O movimento contra o túnel da Sena Madureira precisa se somar à luta pela estatização dos transportes e pelo fim das tarifas. Os atos e o abaixo-assinado dos ativistas do movimento que se organizou pelo “Não ao túnel da Sena Madureira” surgem de uma demanda concreta. Demanda esta por cidades acessíveis para todos, com mais espaços verdes, mais habitação e áreas de lazer que favoreçam uma vida harmônica com a fauna e a flora.
Esses objetivos elencados acima servem para o propósito de reflexão sobre como devemos usar o solo de uma cidade que está excessivamente asfaltada e cimentada. Asfaltos e cimentos que servem apenas para garantir o lucro de um punhado de donos das empreiteiras contratadas para as obras (falamos sobre isso no texto anterior que escrevemos sobre esse túnel criminoso). As empreiteiras contratadas pela prefeitura, para faturarem muito dinheiro dos impostos pagos pelos trabalhadores, constroem sem nenhum planejamento urbano, passando por cima de qualquer métrica e parâmetro científico.
O túnel que está sendo feito é, como toda obra da prefeitura, um projeto que enterra o futuro de milhões de pessoas, pois essas obras seguem apenas a lógica da valorização dos lucros. A prefeitura decide as construções e prioriza obras que não servem para a grande massa de trabalhadores—trabalhadores que não podem arcar com uma moradia caríssima no entorno do bairro onde a obra ambientalmente criminosa acontece: a Vila Mariana.
Vejamos, por exemplo, a construção do túnel da Sena Madureira. Essa obra promete causar a expulsão da ocupação Sousa Ramos, onde vivem dezenas de famílias de trabalhadores já estabelecidas na região há 70 anos. Essas famílias protegem, até hoje, a nascente do córrego Embuaçu, que jorrava água todos os dias até o córrego do Ipiranga (o mesmo do Grito). Agora, com a obra deste túnel, a nascente começou a ser concretada pelas empresas contratadas pelo prefeito.
Além de concretar nascentes, essa obra, baseada em projetos que datam da ditadura militar nos anos 1970, também prevê o corte de 172 árvores centenárias, cujas copas cobrem mais de 50 metros de diâmetro. Uma expressiva parte dessas árvores já foi derrubada no início das obras.
Já sabemos, então, por que as enchentes em São Paulo só aumentam de um ano para outro: com nascentes concretadas e árvores sendo cortadas, há uma grande redução da vazão das águas das chuvas.
Outro impacto da obra, registrado por biólogos ligados ao movimento contra o túnel, é a morte da fauna, com vários pássaros mortos em plena primavera — época de acasalamento das aves.
Esses e muitos outros crimes ambientais estão sendo constantemente denunciados e registrados em vídeos no Instagram do movimento.
Os objetivos dessa obra
É simples entender os impactos deste túnel se pensarmos no efeito total que ocorre quando o meio ambiente é afetado pelo lucro de uma obra como essa. Uma cidade com menos aves é uma cidade com mais ratos e insetos—insetos que podem transmitir vírus como o da dengue, entre outros. É também uma cidade que precisará de mais dedetização, pois as aves seriam a maneira natural de reduzir a população desses insetos. Dessa forma, o prefeito consegue garantir os lucros de empresas como a empresa do próprio Ricardo Nunes (MDB), a Nikkey Controle de Pragas (recomendamos assistir ao documentário sobre como o prefeito ficou milionário).
Uma cidade que expulsa trabalhadores das ocupações também se torna uma cidade com menos moradia barata próxima dos metrôs e do centro. Isso leva à necessidade de um maior uso de combustível fóssil, pois milhões de pessoas precisarão se deslocar por longas distâncias entre casa e trabalho.
Se tivermos um túnel que transfere o trânsito de uma rua para outras ruas menores, como essa obra faz, haverá menos espaço para moradia das pessoas que não se deslocam de carro. Vemos, então, que todos os objetivos dessa obra seguem a mesma lógica de um sistema que existe apenas para maximizar os lucros dos capitalistas—sejam eles investidores da indústria automobilística, da construção civil, do petróleo ou da dedetização. Todos esses investidores ganharão maiores dividendos e lucros.
Enquanto isso, o trabalhador precisará comprar um automóvel, abastecê-lo, pagar seguro e manutenção, com o “benefício” de passar horas dirigindo para chegar ao trabalho e, depois, mais uma ou duas horas para voltar para casa, já que não terá condições de bancar um imóvel mais próximo.
Se todo trabalhador que se desloca pela Sena Madureira pudesse ter um apartamento no entorno dessa obra, essa ideia falida desse túnel inútil nem sequer existiria.
A mobilidade urbana
Se pensarmos em outra solução para o problema da mobilidade, diferente de produzir moradia de qualidade e barata para que os trabalhadores estejam mais perto do Centro, podemos considerar uma política de mobilidade mais eficiente, cujo objetivo seja melhorar a vazão do número de pessoas que se deslocam pela cidade.
Por isso, seria muito melhor construir um corredor de ônibus na rua para substituir a necessidade do uso de carros naquele trajeto—e não apenas na Rua Sena Madureira, mas em todo o percurso mostrado no vídeo de resposta do prefeito Ricardo Nunes. Esse vídeo foi gravado após a decisão da Justiça de mandar paralisar as obras no dia 13 de novembro de 2024.
O prefeito mostra que esse corredor de túneis, ruas e avenidas parte do Morumbi, na zona oeste, passa por debaixo do rio Pinheiros, continua pela Juscelino Kubitschek, atravessa o túnel Tribunal de Justiça, segue por mais um túnel sob o Parque do Ibirapuera e chega até a Rua Sena Madureira, que, após um semáforo na Rua Domingos de Morais e outro mais à frente, desemboca na Avenida Ricardo Jafet.
Todo esse trajeto, do Morumbi à Ricardo Jafet, poderia ser feito sem sacrificar uma ou duas das inúmeras faixas de carros, utilizando um BRT, um corredor de ônibus, uma linha de metrô, de monotrilho ou qualquer outra forma de locomoção muito mais eficiente, barata e menos poluente do que cada trabalhador dirigir seu próprio carro do leste da zona sul até o Morumbi, e vice-versa.
Além disso, essa solução oneraria muito menos o bolso da classe trabalhadora, pois, quando se soma o custo de cada pessoa ter seu próprio carro (lembrando que, graças ao rodízio de automóveis, muitas famílias possuem dois veículos), fica evidente que uma solução coletiva é muito mais eficiente do que uma alternativa individualizada.
A construção de um corredor de ônibus nesse trajeto, que já teve uma linha de bondes elétricos passando pela Sena Madureira, fomentaria o interesse dos motoristas em usar o corredor em vez de dirigir e ficar parados no trânsito, o que diminuiria muito o número de carros e, por consequência, reduziria a poluição. Além disso, liberaria os motoristas do fardo de dirigir no trânsito deveras caótico e violento da cidade. Assim, o trabalhador teria mais tempo livre dentro dos ônibus, em vez de gastar esse tempo dirigindo.
Mas quando esse trabalhador pensa na situação dos passageiros dos ônibus da cidade, ele logo percebe que, na condição atual, o prefeito paga, por passageiro, o subsídio da prefeitura para as empresas de ônibus—empresas privadas que trabalham apenas na ânsia de maximizar os lucros. O trabalhador logo percebe que vai ter que enfrentar um transporte muito lotado, ou seja, tão desconfortável quanto dirigir na cidade. Ele também se deparará com ônibus antigos, que são muito barulhentos e quentes, e que passam por ruas completamente esburacadas, com pouca gente sentada e de forma apertada, enquanto a maioria viaja em pé, já que as poucas cadeiras são pequenas.
Dessa forma, todo o custo altíssimo de manter um carro, que possui muito mais conforto do que essas latas velhas que o prefeito chama de ônibus, acaba fazendo parecer mais atraente dirigir na selva de pedra. Foi assim que, em 2024, a cidade de São Paulo teve um emplacamento recorde de novos carros, com 1,14 milhão de unidades. No mesmo ano, o prefeito Ricardo Nunes estendeu a idade máxima dos ônibus das empresas para 13 anos. Ambos os fatos deixaram muito felizes tanto o prefeito quanto a classe dos seus aliados.
A paralisação da obra criminosa
O movimento pelo fim do túnel teve um papel ativo em denunciar todos os erros da obra, desde o projeto até a continuação da construção, servindo como voz para todos que estavam denunciando e mobilizando moradores do entorno para a luta contra a prefeitura. Essa pressão social fez com que o Estado tivesse que retroceder por meio do Ministério Público, devido ao barulho que as mobilizações causaram e ressoavam nas redes sociais. Com essa desaprovação total que a obra recebeu, o MP não pôde continuar de olhos fechados para o desrespeito a todas as leis ambientais possíveis de serem quebradas, tanto pela prefeitura quanto pelas empresas envolvidas na obra, e, por fim, teve que pedir judicialmente a paralisação das obras. Foi uma ação meramente cosmética, que não teve efeito total desde o primeiro dia.
Após a determinação de paralisação das obras, a empresa contratada não parou a obra e continuou operando normalmente. Novamente, os membros do coletivo que se organizou para mobilizar os moradores atuaram. Algumas vezes de forma vanguardista, se agarravam às árvores, arriscando-se e com pouco resultado concreto. Mas, enquanto isso, as contínuas mobilizações cresciam e paravam a rua Sena Madureira e os arredores, devido ao absurdo de a obra ter sido declarada ilegal e, mesmo assim, continuar acontecendo. Essas manifestações obstruíram totalmente os carros por um longo tempo, atingindo onde mais afeta os empresários: nos seus bolsos.
Ao determinar a paralisação da obra e reiterar essa decisão mais de uma vez, a Justiça cria a ilusão de que, se seguirmos os processos burocráticos das instituições do Estado, tudo será resolvido. Outra ilusão é a de que, se tivermos alguns vereadores contra o túnel, ele será barrado. Como já foi explicado no texto, o problema não está apenas nesse túnel, mas na lógica da administração da cidade, que a insere em uma sociedade capitalista — uma lógica que direciona a construção e a reforma da cidade para o resultado de uma cidade feita para a passagem de mais carros, e não para a solução do problema da mobilidade urbana, da degradação do meio ambiente e de muitos outros fatores que afetam diretamente o futuro e o dia a dia de quem trabalha.
Vemos que os integrantes do movimento pela Sena Madureira continuam se organizando. A página no Instagram está sempre sendo atualizada com informações sobre essa obra repleta de irregularidades. Nestes vídeos, observamos vereadores denunciando que a empresa descumpre as leis, com a anuência da prefeitura, pois descumpre decisões judiciais com a continuação das obras. Mas o prefeito não vai retroceder — ele já avisou em vídeo nas redes sociais — e, por isso, também não podemos recuar. Pelo contrário, devemos expandir esse movimento, ampliando sua presença nas ruas da cidade, em todos os bairros, e lutando por uma nova sociedade em que a reforma urbana seja feita por completo, pondo fim ao mercado da vida que é o trânsito paulistano — um trânsito com muitas vítimas, que sufoca em fumaça e estresse, extinguindo qualquer esperança de um dia termos uma cidade para desfrutar, em vez de apenas transitarmos por ela, de túnel em túnel.
Objetivos e formas de atingi-los
O #ForaNunes é uma necessidade urgente. Não adianta permanecer preso às instituições falidas do Estado burguês ou denunciar apenas o subprefeito indicado por Nunes para a subprefeitura da Vila Mariana, como fazem hoje os vereadores que se opõem ao fim do túnel, alegando que não aceitam um indicado do Movimento Brasil Livre (MBL). A substituição do ex-assessor de Kim Kataguiri não trará mudanças significativas, pois o novo nome terá exatamente o mesmo objetivo: atender às expectativas de Ricardo Nunes, que são sempre diametralmente opostas às necessidades dos trabalhadores. O plano de Nunes e dos empresários de ônibus é simples: receber mais subsídios enquanto reduzem a frota, sobrecarregam os veículos e prolongam a vida útil de ônibus cada vez mais velhos.
Para combater essa lógica, é necessário um movimento amplo e coeso em defesa de uma reforma urbana que priorize um novo modelo social, contemplando todas as demandas por transporte público, incluindo a gratuidade diária sem catracas. A luta deve incluir a criação de corredores de ônibus em todas as avenidas e o incentivo a formas de locomoção alternativas ao carro, tornando-as mais eficientes. Precisamos de calçadas padronizadas e niveladas, sem buracos e imperfeições, o que só seria possível por meio da estatização das calçadas, como já ocorre em diversas cidades ao redor do mundo.
A atual política de transporte, que transfere o custo integral para os trabalhadores, resulta em um sistema altamente ineficiente. O mesmo ocorre com as calçadas: cada proprietário é responsável pela sua, gerando uma cidade fragmentada e, em muitos bairros, praticamente intransitável para pedestres. Assim como o transporte seria muito mais eficiente com a ampliação de linhas de metrô e ônibus em detrimento dos carros, o mesmo princípio deve ser aplicado à infraestrutura das calçadas.
Outra necessidade urgente é a implementação de novos modais, como os Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), que são uma alternativa viável para substituir os carros em trajetos curtos. Além disso, a integração entre transporte público e bicicletas precisa ser efetiva, pois, atualmente, apenas um modelo limitado de ônibus articulado permite o transporte de bicicletas, e isso em horários extremamente restritos.
Todas essas lutas devem ser unificadas, pois dizem respeito diretamente aos trabalhadores e às suas necessidades negligenciadas pelo Estado capitalista.
Por isso, além da necessidade de derrubar Nunes, é fundamental derrubar todo esse sistema. Com ou sem Nunes, não será possível mobilizar as forças produtivas — indústria, Estado e serviços — para construir uma grande reforma urbana em São Paulo que atenda aos interesses de toda a classe trabalhadora e vá contra os interesses dos capitalistas.
A crise urbana que atravessamos é o reflexo da organização social sob o regime capitalista. A cidade, sob a propriedade privada e em um país dominado pelo capital financeiro internacional, nunca se completa. Os serviços públicos são sempre deficitários. As intervenções do Estado não configuram um planejamento urbano integral, mas sim fragmentado, sempre voltado para os interesses do grande capital, enquanto os trabalhadores são atendidos por último ou nem sequer atendidos. E as medidas são tomadas de forma autoritária, sem diálogo ou consulta com a população.
Nossa luta deve se somar à campanha da juventude trabalhadora contra a jornada 6×1, à campanha dos negros contra a violência policial e o racismo, à campanha contra o aumento da tarifa de transporte, à campanha contra a privatização dos transportes sobre trilhos, à campanha pela reestatização da energia elétrica, à campanha pelo direito à moradia, e a muitas outras que existem e que se somarão.
Precisamos inverter a lógica em que as pessoas servem à produção de mercadorias, e não a produção voltada para satisfazer as necessidades humanas. Defendemos uma cidade para todos os seus habitantes, e sua condição democrática, inclusiva e sustentável pode ser construída à medida que avança a organização popular, unificando nossas lutas e reivindicações em um amplo movimento anticapitalista.
Os protestos devem se intensificar e se unificar.
- Não ao túnel Sena Madureira!
- Reforma Urbana Já!
- Tarifa Zero!
- Sem Catracas!
- Fora Nunes!