Nas plataformas de exploração do petroleo, trabalham aqueles que são contratados pela Petrobras e os terceirizados. Estes, como em toda terceirização, são mais explorados. E eles entraram em greve.
“Se a miséria e a fome de minha família podem esperar então o serviço também pode esperar.”
(declaração de um operário soldador em greve)
“Toda vez que eu embarco na plataforma eu não sei se vou voltar com vida.”
(comentário de um técnico de segurança do trabalho antes de embarcar)
– “Quem é o senhor?”
– “Eu sou o gerente geral da empresa”
– “O que o senhor está fazendo aqui na plataforma?”
– “Eu vim pedir para vocês voltarem a trabalhar”
– “O senhor nunca apareceu por aqui para ver de perto as nossas condições de trabalho. Agora que a chapa está quente o senhor aparece…Quanto é que o senhor ganha para ser gerente?”
– “Eu não posso falar”
– “O senhor viveria com sua família em Macaé com mil reais por mês de salário?”
(diálogo entre um operário caldeireiro e um gerente de empresa terceirizada a bordo de uma plataforma em greve)
Na última semana do mês de maio os trabalhadores terceirizados de um grande número de plataformas de petróleo da Petrobrás, na Bacia de Campos, no norte do Estado do Rio de Janeiro, cruzaram os braços e fizeram greve de advertência de 48 horas por aumento de salários. Nas plataformas P-7, P-8, P-12, P-20, Enchova, PNA 1 e 2, Cherne 1 e 2, entre outras, a prestação de serviços dos terceirizados parou completamente. Os operários foram até a área de trabalho na plataforma e não trabalharam. Braços cruzados e máquinas paradas. Todo mundo parou. Em nada adiantou as pressões da Petrobrás e das empresas terceirizadas para que a greve fosse suspensa. Na maioria dos casos, no entanto, os petroleiros foram solidários com os trabalhadores grevistas, dando todo apoio possível. Os trabalhadores estão em campanha salarial, que começou em maio, e reivindicam 30% de reajuste nos salários contra os minguados 6,5 a 7% da inflação admitida e manipulada pelo governo da Dilma.
O “mundo maravilhoso” do petróleo em Macaé
“Isto nunca aconteceu antes aqui em Macaé”, admitia perplexo um dono de empresa terceirizada que tem um dos maiores contratos de reparo naval nas plataformas da Petrobrás.
A surpresa do empresário se soma à dos políticos locais, à da prefeitura sob o segundo mandato do corrupto Riverton Mussi (PMDB) e à do próprio PT, que coligado com o PMDB na cidade, segundo diretriz nacional do partido, vive feliz e adaptado com a sua nova sede no centro da cidade. A mídia, e a própria administração municipal da cidade de Macaé, que sedia a base da Petrobrás e todo pólo off-shore da Bacia de Campos, sempre alardearam o clima de paz social, de “riqueza e dinheiro” que floresce na cidade – um verdadeiro “emirado árabe” encravado no norte fluminense. Agora mesmo encerrou-se a 6ª edição da Feira anual Off-Shore de Macaé, com crescimento da participação de empresas estrangeiras em 38% no pólo de petróleo, só este ano, e que movimentou negócios em torno de R$ 160 milhões. Mas esse mundo maravilhoso dos negócios em Macaé, em consonância com a política do “quanto mais capitalismo melhor” dos governos Lula-Dilma, esbarra na triste realidade do que é o pólo de petróleo no norte do Estado do Rio de Janeiro.
A exploração da força de trabalho assalariada no pólo de petróleo de Macaé e na Bacia de Campos, que produz ainda o maior volume de petróleo e gás do país (85%), é uma das mais absurdas do país. A maioria do trabalho empregado pela Petrobrás é de empresas terceirizadas, na proporção quase de 6 subcontratados para cada 1 efetivo da estatal. Os salários são muito mais baixos que os dos petroleiros (com exceção de uma minoria de técnicos muito especializados) e os direitos trabalhistas, embora previstos nos contratos de terceirização, são constantemente negligenciados por parte das empresas subcontratadas. O salário de um operário montador de andaime fica em torno de 900 reais. Um soldador experiente, com certificados, fica em torno 1200 reais. Um operário caldeireiro e um pintor ficam nesta mesma faixa salarial. Pelo terem o mesmo salário baixo os bombeiros do Rio de Janeiro fizeram uma motim e uma mobilização sem precedentes.
Nas plataformas de petróleo da Petrobrás a situação é mais grave. A Petrobrás cuida apenas da operação e produção da plataforma, ficando o resto com as empresas terceirizadas. Todo o serviço de reparo naval, manutenção, pintura, reparo de tubulações, estruturas e equipamentos são executados por terceirizados em condições de risco e perigo, pois a produção não pode parar. Muitas das atividades são muito perigosas, especialmente no caso de soldas, e que são feitas muitas vezes com situações de vazamentos de gás oriundos de tubulações apodrecidas que podem causar explosões e incêndios. E os acidentes acontecem e sempre são abafados. Muitos operários morrem em acidentes que não são divulgados e que a Petrobrás silencia e a empresa terceirizada fica calada também para não perder pontos do contrato. Os turnos dos petroleiros embarcados são de 14 dias por 21 dias de descanso. Para os terceirizados é a escala 14 por 14 dias, sendo que muitas vezes o trabalhador desembarga e logo em seguida, na folga, é chamado para embarcar novamente. Nestes caso ele deveria receber 100 % de adicional e muitas das vezes as empresas não pagam este valor que está previsto no contrato coletivo de trabalho. A situação das mulheres operárias também é triste: ganham menos e são quase todas, vítimas de assédio sexual, impedidas de reclamar sob o risco de perderem o emprego.
Nada pode parar a produção de petróleo e gás e isso tem servido de pretexto para as operações de reparo nas plataformas em condições sérias de risco para a vida dos trabalhadores. A situação ficou tão feia que alguns meses atrás a Marinha ameaçou docar várias plataformas caso não fizessem reparos para garantir a segurança do funcionamento.
Qualquer operário que reclamar na justiça os seus direitos vai para a lista negra das empresas terceirizadas e não arruma mais emprego em lugar nenhum em Macaé.
Os atuais contratos de reparo e manutenção das plataformas vigentes desde o início de 2010 impuseram para as contratadas um arrocho no faturamento que foi sem dúvida repassado para os trabalhadores. Com a política de produção de óleo e gás sem parar, executada pela Petrobrás, acelerou uma situação que mais cedo ou mais tarde iria explodir.
A campanha salarial dos terceirizados da Petrobrás
Durante os últimos 10 anos as relações entre as empresas terceirizadas e Petrobrás com os trabalhadores gozaram de uma relativa tranqüilidade. O motivo tem sido a divisão dos sindicatos em Macaé, muitos deles transformados em verdadeiras organizações de gangsters sindicais, vivendo das contribuições compulsórias dos trabalhadores, tais como o imposto sindical e a taxa mensal de contribuição confederativa. O sindicato dos petroleiros do norte fluminense apenas abarca os trabalhadores da Petrobrás. Existem outros mas entre eles se destaca o SINTIPICC (sindicato dos trabalhadores de pintura, reparo naval, construção, etc.) que agrupa a maioria dos trabalhadores das empresas de manutenção nas plataformas, e que é um sindicato pelego clássico. Nunca mobilizou nada e sempre aceitou a proposta patronal nas campanhas salariais dos últimos anos. Este sindicato é dirigido por uma mesma família há mais de 20 anos e um presidente quase vitalício.
O sindicato foi pego de surpresa no inicio de maio, quando começou a campanha, por ocasião da assembléia da categoria. Cerca de 400 trabalhadores lotaram as instalações do sindicato e rejeitaram a oferta patronal de reajuste em torno de 7%. Um manifesto com mais de 1500 assinaturas rejeitava a proposta dos patrões e chamava a greve. A assembléia aprovou a luta pelos 30% de reajuste. Uma nova proposta patronal nas rodadas de negociação com o sindicato ficou em 9%. Mas não foi o suficiente para impedir a greve.
O movimento foi espontâneo durante todo o mês de maio. Agitação e piquete no aeroporto de Macaé (onde embarcam os trabalhadores para as plataformas), contatos pelas redes de relacionamento na internet (twitter, facebook, orkut etc.) o movimento se alastrou pelos trabalhadores das empresas PCP Engenharia, Engevix, Ultratec, Odebrecht, IMETAME onde juntas devem ter cerca de uns 10 mil trabalhadores, sendo a maioria embarcada. É difícil calcular o numero de grevistas, mas a maioria das plataformas onde estas empresas prestam serviços parou. Um dado relevante é que os operários grevistas estavam munidos com copias do acordo coletivo de trabalho, onde estão garantidos muitos dos direitos reivindicados, da legislação sobre o direito de greve, dados sobre a inflação e custo de vida. Não são trouxas e nem se deixam enganar mais. Os encarregados até que tentaram convencer a peãozada mas nada adiantou. No entanto, na base destas empresas, em Macaé, não houve greve, Por causa do medo do pessoal administrativo e técnico de fazer greve e perder o emprego.
Os patrões reagiram num claro sentido de acalmar a Petrobrás acusando o movimento de “político e dirigido por membros da CUT de São Paulo”. A Petrobrás, numa clara demonstração de rechaço ao direito de greve, exigiu o desembarque de todos os grevistas. E as empresas ameaçam em “amarrar a lata”, ou seja, demitir, os líderes da greve. O problema é que não há líderes, o movimento foi espontâneo, articulado pela internet e o sindicato apenas colocou um caminhão de som nas portas das empresas e nada mais. A organização correu por fora do controle do sindicato.
Uma nova greve está sendo chamada para quarta dia 22/06. A previsão é de 5 dias de paralização nas plataformas. Como não existe feriado nas plataformas a greve se ocorrer pode durar até a próxima segunda. No momento do fechamento da edição deste texto a situação está num impasse. O movimento espontâneo pode crescer, não há disposição dos trabalhadores em recuar. Isto é visível dentro das empresas. As empresas terceirizadas, apesar das ameaças, não podem demitir massivamente, pois não há reposição fácil da mão de obra embarcada e tampouco aceitam um reajuste além dos 9% propostos. A Petrobrás não quer saber de greve atrapalhando a produção. Um sindicato pelego que não sabe o que fazer. E o movimento segue espontâneo sem liderança e direção.
A espontaneidade de qualquer movimento operário de massa é motivo de força mas também revela os seus limites. É necessário um apoio decidido e claro de todos os que se reivindicam do movimento operário aqui em Macaé no sentido de avançar esta luta. É necessário que todos os sindicatos de trabalhadores apóiem o movimento das terceirizadas, especialmente a CUT, através do sindicato dos petroleiros. E chegou a hora do PT em Macaé romper com essa aliança espúria com a burguesia e o PMBD e a apoiar a luta dos trabalhadores.
Macaé, 19 de junho de 2011.