O combate à corrupção pode ser realizado sem a busca do fim das instituições burguesas?
O Ministério Público apresentou, em 29 de março de 2016, oum projeto de lei (nº 4850/2016), que (supostamente): “Estabelece medidas contra a corrupção e demais crimes contra o patrimônio público e combate o enriquecimento ilícito de agentes públicos”.
O projeto passou a ser conhecido e impulsionado como “as 10 medidas contra a corrupção”. O nome é bastante atrativo e já provoca uma primeira reação: Como alguém honesto pode ser contra medidas que combatam a corrupção?
Já explicamos bastante como a corrupção é inerente ao capitalismo e ao Estado construído para sustentar seu domínio. Já abordamos bastante também o real significado da “Lava-Jato”, e mesmo antes, com a Ação Penal 470 (Mensalão). Podemos e devemos enfrentar as raízes da corrupção nesta sociedade falida. Mas como fazer isso, sem questionar o caráter do Estado desta sociedade?
Desde já, é necessário remover a infantil ideia de que quem é contra o projeto é a favor da corrupção. Como marxistas, não devemos cair na vala comum e no discurso raso. Neste texto focaremos nossa análise em mais uma tentativa de iludir a população, utilizando-se da reprodução do senso comum de que é possível abolir as consequências, sem analisar as causas.
O projeto busca cassar não às causas da corrupção, mas garantias constitucionais, que servem a todos os cidadãos. O conjunto de proposições não são propriamente, ou exclusivamente, “contra a corrupção”.
Não podemos cair na tentação de dizer que “não tenho nada a ver com isso, pois não devo nada”. Ao contrário, devemos compreender porque tais medidas são apresentadas neste contexto político e social, sob à égide de profunda judicialização da política e da pretensa neutralidade do Direito e, até mesmo, de um caráter bonapartista do Judiciário e do Ministério, como ese estivessem acima das disputas das classes sociais.
São várias medidas, mas que possuem uma “coluna dorsal”. Aprofunda a abolição da presunção da inocência,; aceita abertamente provas obtidas ilicitamente,; restringe recursos processuais; e reproduz toda uma lógica de um verdadeiro código da acusação, acabando com o devido processo legal, o contraditório e a garantia da ampla defesa. Portanto, diferentemente do que se apregoa, o mote que une as ditas medidas não é propriamente a “luta contra a corrupção”, mas tentar legalizar que “os fins justificam os meios”.
A proposta é apresenta pelos autointitulados “paladinos da moralidade” do Ministério Público, imbuídos não da legitimidade constitucional, que as usurpam frequentemente, mas com os rótulos de super-heróis. que, jJuntos com Sérgio Moro e outros desta “nata”, defendem publicamente que sim, os “fins justificam os meios”, com nítido e único viés acusador. O caso recente mais emblemático foram os áudios de Lula, Dilma e seus advogados, gravados ilegalmente e, mais ilegal ainda, foram seus “vazamentos”.
Com as conquistadas liberdades democráticas, nosso sistema constitucional não admite uma “tropa de elite” acusatória. Combater a corrupção fragilizando a lei é o mesmo que apagar fogo com querosene.
É inadmissível escutar o argumento de que precisamos de alguma prova ilícita, tortura, algum grampo ou invasão de domicílio sem autorização para conseguir combater o crime, ainda mais sabendo como funciona a lógica da criminalização da pobreza e a institucionalidade da violência policial que existe em todas as periferias deste país.
No âmbito processual, são inúmeras as alterações, considerando o direito aos recursos como simples caráter abusivo e protelatório. Abusiva parece ser, neste contexto, a própria criação de obstáculos aos recursos. Só faltou tipificar o crime de conceder Habeas Corpus.
Revelador desta lógica é a admissão da prova ilícita, com a finalidade de evitar a anulação de quaisquer atos praticados na investigação, ainda que contra a lei. O projeto trabalha com a premissa de que a lei é um estorvo para a investigação e apuração de ilicitudes. Defende-se o combate ao crime sem a lei, apesar da lei ou ainda fora-da-lei. No processo penal, lei não é formalidade; é garantia.
Há ainda o “teste de integridade”. Simulação de situação para testar o funcionário em sua predisposição para o ilícito. É o crime “pegadinha”. O MP quer punir a “conduta moral” ou “predisposição para cometer ilícitos”. O filme “Minority Report” trata justamente disso.
Além disso, não podia mesmo faltar a política de “recompensa”: 5% do produto obtido com a venda de bens, ao terceiro sem ligações com o delito quem tenha ajudado na recuperação. Monetiza-se, assim, a pena, a prisão, a liberdade e o testemunho. O capitalismo, realmente, encontra inúmeras oportunidades…
Portanto, é evidente o retrocesso desta proposta, que, longe de combater as causas da corrupção, e apresentar uma séria discussão sobre o caráter do Estado, retorna ao período inquisitório, no qual o acusado é nada mais do que um objeto. Lá também havia perigos que justificavam o poder da repressão…