Na manhã do dia 25 de julho, o deputado nasserita Mohamed Brahmi foi assassinado na porta de sua casa em Tunis. Uma greve geral foi convocada pela UGTT e um chamado pela desobediência civil foi feito pela Frente Popular para derrubar o governo e dissolver a Assembleia Constituinte.
O assassinato de Brahmi, um dos líderes do Movimento Nasserita do Povo, teve o mesmo modus operandi que foi verificado no assassinato de Chokri Belaïd no dia seis de fevereiro. Dois homens em uma moto esperaram do lado de fora de sua casa e dispararam 14 balas no corpo do membro da Assembleia Constituinte. Não há dúvida de que este é um assassinato por motivos políticos. Familiares e companheiros de Brahmi têm apontado o dedo para o partido islâmico Ennahda, atualmente no poder, como sendo culpado por seu assassinato. Esta foi a mesma acusação feita no momento do assassinato de Belaïd, cujos assassinos ainda não foram levados à justiça. O assassinato foi precedido por declarações de líderes do Ennahda de que eles iriam lutar para defender sua própria “legitimidade” até a última gota de seu sangue. Depois da queda de Morsi, esta é uma clara incitação à violência .
Manifestações massivas e raivosas surgiram rapidamente em todo o país. No início centenas e depois milhares, jovens principalmente, irritadíssimos, reunidos na Avenida Bourghiba , o local das enormes manifestações que derrubaram Ben Ali em 2011. Eles foram recebidos com gás lacrimogêneo e brutal repressão por parte da polícia. Isso não impediu os manifestantes de permanecerem nas ruas até as primeiras horas desta sexta-feira e de marchar para a Assembléia Nacional Constituinte gritando “degage” – que significa “fora” – o slogan da revolução tunisina.
Também houve manifestações e confrontos com a polícia em Bizerte, Gafsa (onde o Exército abriu fogo com munição real), Redeyef, Siliana, Sfax, Djerba, Beja, Kasserine e muitas outras cidades e vilas. Em Sidi Bouzid, o local de nascimento de Brahmi, onde a revolução começou em dezembro de 2010, as massas incendiaram escritórios do Ennahda e atearam fogo na sede do governo regional. Há relatos de que as autoridades foram substituídas por um “comitê de cidadãos.”
Jovens participantes nos protestos na capital Tunis anunciaram que grupos de jovens revolucionários de Gafsa, Sidi Bouzid e Sfax já estavam se movendo em direção à capital. “Nós não vamos embora até que Ghannouchi vá embora para nunca mais voltar”, disse um dos líderes dos jovens ativistas, Mohamed Maaroufi, referindo-se ao líder do partido Ennahda . O clima que está se desenvolvendo é claramente insurrecional. Os recentes acontecimentos revolucionários no Egito, que levaram à derrubada de Morsi, capturaram a imaginação das massas tunisianas, que enfrentam condições semelhantes. Um movimento “tamarrod” (rebelião) da Tunísia foi criado e alega ter atraído 850 mil assinaturas em apenas alguns dias para uma petição exigindo a derrubada do governo e da Assembleia Nacional.
As raízes desta situação encontram-se na acumulação de raiva diante do fato de que nenhuma das exigências da revolução (“pão, emprego, justiça”) foram atendidas e, na realidade, a situação até piorou. O desemprego entre os jovens aumentou, houve uma deterioração geral da situação econômica com o aumento da inflação. Não houve justiça para os mártires da revolução e a Assembleia Constituinte ainda não entregou uma Constituição, depois de quase dois anos, apesar de que originalmente deveria elaborar uma constituição no prazo de um ano.
O governo da troika, uma aliança do Ennahda islâmico com a burguesia liberal do CPR e do Ettakol “social-democrata”, foram completamente incapazes de resolver a profunda crise da economia e tornou-se um governo paralisado.
É esse descontentamento que veio à tona em uma série de intervalos regulares nos últimos 2 anos, na forma de uma onda de greves gerais e revoltas regionais entre novembro e dezembro. Estas não foram mobilizações comuns. Em muitos casos, elas adquiriram proporções insurrecionais, com os trabalhadores e jovens bloqueando as estradas principais e, basicamente, tomando o poder por determinado tempo em diferentes regiões. Para além das demandas sociais e econômicas, as massas estavam enfurecidas com as provocações constantes de gangues fascistas islâmicas contra a esquerda e o movimento dos trabalhadores, incluindo um ataque contra a sede da UGTT. Estes ataques foram realizados pelas chamados “Ligas para a Proteção da Revolução”, ligada ao partido Ennahda no poder.
No final, este movimento forçou a UGTT a convocar uma greve geral nacional. Mas os líderes nacionais da UGTT temiam que a greve nacional colocasse a questão de “quem governava o país?”. Esses líderes chegaram a um acordo com o governo e cancelaram a greve geral no último minuto. O acordo deveria incluir uma investigação completa sobre as atividades das gangues LPR. Mas isso nunca aconteceu.
Em seguida, o assassinato de Chokri Belaïd, o líder do Movimento Unificado dos Patriotas Democráticos, em 6 de fevereiro, provocou uma nova explosão revolucionária. A greve geral foi declarada e houve manifestações e confrontos com a polícia em todos os lugares. No dia do seu funeral, uma multidão de mais de 1 milhão de pessoas homenagearam o líder da ala esquerda e gritaram palavras de ordem contra a troika e particularmente contra o partido islamista Ennahda. Em algumas cidades as massas entraram em ação direta pelo desmantelamento das gangues LPR e queimando escritórios do Ennahda. O clima era claramente insurrecional.
No entanto, mais uma vez, ninguém deu a este movimento uma perspectiva clara. Os líderes da Frente Popular falaram sobre a necessidade de remover o governo troika, mas nenhuma indicação clara foi dada a respeito de como isso seria alcançado. As massas, sem liderança clara e perspectivas concretas, voltam para casa na medida em que o movimento cessa. Naquela época, a chamada deveria ter sido para a continuação da greve geral em todo o país e a formação de comitês revolucionários em todos os níveis tomando o poder do governo. Tais comitês deveriam ter sido reunidos em uma assembleia nacional revolucionária para tomar o poder.
Por causa da falta de liderança, a troika, que entrou em crise como resultado do movimento, conseguiu manter-se no poder . Ela foi em frente e formou um novo governo, basicamente o mesmo que o anterior. Nada mudou.
Agora, os líderes da UGTT foram obrigados a convocar uma greve geral para hoje, sexta-feira, dia 26. O problema, porém, é que os principais líderes da UGTT não têm nenhuma perspectiva para tomar o poder e para a formação de um governo revolucionário dos trabalhadores. Eles colocaram-se à frente da greve geral, o que teria acontecido de qualquer maneira, de forma a minimizar o seu impacto e manter as massas sob controle. Esta manhã, como as massas estavam se reunindo em frente à sede da UGTT, o secretário-geral Abbasi saiu para falar a elas. Enquanto ele condenou o assassinato de Brahmi, ele não conseguiu dar qualquer orientação clara para as massas, nem mesmo nomear o lugar e data para uma demonstração. Um ativista presente na cena comentou que “as massas podiam sentir a traição”.
A Frente Popular emitiu um comunicado noqual foi mais longe do que ela fez em fevereiro ao apontar um caminho para o movimento. Além de chamar uma greve geral para hoje e amanhã (no dia do funeral de Brahmi), o chamado convoca para a desobediência civil em massa “para impor a dissolução da Assembleia Nacional Constituinte”. Ela ainda pede ocupações das sedes de todas as autoridades municipais, regionais e nacionais. Isso é correto e deve definir a base para a substituição das instituições do Estado capitalista – que são basicamente o mesmo que as instituições do regime de Ben Ali – por organismos revolucionários em todos os níveis.
Uma greve geral de dois dias também é um slogan correto, mas deixa em aberto a questão sobre o que vai acontecer a partir de domingo, se o governo não cair. O que deve ser levantado agora é uma greve geral por tempo indeterminado, para orientar e fortalecer as ocupações, a fim de derrubar o regime.
Deve-se acrescentar que, nas atuais circunstâncias, os comitês revolucionários devem organizar a autodefesa armada e desmantelar as gangues fascistas do LPR, bem como fazer um apelo às fileiras do Exército, os soldados comuns, para também formar comitês revolucionários e articular-se com os trabalhadores revolucionários e jovens.
No entanto, qual é a alternativa oferecida pelos dirigentes da Frente Popular? Pelo que eles pedem as massas para lutar? Aqui é onde os problemas começam. Para citar sua declaração chamam para:
“A formação da Comissão Nacional Suprema para a Salvação Nacional por representantes de partidos políticos e componentes da sociedade civil que vai, com a ajuda de especialistas em Direito Constitucional, completar a elaboração da Constituição”
bem como:
“A formação de um governo de salvação nacional” … “dirigido por uma figura independente”, que pode “tomar medidas de emergência na economia, sociedade, política e de segurança e se preparar para eleições democráticas, justas e transparentes”.
Isso revela duas coisas. Uma é o fato de que os líderes das organizações da Frente Popular estão imbuídos de ilusões profundas na constitucionalidade burguesa. Eles exigem uma constituição redigida por representantes de partidos políticos “e dos componentes da sociedade civil”. Mas quem vai eleger estes componentes? Diferentes forças da sociedade, partidos políticos, sindicatos, organizações de patrões, representam os interesses contraditórios de diferentes classes sociais na sociedade. Como é que eles podem concordar com uma constituição que satisfaça as demandas de todos? Isto é semear ilusões muito perigosas no constitucionalismo burguês bem como na democracia burguesa.
O que é necessário é a tomada do poder pelos trabalhadores revolucionários e pelos jovens – tomar o poder político e econômico. Os líderes da Frente Popular estão exigindo um governo tecnocrata liderado “por uma figura independente”! Independente de quem? A Tunísia é um país capitalista em crise. Um país dividido em classes em luta. Os interesses dos trabalhadores, dos pobres, dos jovens revolucionários, dos camponeses, claramente não são os mesmos que os dos capitalistas, dos comparsas de Ben Ali, dos islamistas do Ennahda e dos liberais burgueses. Os interesses desses grupos são diretamente opostos uns aos outros. Como você pode encontrar uma figura “independente” que satisfaça os interesses dos trabalhadores e capitalistas?
A outra coisa revelada por esta afirmação é o fato de que os líderes da Frente Popular ainda estão firmemente integrados a uma estratégia de duas etapas da revolução. Eles pensam que a tarefa imediata da revolução tunisina é estabelecer a “democracia” e que só mais tarde a questão do socialismo deve ser levantada. O problema é que as necessidades urgentes das massas revolucionárias tunisianas não podem ser satisfeitas dentro dos limites da “democracia”, que em realidade é a democracia burguesa. Quais foram os problemas nos últimos dois anos e meio que criaram essa enorme corrente de oposição entre as massas? Foi o fato de que o governo da troika foi “incompetente”? A verdade é que por maiores que fossem as deficiências do próprio governo e o comportamento ridículo da Assembleia Constituinte o principal fator desencadeador da revolta foi a profunda crise do capitalismo na Tunísia, o que é agravado pela crise do capitalismo na Europa e internacionalmente.
As massas não lutam por democracia em abstrato. Elas lutam contra o regime de Ben Ali para que possam obter pão e emprego. Do ponto de vista dos trabalhadores e dos pobres, a democracia só significa alguma coisa se pode entregar pão e emprego. “Democracia” capitalista é completamente incapaz de atender estas necessidades nas condições atuais da Tunísia.
A estratégia revolucionária que é necessária hoje na Tunísia é aquela que combina reivindicações democráticas e sociais, econômicas, que liguem a realização destas à tomada do poder pelos trabalhadores através de comitês revolucionários democráticos.
Esta seria a melhor maneira de honrar a memória dos mártires Brahmi e Belaid, bem como a memória das centenas de trabalhadores e jovens que foram martirizados durante a revolução.
– Abaixo a troika! Abaixo a Assembleia Constituinte!
– Expropriar todas as empresas multinacionais! Expropriar a riqueza da família e dos comparsas de Ben Ali! Expropriar os meios de produção!
– Comitês revolucionários em toda parte! Todo o poder a um conjunto de trabalhadores revolucionários eleitos, aos camponeses e aos delegados dos soldados!
Greve geral por tempo indeterminado para colocar fora e derrubar o regime!
– Honrar os mártires – completar a revolução!
Tradução: Arthur Penna