantir a estabilidade no interesse do imperialismo britânico. Isso significava, em primeiro lugar, restaurar a ordem e a autoridade do Estado. Embora as barricadas tenham sido derrubadas, permaneceram áreas “proibidas” para o Estado, a agitação continuou, a agitação pelos direitos civis não havia terminado e membros armados de ambas as alas do IRA continuavam a operar.

Com força bruta, os britânicos esperavam acabar com a agitação, desarmar o IRA e aplacar os unionistas. Com base nisso, eles imaginaram que poderiam encerrar a “Operação Banner”. Essa política foi um desastre absoluto.

Poucos dias após a “Batalha de St Matthews”, o exército britânico decretou toque de recolher na área católica e operária de Falls Road, em Belfast. Indo de casa em casa, eles estavam determinados a acabar com o IRA. Com a maior brutalidade, eles saquearam centenas de casas católicas. Quando indignadas, as mulheres locais começaram a revidar, o exército respondeu enchendo o bairro com gás sufocante. Nas “buscas” realizadas pelo exército britânico, casas foram completamente destruídas, 337 pessoas foram presas, 78 ficaram feridas e 4 foram mortas.

Os Provos

Longe de intimidar a população católica ou imobilizar os Provos como eles esperavam, a repressão transformou o humor da classe trabalhadora católica de Belfast em fúria. Os jovens olhavam em massa para qualquer um que lhes desse armas. Os líderes republicanos oficiais, os líderes dos direitos civis e os líderes do movimento trabalhista foram todos pegos de surpresa pelo desenvolvimento dos eventos, e quando a questão das armas se colocou, ninguém teve nenhuma resposta.

Os Provos, no entanto, tinham uma resposta simples. Nas palavras de Billy McKee, comandante do IRA em Belfast, “Esta é a nossa oportunidade com os britânicos nas ruas. É o que queremos, um confronto aberto com os britânicos. Tirem os britânicos através da resistência armada.

Os Provos separaram completamente a questão nacional das questões sociais e de classe. Por meios puramente militares, eles acreditavam que uma minoria corajosa e armada poderia derrotar o poder do imperialismo britânico / Imagem: Cahrlaw, Wikimedia Commons
Eles acreditavam que os britânicos eram o principal inimigo e que a divisão nacional da Irlanda era a principal causa de todos os problemas sofridos pelos trabalhadores católicos. A presença física dos britânicos representava esse ponto em branco, e eles acreditavam seriamente que, por meio de um conflito armado direto, poderiam expulsar os britânicos, unindo, assim, a Irlanda pela força bruta. A presença do exército britânico foi um presente.

Os Provos não tinham escrúpulos em entregar armas a qualquer jovem que quisesse defender a si mesmo e sua comunidade. Um confronto militar direto era exatamente o que eles queriam. E depois de eventos como o toque de recolher em Falls, um dilúvio de jovens se juntou aos Provos em Belfast.

Na ausência de autodefesa armada, os Provos foram transformados em uma força séria com apoio em massa em bairros católicos da classe trabalhadora, quase da noite para o dia. McCann os descreveu como “a irrupção que preencheu o vácuo deixado pela ausência de uma opção socialista”. Os Provos separaram completamente a questão nacional das questões sociais e de classe. Por meios puramente militares, eles acreditavam que uma minoria corajosa e armada poderia derrotar o poder do imperialismo britânico.

Contra uma das máquinas militares mais poderosas do mundo, a campanha dos Provos foi uma aventura desastrosa. Eles imediatamente se depararam com o fato de que um milhão de protestantes se opunham à unificação da Irlanda. Enquanto isso significasse unificação em uma base capitalista com o Sul atrasado e dominado pela Igreja Católica, esse clima nunca se abrandaria.

Em vez de combinar a autodefesa com um apelo de classe aos trabalhadores protestantes, explicando o significado de uma República Socialista, os Provos partiram para alcançar seus objetivos militarmente, contra a vontade dos trabalhadores protestantes! Os jovens católicos da classe trabalhadora que aderiram ao IRA não eram, em sua esmagadora maioria, contra os protestantes. E, na maior parte, a campanha do IRA não foi conscientemente sectária.

Mas os bombardeios contra o exército ou contra a infraestrutura inevitavelmente mataram civis. Acidentes ocorreram e as chamadas de advertência foram inoportunas. Represálias por assassinatos sectários por parte dos Shankill Butchers, assumiram um caráter sectário, olho por olho. A “luta armada” do PIRA [IRA Provisório] (na realidade, o terror individual) causou uma profunda ruptura na classe trabalhadora.

Uma cunha na classe trabalhadora

Uma vez que a campanha dos Provos começou para valer, os grupos conjuntos de vigilância católico-protestante cessaram. Em seu livro, McCann lembrou como todos os contatos entre os socialistas no Bogside de Derry e os trabalhadores avançados cessaram. Camadas de trabalhadores protestantes foram empurradas para as mãos do Estado britânico. E não foram apenas os protestantes na Irlanda do Norte. Quando a campanha do IRA atingiu o continente britânico com bombardeios em Birmingham e em outros lugares, eles forneceram um presente à imprensa conservadora, que o usou para criar um clima anti-irlandês.

Qualquer ilusão de que era possível alcançar mudanças através de protestos pacíficos de rua foi finalmente esmagada de uma vez por todas no “Domingo Sangrento” / Imagem: Domínio público
Os britânicos, por sua vez, não podiam partir. Eles não tiveram escolha a não ser permanecer e tentar derrotar o IRA enquanto houvesse poucas chances de negociação. A alternativa teria sido retirar-se e ver como a região se precipitava numa guerra civil. Mas derrotar o IRA era impossível. Cada ato de repressão empurrava milhares de novos recrutas para seus braços.

Em 8 de julho de 1971, o exército britânico atirou em dois jovens em Derry, Seamus Cusack e Desmond Beattie. Em seu livro, McCann relata como no dia seguinte, os Provos realizaram seu primeiro comício na cidade.

Quando o internamento sem julgamento foi introduzido em 1971 – ou seja, a prisão em massa de católicos sem provas pelo Estado britânico – só levou a novos distúrbios. Foi convocada uma greve de aluguéis. Os tumultos eclodiram. Houve novas prisões em massa e uma nova enxurrada de jovens recrutas raivosos nos Provisórios.

E, em 30 de janeiro de 1972, ocorreu a ruptura definitiva. O regimento de paraquedistas enfrentou uma marcha pacífica e desarmada em Derry com munição real. 14 pessoas morreram. O objetivo era esmagar o movimento das ruas e restabelecer a “ordem”. Certamente, o que restava de qualquer ilusão de que era possível alcançar mudanças através de protestos pacíficos de rua foi finalmente esmagado de uma vez por todas no “Domingo Sangrento”.

Impasse

A “luta armada” assumiu uma lógica infernal própria. Seus efeitos foram inteiramente reacionários. A campanha do IRA foi usada pela classe dominante para reforçar seu aparato de repressão. Cada ato de repressão do Estado britânico atraía uma reserva inesgotável de jovens recrutas católicos para o IRA. O resultado inevitável foi um impasse. E, no entanto, levou duas décadas e meia de derramamento de sangue; de 3.000 vidas perdidas, incluindo centenas de jovens católicos corajosos, que realmente sentiam que estavam lutando por uma república socialista de 32 condados; antes que este fato fosse plenamente reconhecido.

Mas os Provisórios não se afastaram desses métodos falidos em direção ao republicanismo revolucionário e socialista, representado por nomes como James Connolly. Em vez disso, eles se voltaram para os métodos falidos do reformismo. Em 1994, o IRA emitiu um cessar-fogo e, em 1998, eles assinaram o Acordo da Sexta-feira Santa (GFA). Embora não ousem admitir, o GFA (que foi uma repetição do Acordo de Sunningdale de 1973) representou uma admissão de derrota e uma traição à luta por uma Irlanda unida.

O que duas décadas e meia de “luta armada” conseguiram? A divisão sectária na classe trabalhadora foi ampliada até se converter em um enorme abismo. Quanto mais essa divisão cresceu, mais a perspectiva de uma Irlanda unida recuou. Por mais “radicais” que parecessem os métodos de guerrilha dos Provisórios, em conteúdo suas políticas eram as de uma tendência burguesa e de direita no republicanismo.

Desde a assinatura do GFA, isso ficou bastante claro, pois os ex-guerrilheiros se converteram em políticos burgueses, governando por dez anos com o DUP de Ian Paisley. Juntos, eles estavam de pleno acordo sobre a necessidade de políticas anti-classe trabalhadora no Norte.

Mas, como no período desde a partição, a história não parou. Os métodos de terror individual e de guerrilha se esgotaram. Os grupos paramilitares que permanecem ativos na Irlanda do Norte hoje – “lealistas” ou “republicanos” – são desprezados e isolados da classe trabalhadora. Sem apoio de massa, desconectados da classe trabalhadora, grupos como o chamado “Novo IRA” degeneraram em lumpenismo, criminalidade e tráfico de drogas.

Por duas décadas, as ideias reformistas também foram testadas em Stormont, e falharam no contexto de uma profunda crise do capitalismo. É isso que está na raiz do colapso do Stormont em 2017.

Mas, o mais importante de tudo, a única força capaz de unir a Irlanda, em uma base socialista – a classe trabalhadora – foi imensamente fortalecida na Irlanda, no Norte e no Sul. Enquanto isso, as organizações sectárias – a Ordem de Orange e a Igreja Católica – viram um colapso em sua autoridade.

A falência do capitalismo no Norte da Irlanda viu uma falência crescente do sindicalismo, que perdeu sua maioria histórica pela primeira vez na história. Hoje, muito menos jovens se identificam como nacionalistas ou unionistas. Cresceu uma nova geração que procura uma alternativa, que procura realmente um caminho para a revolução socialista.

A tarefa é retornar às tradições revolucionárias e marxistas de James Connolly e construir um partido revolucionário de massas da classe trabalhadora na Irlanda, sem ilusões de reformismo, pacifismo ou guerrilha. Tal partido, abrangendo as camadas mais avançadas da classe trabalhadora irlandesa, poderia levar os trabalhadores da Irlanda a varrer o capitalismo e a estabelecer uma República dos Trabalhadores. Ao fazê-lo, alcançaria os trabalhadores da Grã-Bretanha e de outros lugares, lançando as bases para uma Europa Socialista e uma Federação Mundial de Estados Socialistas. Só então os problemas da Irlanda seriam resolvidos.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM