As eleições do ano passado mostraram um recuo da influência das principais legendas de “esquerda”. O Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que, além de não vencerem para o Executivo de nenhuma capital, tiveram reduzidos o número de prefeitos e de vereadores. A experiência desses partidos em governos e prefeituras nas últimas décadas, bem como na presidência do país, além de sua atuação parlamentar, que passa inclusive pela aliança com partidos da burguesia, parece ter feito com que uma parcela de seu antigo eleitorado tenha migrado para alternativas como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ou mesmo tenha se voltado para políticos dos partidos tradicionais da direita.
Nas últimas semanas a “esquerda parlamentar” jogou todas as suas forças na tentativa de aliança com partidos da burguesia para garantir um bloco que presidisse a Câmara dos Deputados e o Senado. Enquanto essa tática afundava, na medida em que os aliados que o PT tentava conquistar não passavam de políticos fisiológicos de todo o tipo, caía ainda mais a popularidade de Bolsonaro e as ruas do país eram tomadas por mobilizações contra o governo e greves localizadas. Esse cenário, de disposição de luta dos trabalhadores e recuo das direções, é um possível exemplo do que o revolucionário russo Leon Trotsky chamava de crise de direção revolucionária do proletariado. No contexto da década de 1930, no qual se mostrava um cenário em que “a condição econômica necessária para a revolução proletária já alcançou, no geral, o mais alto grau de maturação possível sob o capitalismo”, Trotsky apontava que:
“o principal obstáculo no caminho da transformação da situação pré-revolucionária em situação revolucionária, é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa frente à grande burguesia e os laços traidores que mantém com esta, mesmo em sua agonia”.
No contexto em que escrevia Trotsky foram articuladas as frentes populares, ou seja, governos em que os partidos representantes dos trabalhadores assumiam aliança com a burguesia, principalmente em contextos marcados por instabilidades políticas provocadas por crises econômicas e sociais. Em sua criação, as frentes populares eram apresentadas como formações políticas cuja principal tarefa passava por se constituir enquanto blocos institucionais para tentar barrar o avanço do fascismo. Ou seja, costurava-se alianças sem princípios e com um programa rebaixado junto a setores da burguesia (alguns dos momentâneos defensores) para barrar outros setores da burguesia (os fascistas). Essa política, além de servir para a União Soviética constituir acordos com as burguesias de alguns países imperialistas, se mostrou nociva para a luta dos trabalhadores, sendo razão para sucessivas derrotas ao longo de décadas.
As frentes populares assumiram o papel de desviar mobilizações dos trabalhadores em curso ainda no período em que Trotsky escrevia, direcionando essas lutas para a defesa da estabilidade do Estado, como se deu em meio à Revolução Espanhola e à onda de greves na França, em 1936. Nas décadas seguintes as frentes populares se tornaram comum entre as organizações de esquerda em diversos países.
No Brasil a frente popular foi uma política utilizada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a partir da década de 1940, buscando costurar alianças com setores ditos “progressistas” da burguesia, especialmente aqueles ligados ao getulismo. O golpe de 1964 se deu num contexto de apoio do PCB ao governo do trabalhista João Goulart. Essa política de colaboração entre esquerda e setores da burguesia também viria a ser utilizada pelo PT. Um exemplo foi a escolha dos candidatos à vice-presidência de Lula, indicando nomes entre representantes da burguesia, como foi o caso do industrial José de Alencar nas eleições de 2002 e 2006.
O fato de os trabalhadores construírem grandes partidos, que chegam em conjunturas difíceis tendo uma grande força política, mostra que, caso priorize a sua construção orgânica entre a base do proletariado, são totalmente desnecessários blocos com setores da burguesia. Mas a colaboração de classes mostra que esses setores da esquerda deixaram de acreditar na capacidade revolucionária da classe trabalhadora. Eles estão completamente adaptados à institucionalidade burguesa e, por isso, colocam a perspectiva de alianças com a burguesia como estratégia, uma política de longo prazo, e não apenas como tática, uma pretensa política conjuntural. Nos vários contextos, mesmo quando está colocada a possibilidade de uma ruptura protagonizada pelos trabalhadores, essa esquerda opta pela manutenção da institucionalidade, mesmo que, para usar as palavras de Trotsky, “as condições objetivas necessárias para a revolução proletária não estão somente maduras, mas começam a apodrecer”.
Com a pandemia, ficou mais evidente que o mundo estava lançado à barbárie, à pobreza, à degradação do homem e do meio ambiente. Ficou evidente que a prioridade da política da maior parte dos governos estava voltada para a estabilidade econômica e não para a vida dos trabalhadores. Nem mesmo as grandes potências imperialistas conseguiram manter sua imagem de estabilidade política, diante da crise econômica e sanitária.
No âmbito da esquerda, as alternativas políticas que hoje se colocam como novas são reedições caricatas de teorizações do passado, como a das frentes populares. O discurso de que é preciso encontrar formas diferentes de luta e organização, como nos movimentos identitários, mostra-se mera retórica, considerando que essas soluções sempre levam à colaboração de classes, procurando soluções nas questões imediatas, assumindo um programa policlassista e mostrando o quanto a maior parte da esquerda está adaptada ao jogo institucional comandado pela burguesia.
O processo de crise que vem passando o PT, bem como a maior parte da esquerda em outros países, mostra, de um lado, a degeneração do capitalismo e, do outro, o quanto é ilusório pensar que é possível ainda apostar em políticas de colaboração de classe. Além disso, está cada vez mais evidente a incapacidade dessa “esquerda” de se colocar do lado da classe trabalhadora na luta contra o capital, processo que só será possível, como também afirmou Trotsky, caso as bases empurrem as direções para além do que elas estão dispostas a seguir.
Para transformar a realidade, é necessário aprender com o que há de melhor na teoria e na prática revolucionária desenvolvida nos séculos 19 e 20, com as lutas concretas que os trabalhadores vêm travando em todo o mundo hoje e construir um caminho que possa levar à derrubada do capitalismo e à construção do socialismo.