No momento onde os debates se perdem ao vento nas discussões infrutíferas da Rio+20, oferecemos ao leitores esta analise marxista de alguns temas centrais relacionados ao meio ambiente, procurando demonstrar que o megaevento é em realidade mais uma das medidas que se inserem nos marcos impostos pelo capitalismo em sua fase superior, o imperialismo, onde a destruição e a reação em toda linha é a conduta inerente ao sistema que não pode oferecer mais bem estar ao conjunto da humanidade.
Andreas Maia
“A única alternativa necessária e possível consiste na ação independente dos trabalhadores, do proletariado, dos camponeses e dos povos em geral que, através de suas organizações de massas, representativas, possam não só defender e conquistar medidas e legislações ambientais progressistas, mas, sobretudo, colocar a questão primordial da abolição da ordem capitalista existente”.
A presidente Dilma Roussef decepcionou a maioria do povo brasileiro ao vetar apenas alguns itens do Código Florestal e não todo o texto que beneficia o agronegócio e a burguesia rural. Ao mesmo tempo em que reafirma a política de alianças com a burguesia, o governo de Dilma vai ser o anfitrião da Conferência da ONU chamada de Rio+20, que acontecerá na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 13 e 22 de junho. A conferência de cúpula dos chefes de Estado sobre o Desenvolvimento Sustentável ocorre no meio de uma avassaladora crise do capitalismo mundial, que abala como um terremoto os Estados Unidos e grande parte dos países da Europa e que projeta uma sombra de incertezas sobre o futuro da humanidade.
Paralelamente à reunião dos chefes de Estado, está ocorrendo no mesmo período a Cúpula dos Povos como um evento alternativo à conferência da ONU, onde participam movimentos sociais, ONGs, ecologistas, ecosocialistas, altermundialistas e uma gama imensa de organizações políticas, em um amplo espectro que vai dos “consultores verdes” do capitalismo até movimentos populares sinceramente preocupados com o futuro do planeta.
A Rio+20 é a continuidade da conferência Rio 92, realizada 20 anos atrás que estabeleceu uma série de ações definidas na Carta do Rio, Carta da Terra e na Agenda 21 como “instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica”.
Mas a grande novidade da Rio+20 está nos dois temas centrais de discussão: “A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e na “Estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”. O objetivo das negociações entre os chefes de Estado consiste em chegar a um acordo sobre a viabilidade de um novo “mercado verde” onde governos e especialmente as empresas poderiam investir. E quanto aos meios para tanto, se estimula, na “estrutura institucional”, os caminhos do “consenso”, isto é, o caminho da “multilateralidade” e dos fóruns compostos por empresários, governos e movimentos sociais, garantindo a sustentabilidade da economia verde. Assim, da mesma forma que os órgãos mundiais do capitalismo, a ONU, o FMI, o Banco Mundial, defendem a aplicação de “políticas sociais compensatórias”, a Rio+20 segue no mesmo rumo, onde se espera criar as cláusulas “ecológicas” compensatórias à devastação ambiental através dos incentivos ao “mercado verde”. Depois de ver fracassadas todas as conferências anteriores sobre o meio ambiente, em que os governos, de todas as cores políticas, falaram a linguagem das grandes corporações multinacionais descumprindo os protocolos de acordo que eles mesmos, na sua maioria, acordaram, estes mesmos governos continuaram a afrouxar a legislação ambiental, a permitir a contaminação da atmosfera, dos oceanos e dos rios, a destruição das florestas e de ecosistemas vitais para vida dos povos, a desertificação do planeta, a degradação das condições de vida das populações na África, Ásia e America Latina. Com a Rio+20, a ONU mostra que está a serviço das grandes corporações capitalistas falando a linguagem dos mercados em torno de um “mercado verde sustentável”.
Apesar de adquirir a proporção de um mega evento e de uma grande festa, a Rio+20 é uma reunião de cúpula dos governos, todos eles, responsáveis pela crescente degradação do planeta Terra, todos eles subordinados aos interesses das grandes corporações capitalistas e todos eles sem saber o que fazer com o fato de que o capitalismo está esgotado e que é incapaz de abrir um futuro que não seja o desmoronamento da civilização humana em uma barbárie social e ambiental total.
O PT e a posição do governo brasileiro
O Partido dos Trabalhadores soltou uma nota que, após considerar o impacto da crise econômica atual sobre os possíveis resultados da Rio+20, diz o seguinte:
“Do ponto de vista ambiental, a crise internacional só está demonstrando com mais clareza o que já sabíamos e dizíamos há muito tempo: um modelo de desenvolvimento apoiado na ideia de que o mercado é capaz de organizar a vida social, que tem o lucro como principio básico e fundamental, além de ser um modelo excludente, que acentua a desigualdade social, é certamente um modelo em que é impossível pensar numa sustentabilidade ambiental.
Esta é uma das ideias centrais que vamos defender, como Partido, na Rio+20: sustentabilidade ambiental não rima com capitalismo, especialmente com capitalismo neoliberal”.
Depois de tentar se credenciar como “esquerda”, crítica ao capitalismo, a nota do PT passa a defender a política do governo:
“Este é um dos desafios que estão colocados para as forças políticas de esquerda e para os movimentos sociais. O debate da Rio+20 tem que expressar o que vimos defendendo há décadas: um futuro com distribuição de renda, com melhoria da qualidade de vida e trabalho, com respeito às culturas e ao meio ambiente, com participação social nas políticas públicas. Um futuro baseado no desenvolvimento em padrões sustentáveis em toda sua essência, que trate das questões econômicas, sociais, ambientais, culturais e políticas.
No Brasil, este debate não é novo. O tratamento que defendemos para a Amazônia, com diretrizes de ordenamento e gestão ambiental; produção sustentável com inovação e competitividade; implantação de infraestrutura para o desenvolvimento sustentável; e inclusão social e cidadania; demonstram nosso acúmulo nesta área”.
O documento do governo brasileiro, um pouco mais comedido em relação ao capitalismo, e que será apresentado como emenda ao documento das Nações Unidas, segue na mesma direção que a nota do PT, propondo também os fóruns da “sociedade civil”, os “Diálogos do desenvolvimento sustentável” onde deverá incluir empresas privadas, ONGs, comunidades científicas e movimentos sociais.
Porém, essa linha da “democracia participativa” não consegue esconder o fato de que a política ambiental do governo do PT, coligado com a burguesia, é uma farsa. Não só pelo veto parcial e limitado da Dilma do Código Florestal, mas, sobretudo pela política de transformar o Brasil em uma plataforma de exportação agromineral sob o controle dos grandes grupos capitalistas. A lógica perversa da acumulação capitalista infinita, a busca pelo lucro privado máximo, é o grande responsável pelo desastre ambiental que ocorre no Brasil e que o governo tenta esconder. A expansão do agronegócio é o melhor exemplo disso, devorando terras, devastando florestas e expulsando os pequenos lavradores da agricultura familiar.
Será que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, projeto concebido na época da ditadura militar e que agora é retomado com o claro objetivo de fornecer energia elétrica para as mineradoras, expulsando populações indígenas e povos da floresta, um exemplo do “desenvolvimento sustentável”? E o que dizer do trabalho escravo de trabalhadores rurais, onde fazendeiros criminosos continuam impunes? Será um exemplo de “inclusão social e cidadania”? Se os dirigentes do PT e do governo acham que “capitalismo não rima com sustentabilidade ambiental” porque insistem em governar com os capitalistas e para os capitalistas?
Muitas críticas ao capitalismo, porém…
No lado oposto da conferência da ONU existem muitas críticas. A Cúpula dos Povos vai debater alternativas que não são as defendidas pelos governos. Mas, vejamos o que dizem os organizadores do evento, em entrevista coletiva à imprensa, no dia 24 de maio último:
“Uma das maiores expectativas que a Cúpula tem é que a Rio+20 seja capaz de reduzir, efetivamente, o poder das corporações nas decisões e que os interesses da iniciativa privada não prevaleçam mediante as negociações sobre questões sociais e do meio ambiente”.
Nesta mesma entrevista, Fátima Mello diz que hoje há uma “captura corporativa do sistema ONU”. E explica que “as corporações têm avançado sobre convenções, regimes internacionais, que a nosso ver deveriam estar direcionada aos povos. Nós queremos uma ONU para os povos e não para as corporações. Nós queremos a democratização efetiva do sistema internacional”.
Como se vê, já começou mal. Os chefes de Estado não vão reduzir o poder das corporações nas decisões da conferência, pois não é esse o objetivo da Rio+20. O que vai acontecer é exatamente o contrário. As “cláusulas ecológicas compensatórias” vão ser negociadas para exatamente ofuscar as consequências ambientais decorrente do domínio do Capital sobre todo o planeta. Agora, “uma ONU para os povos” e a “democratização do sistema internacional” com os governos atuais é o mesmo que pedir para um bando de raposas tomar conta do galinheiro.
O Grupo de Articulação da Cúpula, formado por mais de 50 redes nacionais e internacionais também critica a conferência das Nações Unidas. Segundo Ivo Lesbaupin, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), a Cúpula dos Povos deve fazer “denúncia das causas estruturais das crises, das falsas soluções e das novas formas de reprodução do capital”. Continuando, Lesbaupin afirma que:
“A Rio+20 vai esconder essas causas. No Rascunho Zero do documento oficial, não são citadas as causas dos desastres ambientais. E por que não? Porque, com a omissão, fica mais fácil de não resolver”, lembra Lesbaupin. “Basta pensarmos nas causas do desmatamento, por exemplo, e veremos que o agronegócio é a causa por trás disso. É só olhar para a Amazônia para perceber que a exploração dos recursos da floresta é permitida e que as fronteiras do agronegócio estão se expandindo cada vez mais”.
“O modelo econômico se baseia na alta produção e no alto consumo. Com a crise, o capitalismo está encontrando uma nova forma de aumentar esses índices: explorando e mercantilizando os recursos naturais do planeta. Por isso, a economia verde é uma farsa. Não é solução, é agravante”, destaca Lesbaupin.
No entanto, ao afirmar que soluções já existem, entre muitas propostas, tais como a agroecologia, Lesbaupin envereda por uma alternativa completamente reacionária:
“Outra prática é a da economia solidária, que valoriza, acima de tudo, o capital humano, com base no cooperativismo para a produção de bens e serviços”.
Não se toca na socialização do agronegócio, não se fala em abolição da propriedade privada dos meios de produção e nem da gestão democraticamente planificada pelos trabalhadores dos recursos econômicos e naturais existentes. O que se propõe é a chamada “Economia Solidária” que visa transformar os trabalhadores em “patrões”, exploradores de sua própria classe.
Assim, apesar deste evento alternativo poder engendrar discussões importantes sobre capitalismo e a questão ambiental, corre o risco de repetir o mesmo impasse e as mesmas limitações do Fórum Social Mundial. Apesar da grande gritaria que certamente vai acontecer, a Cúpula dos Povos vai se limitar a propostas de convivência com a ordem internacional existente ao invés de afirmar a necessidade de aboli-la.
A alternativa socialista
A Rio+20 deve ser denunciada como uma farsa. Nestes tempos de crise social global das relações de produção capitalistas (e não apenas do chamado “neoliberalismo”), cujo epicentro está nos países da Europa e nos Estados Unidos, os governos e os chefes de Estado reunidos estarão mais preocupados em salvar as suas economias do que frear o apetite pelo lucro de empresas multinacionais, das quais dependem tanto. Nenhuma medida concreta vai ser decidida a não ser as “cláusulas ecológicas compensatórias”, o “mercado verde”, como forma de ofuscar, enganar, iludir a pressão da população mundial que espera medidas que reverta o desastre ambiental global que se anuncia.
A única alternativa necessária e possível consiste na ação independente dos trabalhadores, do proletariado, dos camponeses e dos povos em geral que, através de suas organizações de massas, representativas, possam não só defender e conquistar medidas e legislações ambientais progressistas, mas, sobretudo, colocar a questão primordial da abolição da ordem capitalista existente. É a alternativa socialista que consiste em “expulsar a burguesia do poder”. As condições no mundo de hoje estão favoráveis à luta e à pressão pela formação de governos socialistas, apoiados nas organizações de massas, que sejam capazes de romper com a burguesia e avançar na via do socialismo. Este é o único caminho para começar a abordar a questão ambiental de uma forma séria e permanente, atendendo as reivindicações dos povos. Do contrário, mesmo ainda estando longe do Natal, é acreditar que Papai Noel existe.