A luta pela educação pública, gratuita e para todos nas universidades privadas (Parte 3)

Mesmo dentro da esquerda, alguns afirmam que a federalização das universidades privadas é “um programa máximo” ou que é utópico, que não vai acontecer. Estes não conhecem a história ou a ignoram, não confiam no potencial revolucionário da juventude e da classe trabalhadora e rebaixam-se ao nível de um programa reacionário, servindo de apoio para a burguesia. Vamos relembrar aqui um exemplo da luta pela educação pública, gratuita nas universidades privadas, o caso da PUCSP.  

Quando a PUC-SP quase foi federalizada

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente
Fonte: PUC-SP

A luta pelo ensino público e gratuito na PUC-SP se deu entre 1968 e 1990. Foram 22 anos de luta pela federalização da universidade, que se dividiu em três fases, segundo Maria Luisa Santos Ribeiro, autora do livro Memórias – a luta pelo ensino público e gratuito numa universidade particular – a PUC-SP. 

A autora explica que a primeira fase, de 1968 a 1982, teve como pano de fundo o Ato Institucional n.º5 na Ditadura Militar, o “Milagre Econômico” (1968-1982) e a crise do mesmo a partir de 1974. Com a crise, acirram-se os cortes em áreas sociais, a educação pública tem uma drástica redução de investimentos. Também a educação particular que contava com subsídios públicos sofre uma drástica redução em seus orçamentos. A PUC-SP era uma das universidades privadas que contava com subsídios públicos para a sua manutenção, chegando a ter 80% do seu orçamento baseado em verbas públicas. Nesse período, o eixo da luta por ensino público e gratuito numa universidade particular estava centrado na luta contra a ditadura militar. 

“Como já dissemos na Introdução, o eixo dessa luta é construído no processo da luta que se trava contra a ditadura militar, contra o caráter antieducacional (mercantilista) e anticultural (obscurantista) da política que marca a segunda metade dos anos 60 e, particularmente, seu final e os anos 70. Isso foi sendo feito por meio da denúncia, tanto da tentativa do governo federal de desobrigar-se da responsabilidade para com a educação escolarizada como da tentativa de eliminar o exercício da crítica na atividade de ensino e pesquisa. Era a reitoria, na qualidade de representante da Mantenedora que, diante das dificuldades de ordem financeira que iam sendo agravadas, colocava como causa de tais dificuldades a drástica redução na participação do MEC no orçamento da PUCSP. (…) Para os professores que lutavam pelo ensino público e gratuito numa escola como a PUCSP, colocava-se, nessas circunstâncias, o problema de encontroar a maneira de fazer com que o argumento da reitoria e da Mantenedora – de que a causa da falta de recursos estava na redução drástica da participação do MEC no orçamento da PUCSP – não fosse posto e usado nos limites dos interesses da Igreja. Em tais limites, como sabemos, os recursos públicos são reivindicados como mecanismo de viabilização financeira das escolas, efetivamente dirigidas pela Igreja e, apenas em palavras, mantidas por elas.” (Ribeiro, 2001. p. 52-53). 

É durante essa fase da luta que a PUCSP foi invadida brutalmente pelas forças repressoras do Coronel Erasmo Dias (1977), depois da então reitora, Nadir Kfouri, se recursar a tomar medidas policialescas contra os estudantes, que naquela altura estavam se reorganizavam na clandestinidade. No mesmo dia e mês, 10 anos depois, o TUCA (Teatro Universidade Católica) foi destruído pelo fogo, sem que explicações satisfatórias sobre as causas tenham sido dadas até hoje. Ribeiro também apresenta uma oposição aos católicos progressistas de então, aqueles ligados à Teologia da Libertação, que se apresentavam cada vez mais como católicos e menos como progressistas no que tange a luta pela educação pública e gratuita. Uma vez que eles apresentavam uma perspectiva de controle e direção da universidade sem investir na mesma, requisitando verbas públicas para a universidade privada. Diante disso, Ribeiro, que era membro da APROPUC (Associação de Professores da PUC), escreve: 

“Analisando os documentos existentes, distribuídos e discutidos no transcurso desse movimento, é possível para aqueles que não participaram, ou que, tendo participado, não o guardam de todo na memória, comprovar que, desde o início das tentativas de ser enfrentado o agravamento da situação financeira da PUC-SP, foi colocado que essa situação era em verdade a manifestação de um problema de duas ordens. Primeiro, o desinteresse por parte de grupos em condições econômicas de investir em atividade de ensino e pesquisa que não proporcionam lucros imediatos; segundo, a desobrigação do Estado brasileiro com a educação.”  (Ribeiro, 2001. p.61).

Essas observações eram direcionadas as grandes empresas, como também para a Igreja Católica, por isso a aliança com os “católicos progressistas” encontra limites sérios para o desenvolvimento da luta pela educação pública e gratuita. 

A segunda fase (1982-1987) tem como contexto a retomada das liberdades democráticas. É também o momento em que a Igreja Católica torna público, através de seu Grão-Chanceler D. Evaristo Arns, o seu interesse em manter a PUC-SP uma universidade privada e católica, no entanto, buscando retomar os subsídios públicos. Nesse período, explica Maria Luisa, a luta por ensino público e gratuito na universidade particular tem como eixo a luta por verbas públicas para universidades públicas. 

O que dava origem a perspectiva de subsídios públicos para escolas privadas era o fato de que um professor da PUC-SP se tornara governador do estado de São Paulo, André Franco Montoro (1983-1986), bem como da aprovação de uma lei chamada “Emenda Calmon” (Emenda Constitucional n.24 – de 1º de dezembro de 1983). A emenda destinava parte da arrecadação de impostos em percentual para o investimento em educação. Sobre isso, a autora escreve: 

“A definição de um percentual de recursos públicos a ser gasto em educação, nessa emenda, levou a Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas  (ABESC) a intensificar sua campanha com vistas a obter subsídios ainda maiores para as escolas católicas e, para isso, mais uma vez saiu como ‘testa de ferro’ das mantenedoras de escolas particulares em geral.  Assim, no dia 11 de abril de 1985 um documento é entregue pela ABESC ao ministro da Educação, acompanhado de um anexo com uma proposta para um ‘Projeto de Lei’, instituindo um ‘Sistema Associado de Ensino Superior’. Tais escolas teriam o direito a que 30% de seu orçamento fosse coberto com recursos públicos. É preciso explicitar que, ao mesmo tempo que reivindicavam tal repasse, reivindicavam também a preservação do ‘direito das respectivas Mantenedoras de estabelecerem livremente os critérios e os procedimentos relatos à escolha e designação de seus dirigentes (idem, item 5, letra D, p. 17). Desse modo, insistiam na preservação do poder de direção das Instituições de Ensino. Numa atitude de grande esperteza, como Mantenedoras, abriam mão da responsabilidade de conseguirem recursos particulares para o funcionamento das instituições particulares (vale dizer que abriam mão da responsabilidade de mantê-las totalmente), mas não abriam mão do comando sobre tais instituições.” (Ribeiro, 2001. p. 65-66)

É interessante observar o papel das Mantenedoras nesse ponto e relacionar com o que dizemos no item anterior. Nesse caso, fica evidente a manobra por parte delas: conseguir financiamento público, sem perder a propriedade das Instituições de Ensino. Além desse projeto, que foi aprovado no II Encontro de Professores de maio/1983, outra forma de obter recursos públicos foi a venda de projetos de pesquisa e serviços às Secretarias de Estado. Segundo a autora, isso se configurava como novo mecanismo de subsídio, porque nos preços ou custos dos projetos, estava embutido um percentual que tinha o fim de auxiliar na suavização do déficit financeiro da instituição. 

Desde esse período, reconhece-se a importância do debate sobre o caráter das mantenedoras. A esse respeito, ela escreve: 

“Naquele mesmo mês foi publicado um texto (APROPUC Debate, n.15, out./85, p. 6) escrito por mim, ao final da campanha salarial do segundo semestre de 1985, com o objetivo de tornar pública a ideia de que a situação de indeterminação, ou de opacidade em torno do que vinha a ser a Fundação São Paulo, era produto de uma eficiente estratégia dessa mesma Fundação (Mantenedora da PUC-SP) para não assumir suas responsabilidades de custeio, ao mesmo tempo em que não abria mão do ‘direito’ estatutário auto atribuído de mando sobre a universidade. Essa insistência que vinha pelo menos desde 1982,a  respeito da necessidade de que nós tivéssemos clareza sobre a verdadeira ‘cara’ e poder da Fundação São Paulo e da necessidade de, em consequência, colocar para a discussão o Estatuto da Fundação, decorria da convicção de que isso era indispensável, numa luta pelo ensino público e gratuito, dentro de uma escola particular como a PUC-SP. Ainda mais que, no entusiasmo da participação no processo constituinte, em que foi aprovado o novo Estatuto para a universidade, foi por nós alimentada a ilusão de que a universidade tinha autonomia, tinha poder de auto direção.” (Ribeiro, 2001. p. 73-74). 

Uma das conclusões mais importantes desse período, a partir das campanhas salariais, é a de que a mantenedora é o patrão, ela é que é a empregadora, conforme apresentamos no item anterior, pois é ela que determina a relação de propriedade que a Instituição de Ensino está submetida, se pública ou privada. E, portanto, quem é essa mantenedora e a que interesses ela representa se fazia ponto central para a luta por ensino público e gratuito na PUCSP. A resposta para essa pergunta ainda não era clara para o movimento:

“A dificuldade é de tal ordem, pois são tantas as desconversas, são tantas as conversas interrompidas, que chego a supor que essa situação de indeterminação seja produto de uma eficiente estratégia da Mantenedora com o objetivo de, não abrindo mão da direção, isto é, do controle sobre o processo educacional que se desenvolve na PUC-SP, transferir para o aluno e para o Estado toda a responsabilidade sobre os encargos relativos aos custos desse processo, responsabilidade essa que, em parte também seria diretamente sua, enquanto Mantenedora.” (Ribeiro, 2001. p. 75)

A resposta é apresentada ainda no mesmo artigo, discutindo o papel da reitoria ser muito limitado, tendo a Mantenedora o controle do processo educacional. Portanto, a conclusão que ela tira é que é a Igreja Católica o patrão, representada pela Mantenedora. Essa mantenedora, no entanto, se desresponsabilizava de captar recursos particulares para a universidade particular e via no Estado um importante agente de seu financiamento. Ela escreve: 

“Tanto é assim que, antes de 1964, o Estado (governo federal) chegou a se responsabilizar por mais de 75% do orçamento da PUCSP e agora, em 1985, após a aprovação da Emenda Calmon, a Associação Brasileira das Escolas Católicas (ABESC) apresenta uma proposta ao governo federal no sentido de que ele participe em até 30% do orçamento de toda a escola particular que venha a ser considerada como ‘comunitária’.” (Ribeiro, 2001. p.77)

Partindo para as conclusões práticas, diante de um quadro bastante complicado da crise financeira da PUC-SP, é lançado um documento pela Diretoria da APROPUC – na época sob a presidência da professora Zilda M. Gricoli Iokoi e sob a vice-presidência do professor Erson Martins Oliveira – intitulado “A APROPUC frente à crise financeira da PUC e à posição da Reitoria”. No documento afirmavam: 

“[…] temos que levantar uma alternativa de luta contra a crise financeira que tome o problema pela raiz e que esteja em oposição à linha de descarregá-la, mais agudamente ainda, sobre os professores, alunos e funcionários. Essa alternativa só pode ser a do ensino público e gratuito, traduzida na defesa da federalização da PUC.” (Ribeiro, 2001. p.79)

O contexto era de aumento da pressão da Igreja Católica sobre o Estado, de tentativas de aumentar as receitas a partir da elevação das mensalidades. É nesse contexto que se propõe um Congresso Universitário, precedido de ampla mobilização entre os professores, alunos e funcionários que elegeriam seus delegados para definir uma saída para a crise financeira da instituição que se confrontaria entre duas posições antagônicas: a mercantilização do ensino ou o ensino público e gratuito.  

“Em 21 de abril de 1987 é deflagrada uma greve que mobilizou toda a comunidade durante 30 dias: foi iniciada pelos funcionários, mas gradativamente envolveu os professores e alunos; os primeiros reivindicavam o pagamento de atrasados e o reajuste dos salários e os estudantes lutavam contra o reajuste das mensalidades. Pela primeira vez os funcionários ocuparam a Reitoria por 3 dias.”

No Congresso Universitário somente uma tese é apresentada, a tese do ‘‘Ensino Público e Gratuito para a PUC-SP: a federalização’’. Os representantes das outras teses não se apresentam para o congresso e buscam inviabilizar sua realização, afirma a autora. Os grupos ligados à Igreja Católica, não participando do Congresso Universitário, apresentam a proposta de um plebiscito em assembleia da APROPUC, que foi aprovado para os dias 9, 10 e 11 de junho de 1987. 

No plebiscito foram apresentadas três teses. A reitoria apresentou a tese da publicização (a autora não dá muitas informações sobre isso), o professor Ruy César do Espírito Santo apresentou a tese Em defesa da Fundação Mista, que tomava como modelo a Fundação Padre Anchieta (mantenedora a TV Cultura de SP) e o grupo em defesa do ensino público para a PUC-SP apresentou a tese da estadualização. 

É interessante observar a mudança. No documento apresentado para o Congresso Universitário falava-se de federalização, no plebiscito de estadualização. Sobre isso, ela explica que: 

“Havia efetivamente três ordens da razão. A primeira delas dizia respeito à disposição do governo estadual em ampliar o seu atendimento escolar em nível superior. A segunda razão estava na disposição mais concreta da Unesp em ampliar-se. (…) A terceira ordem da razão para a alteração da proposta para estadualização dizia respeito à preocupação do então reitor da Unesp, professor Jorge Nagle, de que o processo de solução dos problemas, enfrentados por instituições culturalmente significativas como a PUC-SP, não viesse a fortalecer a tendência pró-privatização no ensino superior, mas, ao contrário, a fortalecesse o ensino público e gratuito.”  (Ribeiro, 2001. p.80-81)

A partir disso, abriram-se intensos debates na universidade, até que na Assembleia Geral Universitária, realizada em 4 de junho de 1987, o professor Ruy retira a sua proposta e apoia a reitoria. Somente duas propostas vão para o plebiscito: publicização ou estadualização. Para a surpresa e desespero da Igreja Católica, vence a proposta de estadualização.

Sobre a posição da Igreja Católica, a partir de sua derrota no plebiscito, Maria Luisa explica que a perda durou pouco. 

“A Fundação, como já foi considerado no capítulo primeiro, na figura de seu presidente, o cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo, no dia 04/08/1987, vem a público para afirmar que o resultado do plebiscito não será aceito pela Mantenedora. Cai a máscara do respeito às decisões internas à universidade.” (Ribeiro, 2001. p. 97). 

No fim, a estadualização não se deu pela falta de interesse do governo estadual em arcar com o ônus que a crise instaurada na PUC-SP tinha alcançado. 

“Mas o governo do Estado de São Paulo não se mostrou interessado em assumir o ônus da PUC-SP, aceitava apenas incorporar o núcleo da Pós-Graduação e um ou outro curso. Por outro lado, Dom Paulo declarou-se contrário ao desfazimento da identidade da universidade católica. O resultado é que, sem viabilidade, a proposta de Estadualização estagnou e se desarticulou.”

Se inicia com a recusa por parte da Igreja de aceitar a decisão plebiscitária da comunidade em tornar a PUC-SP uma universidade pública em 1987 e a posição do governo estadual, a terceira fase do movimento pelo ensino público e gratuito numa universidade particular (1987-1990). Nesse contexto, o movimento dos professores já se encontrava na defensiva, além disso, o contexto mais geral era de privatização e de atendimento aos interesses dos grandes monopólios internacionais, o que fortalecia as tendências mais conservadoras e elitistas no interior da PUC-SP.

Ainda que a estadualização da PUC-SP não tenha de fato acontecido, o voto do plebiscito demonstrou a posição política dos estudantes, professores e funcionários e que sua posição estava em defesa do ensino público e gratuito numa universidade particular. Na prática, demonstraram que é essa a luta histórica do movimento estudantil, dos professores e funcionários nas universidades privadas. Mostraram um caminho a seguir, sua luta mostrou o caráter da Igreja Católica na PUC-SP, das entidades mantenedoras das escolas particulares, desmascarando sua aparência democrática e progressista. Além disso, ficou evidente que o Estado não é nada mais do que o balcão de negócios da burguesia e que, no Brasil, nunca demonstrou interesse em expandir o ensino superior público à universalidade. Por isso, não devemos ter ilusão somente na federalização ou estadualização, mas também reivindicar o controle e a direção para àqueles que nas universidades estudam e trabalham. Essa perspectiva se conecta imediatamente com a necessidade de luta pelo socialismo e pela planificação da economia.  

A luta pela federalização, para ir até as suas últimas consequências, deveria ter enveredado o caminho da greve com ocupação e o controle pelos estudantes e trabalhadores. Esse é o caminho político para questionar não só quem é o patrão (mantenedora, Igreja) como também mostrar que ele não é necessário e auto-organizar o processo educacional e a produção de conhecimento. 

O papel das direções da UNE na defesa dos tubarões do ensino

Texto

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Fonte: Liberdade e Luta

No seu congresso de refundação, em 1979, a UNE defendeu a educação pública, gratuita e estendida a todos. Essa defesa foi muito mais um produto da pressão das bases em luta contra a ditadura militar e em defesa do ensino público e gratuito do que um descuido da direção, que já naquela época, contava com PCdoB à frente, com a eleição de Ruy César Costa Silva, membro do PCdoB desde 1970. A defesa do ensino público e gratuito para todos foi inscrita na Carta de Princípios do Congresso de Refundação, a contragosto da direção majoritária. A antiga Liberdade e Luta fez parte desse combate, que também reivindicamos. 

Progressivamente, a direção majoritária da UNE – encabeçada pelo PCdoB e composta pelo PT, Consulta Popular, Levante Popular da Juventude e PDT – vai abandonando essa bandeira fundamental e passa a defender as políticas de transferência de verbas públicas para as universidades privadas. Fundamentalmente, essa política estava primeiro orientada pelo abandono de uma posição da direção da UNE, isso a fez apoiar a chapa Tancredo-Sarney, pois o PT decidiu não participar das eleições e, posteriormente, a adotar uma postura de apoio às decisões do governo. A direção da UNE foi empurrada pela base a entrar no combate pelo Fora Collor e imediatamente após a sua queda, a apoia Itamar Franco, seguindo a linha da traição cometida pelo PT, encabeçado por Lula. 

Durante o governo FHC todo o caráter privatista dos oito mandatos, a direção da UNE atuou com uma postura equilibrada de apoiar as greves somente onde elas já tinham sido deflagradas e, na prática, isolando as greves locais. Essa posição, não muito diferente da atual, serviu de freio para o desenvolvimento da luta a nível nacional e contribuiu para o aprofundamento dos ataques à educação pública. 

No 41º Congresso da UNE, realizado em 1999 em BH, com a presença de Fidel Castro, a UNE aprova as consignas Fora FHC e Fora FMI, depois de muita pressão vinda das bases, quase levando a posição contrária a aprovação das consignas – defendida pela direção majoritária – à derrota. 

Nos anos 2000, com a eleição de Lula, a direção da entidade passa a atuar como braço de apoio de todas as políticas de transferência de verba pública para a universidade particular. Isso se deu pelo apoio ao PROUNI, ao FIES e diversas outras medidas. Cumprindo religiosamente essa função, a mesmo direção da UNE de hoje levou a entidade a ir abandonando na prática a defesa do ensino público e gratuito para todos. Em seu último Congresso, o 57º CONUNE de 2019, a entidade chegou a apresentar em um dos debates do Congresso o tema “Ensino Privado: o financiamento estudantil como forma de acesso ao ensino superior.” 

Hoje, com os ataques a educação pública e a ciência promovidos pelo governo Bolsonaro, a direção da UNE apresenta palavras de ordem genéricas, como a defesa da educação em abstrato, e isolam as greves locais. Na prática, a direção da UNE, encabeçada pelo PCdoB, transformou a entidade em uma ferramenta velha e enferrujada para os estudantes, mas muito útil para os tubarões do ensino. Ao não se posicionar claramente e abandonar a defesa do ensino público, gratuito e para todos, a direção da UNE colocou a entidade no campo do apoio a expansão do ensino superior privado, abrindo espaço para os tubarões do ensino irem engolindo a educação pública – desde a educação básica até a pesquisa e a ciência. 

É essa política, que não tem nada a ver com a juventude e com seus interesses fundamentais, que levou a entidade à sua constante burocratização e aos congressos e eleições fraudulentos, ao monopólio da carteirinha estudantil, etc. Não é a entidade que combatemos, a política encabeçada por uma direção traidora. Para a organização e a defesa dos interesses em sindicatos de estudantes, tudo. Para as direções traidoras e a usurpação dos instrumentos de organização e mobilização, nada. 

Federalização sob controle dos que estudam e trabalham

A nossa luta pela educação pública, gratuita e para todos hoje é, em primeiro lugar, uma luta contra o governo Bolsonaro. Mas não nos limitamos a figura em si, ele somente representa a política do capital de esmagar os direitos e conquistas da classe trabalhadora, entre eles, a educação pública. Para a burguesia não se trata de um capricho, mas de uma necessidade vital para a manutenção dos seus lucros em tempos de crise. Nessa luta de morte, é na conciliação de classes – negociação das organizações dos trabalhadores e da juventude com o governo – que se apoia a burguesia. Ela não poderia avançar com sua sanha privatista sem o apoio das direções dessas organizações, que tratam de frear a mobilização e a disposição de luta da juventude e trabalhadores. Por isso, essa luta também se traduz na insistente denúncia do papel traidor dessas direções. 

Ao mesmo tempo, não podemos acreditar que não estamos negociando com o governo ao apresentar pautas parciais. À medida que nos posicionamos contra os cortes na educação pública e na ciência, também devemos nos posicionar contra os interesses gerais da burguesia na educação e contra a própria lógica capitalista. A luta pelo ensino público, gratuito e para todos representa esse posicionamento – um posicionamento de enfrentamento com a ordem vigente, com o capitalismo e com seus representantes. 

Nas universidades privadas essa política se traduz na luta pela federalização. Essa luta compreende a defesa de dinheiro público para universidades públicas, portanto, se universidades privadas recebem dinheiro público, estas devem ser federalizadas. 

Os estudantes das universidades privadas que sofrem semestre após semestre com a lógica do capital foram abandonados por essa direção traidora da UNE, que somente se lembra deles na época de eleições. Na prática, a direção da UNE despolitizou milhares de estudantes das universidades privadas para ir fazer discursos contra a mercantilização do ensino nas públicas. Uma completa farsa. Com esse artigo, esperamos esclarecer que os estudantes das universidades privadas, a maioria dos jovens universitários do Brasil, tem uma luta que é histórica e revolucionária. 

Essa luta não se encerra por si mesma, a federalização das universidades privadas não pode manter a inexistente autonomia universitária. Para nós, mesmo a federalização, sob o sistema capitalista, não é o fim em si mesmo. O controle dos que estudam e trabalham nas universidades é fundamental para combater a alienação do processo educacional e do processo de produção cientifica. Para isso, com a federalização das universidades privadas, não abrimos mão de seu controle nas mãos daqueles que estão nelas diariamente. 

É através do controle operário e democrático nas mãos dos que estudam e trabalham que as universidades poderão planificar a produção de conhecimento, fazendo com que o ensino, a pesquisa e a extensão realmente façam sentido para os estudantes e trabalhadores, para que nós possamos ver algum sentido social nos trabalhos de conclusão de curso, nas pesquisas científicas, etc. O processo de desalienação começa quando tomamos a produção em nossas próprias mãos.  Isso também se aplica na educação. Esse controle democrático da universidade nas mãos dos que nela estudam e trabalham deve estar conectado com a planificação geral da economia para a satisfação das necessidades da humanidade e da natureza. 

“A elaboração de um plano econômico, mesmo elementar – do ponto de vista do interesse dos trabalhadores e não dos exploradores – é inconcebível sem controle operário, sem que os operários voltem seus olhos para todas as energias aparentes e veladas da economia capitalista. Os comitês de diversas empresas devem eleger, em oportunas conferências, comitês de trustes, de ramos de indústrias, de regiões econômicas, enfim, de toda a indústria nacional em seu conjunto. Assim, o controle operário tornar-se-á a ESCOLA DA ECONOMIA PLANIFICADA.” (Trotsky, 1938. Programa de Transição)

A nossa luta nas universidades privadas

Como vimos, muitos são os problemas enfrentados pelos professores, funcionários e estudantes nas universidades privadas. Os ataques são muitos (EAD, demissão de professores, falta de estrutura, aumento progressivo das mensalidades, cortes em bolsas e descontos, etc.), além desses a flagrante falta de autonomia universitária e a repressão da organização dos estudantes e trabalhadores no seu interior ou a própria traição dos dirigentes estudantis que não organizam os estudantes. Nessas universidades, o que mais pega, de forma geral, são as lutas econômicas, que em primeiro lugar, tem como função garantir a permanência do estudante no curso superior. Por isso, não podemos adotar uma postura sectária com relação às lutas como a redução de mensalidades. Quando elas ocorrem, fruto das próprias necessidades dos estudantes, devemos nos colocar em combate como os mais resolutos e os que levam essa luta até suas últimas consequências, neste caso, o fim das mensalidades. Se formos direção em Centros Acadêmicos, podemos impulsionar semanas de mobilização pela redução das mensalidades e nelas ampliar o debate em direção às nossas bandeiras fundamentais discutidas nesse artigo. Nosso papel é elevar as lutas econômicas em direção as lutas políticas dos estudantes. Ainda se estivermos em posição de direção, nosso combate é por transformar os CAs, DAs e DCEs em verdadeiros sindicatos de estudantes. Isso se dá com tudo que explicamos sobre o tema (livre, de base e socialista), partimos das lutas concretas e as elevamos em direção ao socialismo. A aplicação das nossas bandeiras deve ser feita à luz de qual a melhor tática para nos aproximar do conjunto dos estudantes e aproximar e recrutar os mais avançados, ou seja, aqueles que querem uma solução radical aos problemas enfrentados na educação e na sociedade. 

Outras referências:

Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_ensinosuperior/2017/08/31/ensino_ensinosuperior_interna,622359/mec-divulga-o-censo-da-educacao-superior-de-2016.shtml

Disponível em: <https://imirante.com/oestadoma/noticias/2017/09/02/enade-divulgado-perfil-do-estudante-do-ensino-superior/

Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/em-2023-instituicoes-privadas-terao-mais-alunos-no-ensino-distancia-que-no-presencial-22702702>

Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/financiamento-estudantil-inflacionou-mensalidades-em-ate-20-modelo-e-insustentavel-esdkcwfa6q4eeurryc62jv8z3/>

Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/dados-do-censo-da-educacao-superior-as-universidades-brasileiras-representam-8-da-rede-mas-concentram-53-das-matriculas/21206

Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/em-2023-instituicoes-privadas-terao-mais-alunos-no-ensino-distancia-que-no-presencial-22702702>

Disponível em: <http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/livros/chama_introducao.htm

https://apublica.org/2019/05/professores-acusam-laureate-de-forjar-documentos-para-obter-o-reconhecimento-de-cursos-ead-no-brasil/

Disponível em: <https://falauniversidades.com.br/nova-onda-de-demissao-nas-universidades-privadas/>

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/08/faturamento-de-faculdades-privadas-cresce-30-em-2-anos-estima-estudo.html>

Disponível em: <https://www.pressreader.com/brazil/valor-economico/20180116/281908773552484>

Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/index.htm>

Disponível em: <https://blog.abmes.org.br/as-relacoes-de-poder-entre-mantenedora-e-mantidas-das-instituicoes-educacionais-de-capital-estrangeiro-tendo-em-vista-a-legislacao-em-vigor/>

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12101.htm

Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/atualidades-vestibular/por-que-instituicoes-religiosas-nao-pagam-imposto-no-brasil/>

Disponível em: <file:///C:/Users/55119/Downloads/179-Texto%20do%20artigo-511-1-10-20190717.pdf>

Disponível em: <https://www.pucsp.br/comissaodaverdade/comunidade-academica-breve-historia-da-puc.html>

Disponível em: <https://www.pucsp.br/comissaodaverdade/comunidade-academica-construcao-da-democracia.html>Disponível em: <https://une.org.br/presidentes/ruy-cesar-costa-silva/>