Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Se o transporte é público, por que pagamos?

Esse texto é um dos informes apresentados no Encontro Nacional Online da Juventude por Fora Bolsonaro, que ocorreu no dia 31/05. Leia o relato do encontro aqui.
Quando ouvimos a palavra “transporte”, logo nos vêm à mente imagens de ônibus, metrôs, bondes e outros que configuram o sistema de transporte público. Pensamos em seguida nos problemas caóticos como congestionamento nas marginais, superlotação, aumento das tarifas. Mas se puxarmos a fundo tudo o que o termo carrega, entramos em esferas muito mais profundas que explicam a origem de todo esse contexto. E aqui vai um spoiler: O motivo principal de termos esses problemas, e vários outros relacionados a outros direitos, derivam da mesma coisa, a história da luta de classes.Falar em transporte significa falar do tráfego de civis, da mobilidade urbana, essas coisas do nosso dia a dia enquanto cidadãos. Mas também diz respeito ao transporte de matéria prima e mercadorias no ponto de vista da produção, da própria economia. Antes de entendermos os problemas de mobilidade urbana e como o transporte público, sob o capitalismo e seu Estado burguês, é usado para opressão de classes e enriquecimento particular, veremos como se deu o processo de desenvolvimento urbano no Brasil.

O sistema de transporte é basicamente a corrente sanguínea da economia, que, assim como no corpo humano, tem a função de abastecer, coletar, enviar nutrientes, realizando logística fundamental para manter o organismo vivo. Esses nutrientes seriam as mercadorias, matéria-prima, commodities ou, considerando que a força de trabalho também tem seu valor de mercado, nós mesmos, trabalhadores e estudantes; transportados aos nossos locais de trabalho ou estudo e de volta para nossas casas. Esse organismo, que cresce e se desenvolve, se refere à própria humanidade. Nessa analogia, o modo de produção capitalista entra na figura do câncer, um amontoado frenético de células que cria seus canais para sugar todos esses nutrientes, crescendo desenfreadamente e destruindo tudo até aniquilar por completo o organismo em que se encontra. Diga-se de passagem que, pela metástase imperialista, esse câncer já empurra a humanidade ao estágio terminal há muito tempo.

Se voltarmos à época das colonizações, alguns séculos atrás, veremos que os passos mais largos de desenvolvimento foram dados justamente pelas civilizações que dominaram as rotas comerciais terrestres e marítimas. Ainda hoje, entende-se que uma boa interação entre os diferentes modais de transporte é um fator fundamental para o desenvolvimento econômico de determinado país, estado ou município.

Por exemplo:

O Brasil é um dos maiores produtores de milho do mundo. Para o milho de um produtor do interior de Goiás chegar à mesa de um trabalhador em Acapulco, no México, são necessários vários dos chamados “modais”. A colheita segue por transporte rodoviário até abastecer um contêiner ferroviário em Curitiba, que leva a produção ao porto de Santarém, no Pará, de onde seguirá a navio para o porto de Vera Cruz, no México, descarregando os contêineres na malha férrea mexicana, cruzando o país em direção a Acapulco, onde caminhões distribuirão aos mercados locais. Temos aí a interação entre o modal rodoviário, ferroviário e o marítimo. Há também o aeroviário (aviões, helicópteros), o hidroviário (ou fluvial, pelos rios) e o dutoviário (oleodutos e gasodutos, por exemplo).

Todo esse caminho precisa de uma infraestrutura. Caminhões precisam das estradas, trens precisam da malha férrea, os navios, dos portos. Calcula-se aí os custos dos combustíveis, da manutenção de maquinário, manutenção das vias, a oferta e a demanda de cada local. Tudo isso, bem como o comércio, faz parte do acúmulo científico que a humanidade alcançou até aqui. Até esse ponto da explicação, considerando a quantidade de recursos humanos, a fertilidade do solo, a enorme reserva de pré-sal e tantas outras formas de se obter energia limpa e renovável, é meio bizarro imaginar que enfrentemos algum problema de transporte e logística. Ironicamente, enfrentamos bastante.

Alguns dos problemas são a péssima qualidade de rodovias, federais ou estaduais, que colocam em risco a vida de caminhoneiros, de outros motoristas e passageiros em ônibus ou carros particulares; o descarte de safras inteiras de tomate, batata e outros alimentos que não chegam ao destino por “inviabilidade logística”, entre outros. Na maioria das vezes, isso não acontece porque faltam caminhões, estradas ou combustível. Isso acontece porque, no capitalismo, esse avanço, esse conhecimento acumulado, não está a serviço do desenvolvimento humano ou pelo menos de resolver os problemas como a fome ou a falta de acesso a escolas e hospitais.

Tudo isso está voltado para garantir enormes lucros aos grandes produtores, latifundiários, grandes empresas de transporte, concessionárias de rodovias, de aeroportos e outros magnatas, que configuram a classe dominante a que chamamos de burguesia. É possível afirmar que todo o processo de produção, que usa a força social do trabalho como força motriz, gera lucro de alguma forma pra iniciativa privada, a exemplo de toda malha férrea brasileira sendo administrada por concessões. Nesse prisma, se há risco aos lucros desses grandes proprietários, não pensam duas vezes antes de jogar no lixo toneladas de alimentos, mesmo sabendo que a fome ainda acomete nossos irmãos de classe no Brasil, em outros países e em outros continentes.

A realidade no capitalismo e o processo de urbanização brasileiro

Essa introdução sobre as rotas comerciais e os modais dão o pano de fundo para o foco desse texto, que é o sistema de transporte público. O ponto de convergência entre os dois assuntos é o que chamamos de processo de urbanização. Partiremos da urbanização após a invasão portuguesa, no século 16 (para aprofundar nesse assunto, recomendamos o documentário Entre Rios – A urbanização de São Paulo”.)

Uma das primeiras vilas da coroa portuguesa no interior do Brasil surgiu em 1554, por expedição da Companhia de Jesus ao Planalto de Piratininga. Lá se encontravam comunidades indígenas próximas ao rio Piratininga (hoje, Tamanduateí), de onde tiravam sustento da pesca e da agricultura. A construção das primeiras igrejas no local, sob o comando do Padre José de Anchieta, é o que se considera o marco de fundação da Vila de São Paulo de Piratininga, hoje município de São Paulo/SP.

Os privilégios da localização, por onde também passava o Rio Anhangabaú, deu condições para saltos no processo de urbanização de São Paulo. Aí foi construído o Porto Geral que, das margens do rio, dava acesso ao Mercado dos Caipiras, o ponto de encontro da economia que começava a se desenvolver. Como herança desse mercado, ainda hoje operam o Mercado Municipal de São Paulo e a Rua 25 de Março, por exemplo.

Olhando hoje, é evidente que a mobilidade urbana no local é completamente caótica. No início dissemos que todo esse processo foi permeado pelos embates na luta de classes. Veremos como se deu essa dinâmica.

Crescente o número de domicílios, comércios, igrejas e outras edificações, novas demandas sociais apareciam com o tempo. Nesse sentido, o Rio Tamanduateí, que abastecia a vila com água potável, terminou pequeno demais para prover, tudo de uma vez, as funções de alimentação, navegação, higiene e, com o tempo, de “aterro sanitário” local. Os problemas de ordem sanitária passaram a demandar urgentemente um sistema de saneamento básico.

Nasce então, em 1895, a “cidade da higiene”, projetada com dutos de água encanada. O hoje conhecido como bairro de Higienópolis e outros loteamentos do tipo marcaram um importante passo na urbanização do Brasil, mas não no sentido de resolver os problemas da humanidade… esses bairros eram exclusivos à elite, especialmente a cafeeira.

A luta de classes ficou tão visível que a água usada (em termos claros, o esgoto) desses bairros nobres, se acumulavam nas várzeas desses grandes rios, justamente onde mais tarde foram construídos os loteamentos populares para os trabalhadores das lavouras, em maioria imigrantes e negros recém libertos da escravidão, que, trabalhando para os barões das grandes lavouras, configuravam-se cada vez mais enquanto classe trabalhadora brasileira. O acúmulo de problemas para corrigir outros problemas, sempre privilegiando uma classe em detrimento de outra, explicará os problemas que passamos no transporte nos dias atuais.

Os grandes “rios de planície” que cortam São Paulo tinham a característica de “serpentear” sobre grandes áreas planas. Essas curvas tinham uma função fundamental na contenção do enorme volume de água em períodos de chuvas. Antes, as cheias se continham a determinada área, que as comunidades nativas conheciam e viviam em certa harmonia. No entanto, a urbanização no brasil precisava atender o que a elite exigia. Foi quando surgiu a urgência em produzir rodovias para absorver o mercado de carros aos que podiam comprar, e o principal entrave era justamente essa natureza irregular dos rios.

Em dado momento, houve uma disputa entre projetos urbanos para São Paulo de dois conhecidos engenheiros. Um deles defendia que a urgência era a criação cinturões de lagoas para conter a inconstância dos rios, possibilitando, além de segurança para navegação, estabilidade suficiente para, a partir daí, projetar um sistema de anéis rodoviários. O outro, apresentou um projeto de rodovias radiais-concêntricas, aos moldes de Paris e Viena, com soluções rápidas de canalização dos rios, o que soava muito melhor às multinacionais do setor automobilístico.

Imagem: instagram @geografiacompleta

O problema é que nessas cidades da Europa o sistema de rodovias veio depois de “domarem” seus rios em anéis hidroviários (tal qual o outro projeto propunha) e, também, do anel ferroviário, para suportar o grande fluxo de mercadorias e transporte coletivo. Essas são as etapas que precederiam a construção do anel rodoviário, sonegadas por um processo de urbanização corrompido pelo lucro das elites brasileiras, afinal, carros venderiam muito mais do que trens e barcos.

Começam as canalizações e aterramentos. O Rio Tamanduateí, bem como o Anhangabaú, Tietê e Pinheiros, um a um perderam suas curvas e, com isso, a capacidade de suportar grandes volumes de água. Por consequência, qualquer chuva em cidades que adotaram esse processo traz também as cheias, infinitamente mais fortes e destrutivas. O que hoje chamamos de “enchente”, “tragédias” e “calamidade pública” são, na verdade, consequências diretas do que o descaso e a ganância das classes dominantes são capazes de fazer.

Atualidade

Mesmo com notáveis problemas, a posição da burguesia foi forçar o desenvolvimento para a infraestrutura que suportasse um mercado de consumo automobilístico desenfreado. Assim foram os governos seguintes, destacando-se o de Juscelino Kubitschek e o regime militar brasileiro: o primeiro, abrindo o comércio às montadoras de multinacionais do setor automobilístico como a Fiat, e o segundo, conhecido pelas grandes obras (“faraônicas” e superfaturadas) de rodovias e viadutos como a ponte do rio Niterói.

A cada novo problema, a mesma solução: mais vias, mais carros, mais caminhões. Mesmo com uma configuração geográfica bastante favorável às hidrovias e ferrovias, que exigem muito menos manutenção do que as estradas, o modal rodoviário ainda é o principal. Um exemplo escancarado de que os interesses particulares estão acima de qualquer noção de desenvolvimento e sustentabilidade foi a rodovia Transamazônica. Um projeto que literalmente rasgou a Floresta Amazônica no meio para passar uma estrada que nunca foi usada em todo seu trecho.

Trecho da BR-230, Rodovia Transamazônica Foto: Domínio Público

Apesar das dificuldades geográficas de uma floresta densa como a Amazônica, de fato seria útil uma via que cortasse a região. A ironia é que a estrada, que em sua maior parte é nada mais do que lama, corre quase paralelamente ao rio Amazonas, outro rio navegável. Aqui o que prevalece, além dos interesses já citados, é a facilidade de infiltração dos latifundiários grileiros e madeireiros clandestinos para desmatar, incendiar e chacinar comunidades locais.

Mais riscos, mais mortes; mais queima supérflua de recursos e, consequentemente, mais lucro. Esse é o peso determinante na balança. Quanto mais rentável às montadoras e mantenedoras de rodovias, com quantidades massivas de dinheiro circulando em problemas facilmente superáveis, melhor.

Mas, de todo o território nacional, a forma como São Paulo aglomera todos esses problemas no mesmo quilômetro quadrado é talvez a mais didática. Uma estação de metrô com fluxo de milhões de pessoas por dia divide espaço com terríveis congestionamentos, ônibus igualmente lotados, a logística rodoviária dos comércios locais, um grau absurdo de poluição, stress, ansiedade, violência e acidentes, muitas vezes, sob chuva e alagamentos. É nesse cenário de completo descaso que qualquer trabalhador junta suas moedas com todo ódio de classe na hora de pagar pelo serviço. E por que pagamos?

O direito ao transporte, a Constituição Federal e a Dívida Pública.

Embora o transporte esteja elencado no nosso ordenamento jurídico como “direito de todos e dever do Estado”, assim como Educação e Saúde, o que vemos no Estado burguês é uma desnaturação desse conceitos. O “público” pra burguesia significa dar inúmeros mecanismos para a iniciativa privada de investir na prestação desses serviços, receber dinheiro público diretamente do Orçamento da União e, ainda por cima, poder cobrar tarifas como outra empresa qualquer. Tal como as Organizações Sociais (OS’s) de Saúde e empresas de capital estrangeiro conseguem gerir orçamento destinados ao SUS, bem como os programas de financiamento estudantil enchem o bolso de bancos e grupos educacionais com dinheiro da pasta da Educação, a exemplo do Santander e o Grupo Kroton, o direito ao transporte é uma oportunidade de empreendimento para empresas do ramo que disputam entre si as concessões através dos chamados processos de licitação, muitas vezes fraudados por empresas laranjas do mesmo grupo empresarial. Um verdadeiro festival regado a dinheiro público.

E aqui nem é preciso gastar muitas linhas com o fator corrupção, o carro chefe de governos e lobistas que enriquecem horrores nesses processos, sendo o PSDB a excelência no assunto em São Paulo. As próprias leis que permitem a essas empresas lucrarem com esses serviços são igualmente ou até mais prejudiciais à população.

Em tese, a cobrança de tarifa, que é prevista no mesmo corpo legal que ironicamente coloca o transporte como serviço público, serve para garantir a rentabilidade do serviço em termos de manutenção, melhorias etc. Porém, é uma grande ilusão achar que existe o interesse em prestar um serviço público acima do interesse do lucro, ainda mais quando a empresa “vencedora” da licitação tem o monopólio da prestação do serviço.

Logo em seguida surge o argumento de que a completa privatização cuidaria do problema, pois abaixaria os preços pela livre concorrência. Esse entendimento é profundamente descolado da realidade. O que se observa é apenas um completo parasitismo desenfreado desses grandes conglomerados particulares em relação ao dinheiro público. E, pra estes parasitas, o Estado (burguês) não é exatamente um antagonista, um entrave aos lucros como dizem, mas uma ferramenta ainda útil em sua função de sugar recursos públicos, coletar impostos e impor violência física pela Polícia Militar, Exército e Judiciário, enquanto garante os interesses da burguesia como verdadeiro balcão de negócios que é. Tudo isso acontecendo sob as bênçãos de nossa hipócrita democracia burguesa, que nos permite apertar um botão a cada quatro anos para escolher os próximos serviçais da burguesia.

Ainda assim, em períodos de crise como a que enfrentamos, os lucros dessas empresas ficam também ameaçados. O aumento das tarifas já foi a fagulha para vários protestos massivos, a exemplo das manifestações de 2013, quando o Brasil já sentia a escalada de cortes de direitos, submissão aos interesses do capitalismo mundial e consequente precarização de vários setores públicos. Nesse contexto, o que hoje chamamos de “uberização das relações de trabalho”, que mudou qualitativamente a natureza dos empregos para mera “prestação de serviço” sem o respaldo das leis trabalhistas, foi marcado justamente com o surgimento de um aplicativo de transporte, o Uber.

Os criadores do Uber, sacando a grande oportunidade de lucrar frente à fragilidade e à crescente insatisfação das pessoas em relação aos serviços públicos, propuseram uma alternativa com a promessa da versatilidade e da praticidade, vendendo a ideia de que resolveriam não só o problema da superlotação, mas também o dos preços salgados dos ônibus, metrôs e táxis. Uma solução perfeita aos capitalistas e investidores, pois, além de garantir seus lucros com exploração irrestrita força de trabalho, afasta o assunto “transporte” da seara pública e empurra ao universo das relações individuais. Na prática, uma tentativa de estrangular a luta pelo transporte público e o critério de classe que ela contém. De quebra, não resolveu nenhum problema de mobilidade urbana e ainda os agravou.

Essas “soluções tecnológicas” surgem principalmente como reinvenções das formas de exploração do trabalho alheio e enriquecimento da burguesia. Ainda hoje há embates jurídicos para caracterizar o motorista como empregado e não como prestador de serviços. No campo das leis, essa segunda opção significa o motorista entregue à própria sorte, enriquecendo o aplicativo sem os direitos trabalhistas e previdenciários como aposentadoria por acidente de trabalho, invalidez, indenizações trabalhistas, aposentadoria, 13º salário, férias e outros. Sequer existe salário. Existe “comissões por corrida”. No entanto, essa descaracterização artificial das leis não conseguem suprimir a solidariedade de classe, fazendo com que os trabalhadores de aplicativos se mobilizem e estejam inclusive falando em greve de categoria. Um claro exemplo de que as ofensivas da burguesia não são capazes de evitar a organização da classe trabalhadora enquanto classe.

Além de todos esses pontos, a “solução” de mobilidade que oferecem é retirar uma pessoa do transporte público para enfiá-la em mais um carro parado durante quatro horas na Marginal Pinheiros. Ou seja, colide frontalmente com os interesses da classe trabalhadora em qualquer aspecto, seja na figura do motorista, do passageiro, ou do pedestre que espera seu ônibus sair do trecho engarrafado para ir ou voltar do trabalho. Dessa forma, não é difícil encontrar trabalhadores que passam mais tempo no trajeto trabalho-casa do que na própria casa, com sua família.

A proposta do desenvolvimento no sistema capitalista não é para resolver problemas da humanidade, mas para resolver problemas de baixa taxa de lucros, ainda que isso traga mais problemas sociais. Medidas como o Bilhete Único em São Paulo, por exemplo, sob a desculpa de tornar dinâmico o sistema de crédito e recarga, só encontraram rentabilidade com o uso de startups, que aproveitam desse dinheiro para rolar juros e especular no mercado financeiro como verdadeiros agiotas que são. No mesmo sentido está o ProUni, o Fies, ou seja, qualquer passo de “progresso” precisa verificar se, antes e principalmente, garantirá o lucro para algum representante da iniciativa privada. Se der, prestar um serviço minimamente funcional apenas para garantir a logística da “matéria-prima humana” de sua casa ao seu local de exploração.

E não é um idealismo de livre concorrência que resolve o problema, até porque a necessidade empurra os mesmos motoristas a terem dois ou três aplicativos similares instalados, como o 99 Taxi, por exemplo. Rappi, iFood e Uber Eats. Tim, Vivo ou Claro. A liberdade aqui é sobre qual empresa vamos enriquecer nos cobrando por direitos que deveriam ser públicos e gratuitos para todos.

Falar que a tarifa mantém os serviços funcionando, cujas prestadoras já recebem montantes gigantescos de dinheiro público e os transfere para o patrimônio particular de seus sócios e dos políticos cujas campanhas financiaram, é uma mentira deslavada. Já somos cobrados em nossos consumos diários pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS. Uma de suas finalidades desse imposto é justamente o transporte. Essa e outras fontes de receita são arrecadadas em um grande orçamento da União, a mina de ouro do Estado burguês. Na letra morta da lei, o orçamento deve ser destinado à prestação de direitos básicos, como educação, segurança, habitação, cultura, lazer etc. E aqui está o maior tumor daquele câncer que mencionei lá em cima: A Dívida Pública.

Se pegarmos o gráfico da Auditoria Cidadã de 2019, vemos que uma parcela enorme desse orçamento, às vezes próximo de 50%, que é arrecadado pelo trabalho da classe trabalhadora, é desviado na cara dura para acionistas do setor financeiro, bancos particulares e agências de crédito que sobrevivem de especulação e não produzem nada pra sociedade. Aqui não estamos falando de milhões, ou bilhões. Estamos na casa dos trilhões. Essa é a forma como o capitalismo subjuga a classe trabalhadora através de seu Estado burguês. Então é de certa forma contraditório afirmar aquele senso comum de que o Estado é um entrave aos capitalistas.

O problema da dívida pública não é novidade de nossos tempos nem mesmo exclusividade do Brasil. Mesmo as nações imperialistas têm sua dívida pública, pois também se organizam num corpo de leis que existe para nutrir esse setor, que nos EUA se concentram em Wall Street. No entanto, o imperialismo norte-americano despeja seus dutos parasitários a todos os países do mundo, que quando não é por presença militar escancarada, é por coações e bloqueios comerciais para forçar a adoção aos planos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM).

O Brasil, por muito tempo, tinha uma dívida externa por decorrência desses planos adotados durante o regime militar e no período posterior, da “redemocratização”. Nos governos seguintes, por uma série de medidas tomadas por esses governos, chegamos ao quadro da Dívida Pública interna que temos hoje. Em linhas gerais, hoje, o orçamento do Brasil é, em maioria, voltado a uma parte da burguesia representada pelo setor financeiro, igualmente parasitária aos interesses sociais. Pagamos tarifas de um sistema de transporte público historicamente voltado aos interesses da classe dominante, que sempre nos jogou nas senzalas, nos esgotos das várzeas, nas favelas e periferias, mais uma vez para enriquecer os grandes representantes da burguesia.

A balança dos momentos de crise do capitalismo colocam um peso bastante perverso nas costas da classe trabalhadora. Os problemas já bem conhecidos se intensificam e a dificuldade de manter as aparências fica impossível. E justamente num momento assim surge a pandemia do coronavírus. Imagine ter que se preocupar com distanciamento mínimo de 1,5m em plena estação Luz, na capital paulista,  em horário de pico. Como as autoridades e as empresas lidam com um problema que nunca conseguiram, e nem mesmo quiseram resolver? A realidade escancara que esse sistema, se um dia “deu certo”, foi apenas no sentido de garantir um verdadeiro massacre de uma classe por outra enquanto empilham suas fortunas.

Foto: Mílton Jung, Flickr

E não à toa, o presidente Jair Bolsonaro segue em suas reuniões na FIESP com representantes dessas empresas discutindo como garantir esse sistema de lucros, enquanto o país ultrapassa a marca de 27.878 mortos por coronavírus, e 465.166 casos de contágio (dados de 30/5). Atualização de 28/06: 57.103 mortos e 1.315.941 casos confirmados.

Enquanto governadores como Doria e Witzel fazem uma oposição de fachada com Bolsonaro, alegando estarem preocupados com as vidas, hipocritamente falam em reabertura do comércio tal como o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés. Na prática, todos estão completamente à disposição dos interesses da burguesia. O resultado prático é o mesmo. Em plena curva de ascensão, políticos “moderados”, de esquerda ou declaradamente apoiadores do governo decidem pela reabertura, aumentando a exposição dos trabalhadores. Esta fotografia foi tirada em 08 de junho, no Rio de Janeiro. Nela podemos ver toda a hipocrisia desses representantes em relação às preocupações com a saúde da classe trabalhadora e o distanciamento social.

Os interesses da burguesia não nos interessam

A saída que apresentamos é um sistema econômico realmente voltado aos interesses públicos, uma economia planificada, projetada racionalmente para melhor aproveitamento de recursos no sentido de resolver todos os problemas da humanidade, garantindo o livre desenvolvimento sem os entraves que a burguesia e seus representantes nos impõem. Um sistema que esteja sob controle daqueles que fazem a sociedade funcionar, a classe trabalhadora, organizada em conselhos e assembleias que votem as diretrizes da prestação daquele serviço e elejam seus representantes, com plenos poderes para destituí-los a qualquer momento, se entenderem necessário. Não apenas no âmbito do transporte, em toda a sociedade, rompendo qualquer possibilidade de enriquecimento particular com a prestação do serviço às custas da força social do trabalho.

Não existem fórmulas prontas para isso, mas não há outra perspectiva apontada para nós, jovens estudantes e trabalhadores. As opções da burguesia não nos interessam. Esse futuro não acontece com acordos ou por gentileza da classe dominante, é um processo de rompimento e inversão das relações de poder, o que historicamente chamamos de revolução. E somos nós, a classe trabalhadora, que carregamos a chave para essa inversão devido ao papel que jogamos hoje na sociedade de classes.

Essa é a proposta da Liberdade e Luta, ser um elemento que contribua para esse processo e ajudar a juventude da classe trabalhadora a enterrar esse sistema político e esse modo de produção de uma vez por todas.

  • Fim do Pagamento da Dívida Pública!
  • Estatização de todo o sistema de transporte sob controle operário!
  • Transporte Público, Gratuito e Para Todos!

DURANTE O ENCONTRO FOI LANÇADO UM MANIFESTO DE ORGANIZAÇÃO DA JUVENTUDE, PARA ABRIR O DEBATE SOBRE A PRECARIEDADE DOS NOSSOS SERVIÇOS PÚBLICOS E COMO MUDAR ISSO LEIA AQUI E ASSINE AQUI.