A nota de R$ 200 e a inflação (final)

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 15, de 17 de setembro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Na segunda parte dessa série, explicamos que um processo inflacionário não poderia ocorrer pela via da impressão das novas notas de R$ 200. Primeiro porque o valor das mercadorias não permaneceu constante, mas sofreu uma elevação acumulada de +2,31% nos últimos 12 meses (julho/2020) e, sobretudo, porque o custo de produção da nova nota, “valor do dinheiro”, do ponto de vista bancário, é irrelevante para elevar os preços. Neste último artigo da série vamos explorar o “valor do dinheiro” e a inflação do ponto de vista real, isto é, através das variações do câmbio.

Arroz e óleo disparam, agronegócio agradece

A variação mensal oficial do mês de agosto foi de +0,24% e o acumulado dos últimos 12 meses (agosto/2020) foi de 2,44%. Esta alta na variação mensal e acumulada para o mês de agosto foi puxada pelo encarecimento do preço dos produtos alimentícios. No gráfico abaixo, vemos os dados do IPCA para o mês de agosto e o destaque central vai para alimentos e bebidas (+4,91%) em relação ao ano anterior, seguido por comunicação (+2,35%) e, vejam o absurdo, saúde e cuidados pessoais (+1,60%). Mas não para por aí: as instituições financeiras consultadas pelo Banco Central projetam uma elevação do IPCA de +1,78%.

O custo do prato feito, segundo levantamento feito pelo G1 com base em dados do IBGE, está mais caro em 2020, com destaque para o arroz custando mais de R$ 20 e o óleo acima de R$ 8 nas prateleiras dos supermercados.

A desvalorização do real frente ao dólar favorece as exportações, pois os bens exportados ficam com preço mais competitivo no mercado internacional. Aproveitando dos preços mais baratos dos produtos da pauta de exportação brasileira, a China foi às compras para formar um estoque estratégico de alimentos. Essa compra, segundo dados do InfoMoney, injetou US$ 24 bilhões no agronegócio brasileiro entre janeiro e julho. Isso é 30% maior que as compras no mesmo período do ano passado.

No entanto, essa mesma desvalorização do real encare as importações, elevando o preço dos adubos e fertilizantes, por exemplo, (que ocuparam 4,7% da pauta de importações brasileiras de janeiro a julho) que são utilizados na produção de alimentos. Para os exportadores não há problema, devido a escala de produção. Mas para os pequenos produtores de alimentos, que são os responsáveis pelos alimentos que chegam às nossas mesas, o encarecimento de adubos e fertilizantes encarece o preço final que é repassado aos consumidores, preço esse que já está pressionado devido a redução da oferta ao mercado interno em favor das exportações. Enquanto isso, o agronegócio ri à toa:

“O produtor de soja e milho Moacir Fala, que cultiva 20 alqueires em São Jorge do Ivaí, no Noroeste do Paraná, está rindo à toa. “Este ano não posso reclamar: deu para ganhar dinheiro”, diz. Ele já vendeu praticamente toda a safra de soja por um preço médio de R$ 100 a saca, 42% mais do que recebeu no ano passado, quitou as dívidas de anos anteriores e ainda sobrou dinheiro. “Não decidi o que vou fazer com o lucro, talvez investir em tecnologia para produzir mais na próxima safra”.

Por que o dólar disparou?

Essa inflação nos produtos alimentícios não aconteceu somente agora. Desde o início do ano estamos vendo o preço de produtos alimentícios subindo, como a carne, o próprio arroz, o feijão carioca e o feijão preto. Os economistas, nesses mesmos jornais, estão dando enorme destaque para a origem dessa elevação ser o auxílio emergencial, que aumentou a renda da população e, por um lado, como a cesta de consumo dessa parcela da sociedade é baseada em alimentos, a demanda aumentou, mas, por outro, a oferta de alimentos se manteve a mesma, o preço foi elevado. Mas isso é só uma meia verdade. A principal responsabilidade dessa elevação do preço dos produtos alimentícios é a política do governo Bolsonaro de favorecimento ao agronegócio, expressa pela taxa de câmbio, tanto nominal como real, como mostram os gráficos abaixo.

O aumento do dólar frente ao real não diz respeito somente a um movimento de oferta e procura em que quando a demanda por dólares no Brasil é maior do que a oferta, a taxa de câmbio sobe. Há ainda que se observar o que gera esse aumento da demanda por dólares.

Antes mesmo da pandemia víamos esse processo de alta do dólar. O fato é que com a crise econômica um instrumento de política econômica utilizado pelos governos foi a redução da taxa de juros, que do ponto de vista da produção não surtiu nenhum efeito, mas, do ponto de vista financeiro, levou à fuga de capitais dos capitais. Isso se dá pela venda de títulos da dívida pública para recolher os dólares daqui e aplicá-los em títulos da dívida dos EUA, que é visto como mais seguro do que os títulos de países dominados e atrasados como o Brasil. Com isso, aumenta a demanda pelos dólares e com ela a taxa de câmbio.

Embora o “valor do dinheiro” seja dado majoritariamente por políticas de câmbio flutuante no mundo, no Brasil a política cambial é de um câmbio flutuante sujo, isto é, regido pelas leis de oferta e procura, mas o Banco Central (BACEN) pode intervir para valorizar ou desvalorizar o real. Para realizar a compra e venda de dólares, o BACEN realiza o chamado swap cambial, que nada mais é do que o BACEN assumir a responsabilidade de pagar pela variação cambial do período em contratos celebrados entre empresas em troca de ser pago pela remuneração da taxa Selic acumulada no período. A diferença entre o swap e a remuneração da Selic entra no estoque da dívida pública e já sabemos quem paga a conta. Quando o BACEN realiza os swaps cambiais ele entrega o contrato e retira dólares da economia, reduzindo a oferta e com ela a taxa de câmbio. Com a crise econômica e a política adotada frente a ela pelo governo e pelo BACEN, de não atuar para controlar o câmbio, os trabalhadores continuam pagando a conta, com o favorecimento do agronegócio e a elevação dos preços dos alimentos.

Queda da taxa de lucro e os ataques do capital

Como mostra nosso exportador, a tendência geral do capital é reinvestir parte dos lucros para elevação relativa do capital constante (máquinas, equipamentos, tecnologia etc.) em detrimento do capital variável (a força de trabalho). Essa tendência geral, no entanto, embora não reduza o lucro obtido com a produção, reduz a sua taxa. Diante disso, os capitalistas precisam adotar medidas de contra-tendência à essa redução, verdadeiros ataques do capital. Essas medidas se voltam para o aumento da exploração dos trabalhadores com o objetivo de aumentar a extração de mais-valia, seja pelo prolongamento da jornada de trabalho ou pela intensidade dela, também pelo deslocamento do salário da força de trabalho em relação ao seu valor e, entre outras, pelo aumento da superpopulação relativa, isso é, aumento do desemprego.

No Brasil, isso tem se expressado com as reformas trabalhista e da previdência, pelo aumento do preço dos alimentos sem que os salários sequer reponham a inflação. O salário mínimo de 2019 para 2020 aumentou somente míseros R$ 6 (de R$ 1039 para R$ 1045 e as projeções para 2021 são de um aumento de outros míseros R$ 22 (para R$ 1067). Também se expressa pelos níveis de desemprego, desalento e subutilização da força de trabalho. São 12,8 milhões de pessoas desempregadas, 5,7 milhões de pessoas estão desalentadas, isto é, desistiram de procurar emprego, e 31,9 milhões de pessoas estão subutilizadas, isto é, aqueles trabalhadores que estão desocupados, subocupadas por “insuficiência de horas” e força de trabalho potencial.

Nenhuma medida de contenção dos preços dos produtos básicos para a alimentação e saúde foi tomada pelo governo, assim Paulo Guedes e Bolsonaro deixam “as forças do mercado” operarem em favor, obviamente, dos interesses do capital.

Esses são apenas elementos que nos mostram a necessidade de um governo dos trabalhadores, que coloque o controle do comércio externo, o controle do câmbio e do planejamento democrático da economia como meios políticos e econômicos para atender os interesses dos trabalhadores.

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Fontes:

https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php

https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/08/mercado-pib-focus.htm

https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2020/09/09/arroz-e-oleo-mais-caros-entenda-por-que-a-inflacao-dos-alimentos-disparou-no-pais.ghtml

https://santandernegocioseempresas.com.br/app/internacionalizacao/produtos-mais-importados-pelo-brasil

https://www.infomoney.com.br/economia/projecoes-para-a-inflacao-de-2020-sobem-apoiadas-pelo-aumento-de-precos-de-alimentos/,

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/06/desemprego-sobe-para-133percent-em-junho-diz-ibge.ghtml

Curva de Philips

Antes, nas faculdades de economia é muito comum que os estudantes tenham contato com a chamada Curva de Philips, ela relaciona a taxa de inflação com a taxa de desemprego. A intuição por trás da curva é que com uma alta taxa de desemprego, isto é, menos pessoas trabalhando, a demanda por bens tende a cair e com ela o preço dos bens e a taxa de inflação. Por outro lado, com uma taxa de desemprego baixa, isto é, mais pessoas trabalhando, elas tendem a demandar mais bens e pressionar os preços dos bens para cima e aumentar a taxa de inflação.