Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) nasceu no dia 22/04/1870, em Simbirsk, hoje Ulianov, Rússia, e morreu em 21/01/1924 em Gorki, perto de Moscou. Publicamos aqui dois artigos seus, sobre os sindicatos e sobre as greves, mostrando que a luta sindical dos trabalhadores deve sempre ter em conta os seus interesses finais de superar o capitalismo e construir o socialismo.
Lenin nasceu de uma família pequeno burguesa, transformada em “nobre” durante a vida de seu pai e, após a morte deste, radicalizada pela situação da Rússia. Seu irmão mais velho tornou-se um revolucionário anarquista que acreditava nos atentados como forma de mudar a situação política. A prisão e posterior enforcamento do seu irmão (1887) fazem com que Lenin decida que é preciso estudar para saber como lutar contra o autoritarismo. É um caminho que o vai conduzir ao Marxismo.
Lenin estudou e formou-se em advocacia, mas concluiu rapidamente que este caminho não mudava nada. Fundou um grupo operário em São Petersburgo (1895) denominado Liga da Luta pela Emancipação da Classe Operária. Preso e exilado na Sibéria, aprofundou seus estudos e publicou o livro O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, a primeira de muitas obras escritas com cuidado e precisão, ajudando o movimento operário a entender o capitalismo e organizar a sua luta contra este sistema.
Depois da Sibéria, mudou-se para a Europa Ocidental, tendo vivido em Londres e Genebra. Fundou um jornal com outros socialistas, o Iskra, e através do combate deste conseguiram reunir o famoso congresso do POSDR de 1903 (ver o livro Atas do Congresso de 1903, a venda na livraria marxista).
Neste congresso, o partido divide-se em duas alas, uma das quais foi dirigida por Lenin e que vai conduzir a vitória da revolução de 1917 (os bolcheviques). De 1903 a 1917, Lenin conduziu um combate para construir o partido revolucionário na Rússia e, ao mesmo tempo, participando dos debates que então dividiam a Social Democracia entre os revisionistas (oportunistas) e os marxistas. Escreveu diversas obras neste período, entre as que mais se destacam citamos Marxismo e Empiriocriticismo; Imperialismo, estágio supremo do capitalismo; A traição da Socialdemocracia; O Estado e a Revolução.
Com a traição da Social Democracia, apoiando a guerra de 1914 (Primeira Guerra Mundial), Lenin vai combater junto com outros internacionalistas para reconstruir a Internacional sobre uma perspectiva revolucionária. Com a revolução de Fevereiro de 1917 ele volta à Rússia, reorienta o partido com as Teses de Abril e alia-se à Trotsky para combater pela revolução proletária. Em outubro de 1917 o Partido Bolchevique, dirigido por Lenin e Trotsky, toma o poder.
Durante os 4 anos seguintes eles combatem juntos para manter a revolução e construir uma Internacional. Lenin escreve muito, particularmente o livro O Renegado Kaustky sobre a traição da social democracia e Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. Em 1922, sofre um derrame do qual nunca se recuperou totalmente, vindo a falecer em 21 de janeiro de 1924.
Sobre as Greves
V. I. Lênin
Nos últimos anos, as greves operárias são extraordinariamente frequentes na Rússia. Não existe nenhuma província industrial onde não tenha havido várias greves. Quanto às grandes cidades, as greves não cessam. Compreende-se, pois, que os operários conscientes e os socialistas se coloquem cada vez mais amiúde a questão do significado das greves, das maneiras de realizá-las e das tarefas que os socialistas se propõem ao participarem nelas.
Queremos tentar fazer uma exposição de algumas de nossas considerações sobre esses problemas. No primeiro artigo, pensamos falar do significado das greves no movimento operário em geral; no segundo, das leis russas contra as greves, e, no terceiro, de como se desenvolveram e desenvolvem as greves na Rússia e qual deve ser a atitude dos operários conscientes diante delas.
Em primeiro lugar, é preciso ver como se explica o nascimento e a difusão das greves. Quem se lembra de todos os casos de greve conhecidos por experiência própria, por relatos de outros ou através dos jornais, verá logo que as greves surgem e se expandem onde aparecem e se expandem as grandes fábricas. Das fábricas mais importantes, onde trabalham centenas (e, às vezes, milhares) de operários, dificilmente se encontrará uma em que não tenha havido greves. Quando eram poucas as grandes fábricas na Rússia, rareavam as greves; mas visto que elas crescem com rapidez, tanto nas antigas localidades fabris como nas novas cidades e aldeias industriais, as greves tornam-se cada vez mais frequentes.
Por que a grande produção fabril leva sempre às greves?
Isso se deve a que o capitalismo leva necessariamente à luta dos operários contra os patrões, e quando a produção se transforma numa produção em grande escala essa luta se converte necessariamente em luta grevista.
Esclareçamos.
Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção, etc, pertencem a um pequeno número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e deve, por isso, alugar sua força de trabalho. Os latifundiários e os industriais contratam os operários, obrigando-os a produzir tais ou quais artigos, que eles vendem no mercado. Os patrões pagam aos operários exclusivamente o salário imprescindível para que estes e sua família mal possam subsistir, e tudo que o operário produz acima dessa quantidade de produtos necessária para a sua manutenção o patrão embolsa; isso constitui seu lucro. Portanto, na economia capitalista, a massa do povo trabalha para outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um salário. Compreende-se que os patrões tratem sempre de reduzir o salário; quanto menos entreguem aos operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam de receber o maior salário possível, para poder sustentar a sua família com uma alimentação abundante e sadia, viver numa boa casa e não se vestir como mendigos, mas como se veste todo mundo. Portanto, entre patrões e operários há uma constante luta pelo salário: o patrão tem liberdade de contratar o operário que quiser, pelo que procura o mais barato. O operário tem liberdade de alugar-se ao patrão que quiser, e procura o mais caro, o que paga mais. Trabalhe o operário na cidade ou no campo, alugue seus braços a um latifundiário, a um fazendeiro rico, a um contratista ou a um industrial, sempre regateia com o patrão, lutando contra ele pelo salário.
Mas, pode o operário, por si só, sustentar essa luta? É cada vez maior o número de operários: os camponeses se arruínam e fogem das aldeias para as cidades e para as fábricas. Os latifundiários e os industriais introduzem máquinas, que deixam os operários sem trabalho. Nas cidades aumenta incessantemente o número de desempregados, e nas aldeias o de gente reduzida à miséria; a existência de um povo faminto faz baixarem ainda mais os salários. É impossível para o operário lutar sozinho contra o patrão. Se o operário exige melhor salário ou não aceita a sua rebaixa, o patrão responde: vá para outro lugar, são muitos os famintos que esperam à porta da fábrica e ficarão contentes em trabalhar, mesmo que por um salário baixo.
Quando a ruína do povo chega a tal ponto que nas cidades e nas aldeias há sempre massas de desempregados, quando os patrões amealham enormes fortunas e os pequenos proprietários são substituídos pelos milionários, então o operário isolado transforma-se num homem absolutamente desvalido diante do capitalista. O capitalista obtém a possibilidade de esmagar por completo o operário, de condená-lo à morte num trabalho de forçados, e não só ele, como também sua mulher e seus filhos. Com efeito, vejam as indústrias em que os operários ainda não conseguiram ficar amparados pela lei e não podem oferecer resistência aos capitalistas e comprovarão que a jornada de trabalho é incrivelmente longa, até de 17 e 19 horas, que criaturas de cinco ou seis anos executam um trabalho extenuante e que os operários passam fome constantemente, condenados a uma morte lenta. Exemplo disso é o caso dos operários que trabalham a domicílio para os capitalistas; mas, qualquer operário se lembrará de muitos outros exemplos! Nem mesmo na escravidão e sob o regime de servidão existiu uma opressão tão terrível do povo trabalhador como a que sofrem os operários quando não podem opor resistência aos capitalistas nem conquistar leis que limitem a arbitrariedade patronal.
Pois bem, para não permitir que sejam reduzidos a essa tão extrema situação de penúria, os operários iniciam a mais encarniçada luta. Vendo que cada um deles por si só é absolutamente impotente e vive sob a ameaça de perecer sob o jugo do capital, os operários começam a erguer-se, juntos, contra seus patrões. Dão início às greves operárias. A princípio, é comum que os operários não tenham nem sequer uma ideia clara do que procuram conseguir, não compreendem porque atuam assim: simplesmente quebram as máquinas e destroem as fábricas. A única coisa que desejam é fazer sentir aos patrões a sua indignação; experimentam suas forças mancomunadas para sair de uma situação insuportável, sem saber ainda porque sua situação é tão desesperada e quais devem ser suas aspirações.
Em todos os países, a indignação começou com distúrbios isolados, com motins, como dizem em nosso país a polícia e os patrões. Em todos os países, estes distúrbios deram lugar, de um lado, a greves mais ou menos pacíficas e, de outro, a uma luta multifacetada da classe operária por sua emancipação.
Que significado têm as greves na luta da classe operária? Para responder a esta pergunta devemos determo-nos primeiro em examinar com mais detalhes as greves. Se o salário do operário se determina — como vimos — por um convênio entre o patrão e o operário, e se cada operário por si só é de todo impotente, torna-se claro que os operários devem necessariamente defender juntos as suas reivindicações, devem necessariamente declarar-se em greve para impedir que os patrões baixem os salários, ou para conseguir um salário mais alto. E, efetivamente, não existe nenhum país capitalista em que não sejam deflagradas greves operárias. Em todos os países europeus e na América, os operários se sentem, em toda parte, impotentes quando atuam individualmente e só podem opor resistência aos patrões se estiverem unidos, quer declarando-se em greve, quer ameaçando com a greve. E quanto mais se desenvolve o capitalismo, quanto maior é a rapidez com que crescem as grandes fábricas, quanto mais se veem deslocados os pequenos pelos grandes capitalistas, mais imperiosa é a necessidade de uma resistência conjunta dos operários, porque se agrava o desemprego, aguça-se a competição entre os capitalistas, que procuram produzir mercadorias de modo mais barato possível (para o que é preciso pagar aos operários o menos possível), e acentuam-se as oscilações da indústria e as crises(1). Quando a indústria prospera, os patrões obtêm grandes lucros e não pensam em reparti-los com os operários; mas durante a crise os patrões tratam de despejar sobre os ombros dos operários os prejuízos. A necessidade das greves na sociedade capitalista está tão reconhecida por todos nos países europeus, que lá a lei não proíbe a declaração de greves; somente na Rússia subsistiram leis selvagens contra as greves (destas leis e de sua aplicação falaremos em outra oportunidade).
Mas as greves, por emanarem da própria natureza da sociedade capitalista, significam o começo da luta da classe operária contra esta estrutura da sociedade. Quando operários despojados que agem individualmente enfrentam os potentados capitalistas, isso equivale à completa escravização dos operários. Quando, porém, estes operários desapossados se unem, a coisa muda. Não há riquezas que os capitalistas possam aproveitar se estes não encontram operários dispostos a trabalhar com os instrumentos e materiais dos capitalistas e a produzir novas riquezas. Quando os operários enfrentam sozinhos os patrões continuam sendo verdadeiros escravos, que trabalham eternamente para um estranho, por um pedaço de pão, como assalariados eternamente submissos e silenciosos. Mas quando os operários levantam juntos suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas. Os escravos começam a apresentar a reivindicação de se transformar em donos: trabalhar e viver não como queiram os latifundiários e capitalistas, mas como queiram os próprios trabalhadores. As greves infundem sempre tal espanto aos capitalistas porque começam a fazer vacilar seu domínio. “Todas as rodas detêm-se, se assim o quer teu braço vigoroso”, diz sobre a classe operária uma canção dos operários alemães. Com efeito, as fábricas, as propriedades dos latifundiários, as máquinas, as ferrovias, etc, etc, são, por assim dizer, rodas de uma enorme engrenagem: esta engrenagem fornece diferentes produtos, transforma-os, distribui-os onde necessário. Toda esta engrenagem é movida pelo operário, que cultiva a terra, extrai o mineral, elabora as mercadorias nas fábricas, constrói casas, oficinas e ferrovias. Quando os operários se negam a trabalhar, todo esse mecanismo ameaça paralisar-se. Cada greve lembra aos capitalistas que os verdadeiros donos não são eles, e sim os operários, que proclamam seus direitos com força crescente. Cada greve lembra aos operários que sua situação não é desesperada e que não estão sós. Vejam que enorme influência exerce uma greve tanto sobre os grevistas como sobre os operários das fábricas vizinhas ou próximas, ou das fábricas do mesmo ramo industrial. Nos tempos atuais, pacíficos, o operário arrasta em silêncio sua carga, não reclama ao patrão, não reflete sobre sua situação. Durante uma greve, o operário proclama em voz alta suas reivindicações, lembra aos patrões todos os atropelos de que tem sido vítima, proclama seus direitos, não pensa apenas em si ou no seu salário, mas pensa também em todos os seus companheiros, que abandonaram o trabalho junto com ele e que defendem a causa operária sem medo das provações. Toda greve acarreta ao operário grande número de privações, e além disso tão terríveis que só se podem comparar com as calamidades da guerra: fome na família, perda do salário, frequentes detenções, expulsão da cidade em que residia e onde trabalhava. E apesar de todas essas calamidades, os operários desprezam os que se afastam de seus companheiros e entram em conchavos com o patrão. Malgrado as calamidades da greve, os operários das fábricas próximas sentem entusiasmo sempre que veem que seus companheiros iniciaram a luta.
“Os homens que resistem a tais calamidades para quebrar a oposição de um burguês, saberão também quebrar a força de toda a burguesia”, dizia um grande mestre do socialismo, Engels, falando das greves dos operários ingleses.
Amiúde, basta que se declare em greve uma fábrica para que imediatamente comece uma série de greves em muitas outras fábricas. Como é grande a influência moral das greves, como é contagiante a influência que exerce nos operários ver seus companheiros, que, embora temporariamente, se transformam de escravos em pessoas com os mesmos direitos dos ricos! Toda greve infunde vigorosamente nos operários a ideia do socialismo: a ideia da luta de toda a classe operária por sua emancipação do jugo do capital. É muito frequente que, antes de uma grande greve, os operários de uma fábrica, uma indústria ou uma cidade qualquer não conheçam sequer o socialismo, nem pensem nele, mas que depois da greve difundam-se entre eles, cada vez mais, os círculos e as associações e seja maior o número dos operários que se tornam socialistas.
A greve ensina os operários a compreenderem onde repousa a força dos patrões e onde a dos operários, ensina a pensarem não só em seu patrão e em seus companheiros mais próximos, mas em todos os patrões, em toda a classe capitalista e em toda a classe operária. Quando um patrão que acumulou milhões às custas do trabalho de várias gerações de operários não concede o mais modesto aumento de salário e inclusive tenta reduzi-lo ainda mais e, no caso de os operários oferecerem resistência, põe na rua milhares de famílias famintas, então os operários veem com clareza que toda a classe capitalista é inimiga de toda a classe operária e que os operários só podem confiar em si mesmos e em sua união. Acontece muitas vezes que um patrão procura enganar, a todo transe, os operários, apresentar-se diante deles como um benfeitor, encobrir a exploração de seus operários com uma dádiva insignificante qualquer, com qualquer promessa falaz. Cada greve sempre destrói de imediato este engano, mostrando aos operários que seu “benfeitor” é um lobo com pele de cordeiro.
Mas a greve abre os olhos dos operários não só quanto aos capitalistas, mas também no que se refere ao governo e às leis. Do mesmo modo que os patrões se esforçam para aparecer como benfeitores dos operários, os funcionários e seus lacaios se esforçam para convencer os operários de que o tzar e o governo tzarista se preocupam com os patrões e os operários na mesma medida, com espírito de justiça.
O operário não conhece as leis e não convive com os funcionários, em particular os altos funcionários, razão pela qual dá, frequentemente, crédito a tudo isso. Eclode, porém, uma greve, apresentam-se na fábrica o fiscal, o inspetor fabril, a polícia e, não raro, tropas, e então os operários percebem que infringiram a lei: a lei permite aos donos de fábricas “reunir-se e tratar abertamente sobre a maneira de reduzir o salário dos operários, ao passo que os operários são tachados de delinquentes ao se colocarem todos de acordo! Despejam os operários de suas casas, a polícia fecha os armazéns em que os operários poderiam adquirir comestíveis a crédito e pretende-se instigar os soldados contra os operários, mesmo quando estes mantêm uma atitude serena e pacífica. Dá-se inclusive aos soldados ordem de abrir fogo contra os operários, e quando matam trabalhadores indefesos, atirando-lhes pelas costas, o próprio tzar manifesta a sua gratidão às tropas (assim fez com os soldados que mataram grevistas em Iaroslavl, em 1895). Toma-se claro para todo operário que o governo tzarista é um inimigo jurado, que defende os capitalistas e ata de pés e mãos os operários. O operário começa a entender que as leis são ditadas em benefício exclusivo dos ricos, que também os funcionários defendem os interesses dos ricos, que se tapa a boca do povo trabalhador e não se permite que ele exprima suas necessidades e que a classe operária deve necessariamente arrancar o direito de greve, o direito de participar numa assembleia popular representativa encarregada de promulgar as leis e de velar por seu cumprimento. Por sua vez, o governo compreende muito bem que as greves abrem os olhos dos operários, razão por que tanto as teme e se esforça a todo custo para sufocá-las quanto antes possível. Um ministro do Interior alemão, que ficou famoso por suas ferozes perseguições contra os socialistas e os operários conscientes, declarou uma ocasião, não sem motivo, perante os representantes do povo:
“Por trás de cada greve aflora a hidra da revolução”.
Durante cada greve cresce e desenvolve-se nos operários a consciência de que o governo é seu inimigo e de que a classe operária deve preparar-se para lutar contra ele pelos direitos do povo.
Assim, as greves ensinam os operários a unirem-se, as greves fazem-nos ver que somente unidos podem aguentar a luta contra os capitalistas, as greves ensinam os operários a pensarem na luta de toda a classe operária contra toda a classe patronal e contra o governo autocrático e policial. Exatamente por isso, os socialistas chamam as greves de “escola de guerra”, escola em que os operários aprendem a desfechar a guerra contra seus inimigos, pela emancipação de todo o povo e de todos os trabalhadores do jugo dos funcionários e do jugo do capital.
Mas a “escola de guerra” ainda não é a própria guerra. Quando as greves alcançam grande difusão, alguns operários (e alguns socialistas) começam a pensar que a classe operária pode limitar-se às greves e às caixas ou sociedades de resistência, que apenas com as greves a classe operária pode conseguir uma grande melhora em sua situação e até sua própria emancipação. Vendo a força que representam a união dos operários e até mesmo suas pequenas greves, pensam alguns que basta aos operários deflagrarem a greve geral em todo o país para poder conseguir dos capitalistas e do governo tudo que queiram. Esta opinião também foi expressada pelos operários de outros países quando o movimento operário estava em sua etapa inicial e os operários ainda tinham muito pouca experiência. Esta opinião, porém, é errada. As greves são um dos meios de luta da classe operária por sua emancipação, mas não o único, e se os operários não prestam atenção a outros meios de luta, atrasam o desenvolvimento e os êxitos da classe operária. Com efeito, para que as greves tenham êxito são necessárias as caixas de resistência, a fim de manter os operários enquanto dure o conflito. Os operários (comumente os de cada indústria, cada ofício ou cada oficina) organizam essas caixas em todos os países, mas na Rússia isso é extremamente difícil, porque a polícia as persegue, apodera-se do dinheiro e prende os operários. Naturalmente, os operários sabem resguardar-se da polícia; naturalmente, a organização dessas caixas é útil, e não queremos dissuadir os operários de se ocuparem disso. Mas não se deve confiar em que, estando proibidas por lei, as caixas operárias possam contar com muitos membros; e sendo escasso o número de cotizantes, essas caixas não terão grande utilidade. Além disso, até nos países em que existem livremente as associações operárias, e onde são muito fortes as caixas, até neles a classe operária de modo algum pode limitar-se às greves em sua luta. Basta que sobrevenham dificuldades na indústria (uma crise, como a que agora se aproxima da Rússia, por exemplo) para que os patrões premeditadamente provoquem greves, porque às vezes lhes convém suspender temporariamente o trabalho e lhes é útil que as caixas operárias esgotem seus fundos. Daí não poderem os operários limitar-se, de modo algum, às greves e às sociedades de resistência. Em segundo lugar, as greves só são vitoriosas quando os operários já possuem bastante consciência, quando sabem escolher o momento para desencadeá-las, quando sabem apresentar reivindicações, quando mantêm contato com os socialistas para receber volantes e folhetos. Mas operários assim ainda há muito poucos na Rússia, e é necessário fazer todos os esforços para aumentar seu número, tornar conhecida nas massas operárias a causa operária, fazê-las conhecer o socialismo e a luta operária. Esta é a missão que devem cumprir os socialistas e os operários conscientes, formando, para isso, o partido operário socialista. Em terceiro lugar, as greves mostram aos operários, como vimos, que o governo é seu inimigo e que é preciso lutar contra ele. Com efeito, as greves ensinaram gradualmente à classe operária, em todos os países, a lutar contra os governos pelos direitos dos operários e pelos direitos de todo o povo. Como já dissemos, esta luta só pode ser levada a cabo pelo partido operário socialista, através da difusão entre os operários das justas ideias sobre o governo e sobre a causa operária. Noutra ocasião nos referiremos em particular a como se realizam na Rússia as greves e a como devem utilizá-las os operários conscientes. Por enquanto devemos assinalar que as greves são, como já afirmamos linhas atrás, uma “escola de guerra”, mas não a própria guerra; as greves são apenas um dos meios de luta, uma das formas do movimento operário. Das greves isoladas os operários podem e devem passar, e passam realmente, em todos os países, à luta de toda a classe operária pela emancipação de todos os trabalhadores. Quando todos os operários conscientes se tornam socialistas, isto é, quando tendem para esta emancipação, quando se unem em todo o país para propagar entre os operários o socialismo e ensinar-lhes todos os meios de luta contra seus inimigos, quando formam o partido operário socialista, que luta para libertar todo o povo da opressão do governo e para emancipar todos os trabalhadores do jugo do capital, só então a classe operária se incorpora plenamente ao grande movimento dos operários de todos os países, que agrupa todos os operários, e hasteia a bandeira vermelha em que estão inscritas estas palavras: “Proletários de todos os países, uni-vos!”
Do artigo: O Congresso Socialista Internacional de Stuttgart
V. I. Lênin – Setembro de 1907
A resolução acerca das relações entre os partidos socialistas e os sindicatos reveste-se de extraordinária importância para nós russos. O Congresso de Estocolmo do POSDR manifestou-se em prol de sindicatos independentes do Partido, mantendo, portanto, o ponto de vista da neutralidade. Esse mesmo ponto de vista foi sempre defendido por nossos democratas desprovidos de espírito de partido, os bernsteinianos e os esserristas. O Congresso de Londres, ao contrário, formulou outro princípio: o de aproximar os sindicatos do Partido chegando (em determinadas condições) até a vinculá-los estreitamente. Em Stuttgart a subseção socialdemocrata da seção russa (os socialistas de cada país formam seções independentes nos congressos internacionais) dividiu-se ao discutir esta questão (no exame das demais questões não houve cisão). Aconteceu o seguinte: Plekhanov defendeu, como princípio, a neutralidade. O bolchevique Voinov defendeu o critério antineutralista do Congresso de Londres e da resolução belga (publicada junto com o informe de De Brouckere nos documentos do Congresso; esse informe aparecerá mais tarde em russo).Clara Zetkin observou, com razão, em seu jornal Die Gleichheit que os argumentos de Plekhanov em defesa da neutralidade foram tão infelizes como os argumentos dos franceses. E a resolução do Congresso de Stuttgart, como justamente assinalou Kautsky e como poderá convencer-se todo aquele que a análise com atenção, põe fim ao reconhecimento da “neutralidade” como princípio. Nessa resolução, não se diz nem uma só palavra sobre a neutralidade ou a independência em relação ao Partido. Ao contrário, reconhece-se com toda a precisão a necessidade de que os sindicatos estabeleçam estreitas relações com o Partido Socialista e as sustentem.
A resolução de Londres do POSDR sobre os sindicatos repousa então na firme base de princípios da resolução de Stuttgart. A resolução indica em geral e para todos os países ser necessária a existência de sólidas e estreitas relações entre os sindicatos e o Partido Socialista; a resolução de Londres indica que, para a Rússia, a forma destas relações deve ser, em circunstâncias favoráveis, a vinculação direta dos sindicatos com o Partido e que a atividade dos membros do Partido deve ser orientada nesse sentido.
Observemos que o princípio da neutralidade deixou entrever seus lados nocivos em Stuttgart com o fato de que a metade da delegação alemã, os representantes dos sindicatos, foram os que mais resolutamente mantiveram o ponto de vista oportunista. Daí que, por exemplo, em Essen os alemães se opuseram a Van-Kol (em Essen o Congresso era só do Partido, e não dos sindicatos), e em Stuttgart estavam a favor de Van-Kol. A proclamação da neutralidade conseguiu de fato perniciosos frutos na Alemanha, fazendo o jogo do oportunismo dentro da socialdemocracia. A partir de então não é possível deixar de levar em conta esse fato, e sobretudo é preciso levá-lo em consideração na Rússia, onde são tão numerosos os conselheiros democratas burgueses do proletariado que lhe recomendam a “neutralidade” do movimento sindical.