No dia 23 de janeiro de 2024, aconteceu a primeira reunião do Conselho Estadual de Representantes (CER) da Apeoesp. O que era para ser uma reunião dedicada à organização da luta dos professores do estado de São Paulo, tornou-se o anúncio de uma campanha de perseguição aos setores de oposição à direção majoritária da categoria.
A partir de uma acusação sobre o que chamam de “paralelismo sindical”, a direção da Apeoesp anuncia um início de ataque ao próprio direito das oposições existirem. Além de discutir o que isso significa hoje, este artigo propõe o aprofundamento das discussões em relação ao sindicalismo na Apeoesp e no Brasil e quais as tarefas atuais dos comunistas nesse espaço.
Contexto
No começo de 2023, centenas de professores se auto-organizaram em prol da pauta dos professores de contrato temporário do estado de SP, denominados de Categoria O. E o fizeram independentemente da direção majoritária da Apeoesp. Não por uma vontade de atuar em separado – ou em “paralelo” – mas em função do abandono histórico da direção do sindicato, direção esta que sentem que não os representa. Em 2024, tal direção decidiu tentar “controlar” o movimento desde o princípio. De início, marcou uma atividade remota direcionada aos professores cat. O, em 5 de janeiro. Nessa atividade, foi deliberada uma “Assembleia de professores cat. O” para o dia 9 de janeiro. Além do fato de ser algo absolutamente inusitado convocar uma assembleia só para uma parte da categoria (justo os professores categoria O que, embora os mais atacados, sem ter ainda aulas e sem ter estabilidade teriam muita dificuldade de encabeçar qualquer movimento paradista), tal iniciativa pouco encaminhou a luta concreta dos professores. E não foi surpresa que, nas duas atividades convocadas por esta direção, a adesão tenha sido baixa.
Ocorre que um setor da categoria compreendeu que seria necessário intensificar a luta, em especial antes do início das inscrições para atribuição de aulas, período para o qual não havia qualquer iniciativa concreta da direção do sindicato. Assim, no dia 16 de janeiro, cerca de 100 professores, majoritariamente cat. O, foram à frente da Secretaria da Educação do Estado de SP (Seduc) para um ato e protocolo de reivindicações. Esse ato foi apoiado por setores da Oposição Unificada Combativa (OUC) da Apeoesp, que é uma frente sindical de oposição à direção majoritária. Nós, do coletivo Educadores pelo Socialismo, compomos esta frente e estivemos no ato supracitado.
A convocatória do ato teve o cuidado de se dirigir à direção majoritária, apelando pela unidade da categoria, para que compusesse e apoiasse o ato desse setor. Infelizmente, tal solicitação foi ignorada. Após o ato, contudo, veio a convocação para a reunião do Conselho Estadual de Representantes da Apeoesp (CER).
A polêmica do paralelismo sindical
A Apeoesp é composta por uma diversidade de correntes políticas, assim como qualquer sindicato, associação ou movimento social minimamente democrático. A Chapa 1 e direção majoritária do sindicato é composta por agrupamentos como: Articulação Sindical (o principal), PCdoB, O Trabalho (OT), Resistência, TLS, PCB, Meob, FOS, PCO, Chão de Giz, dentre outros. Quase todos eles chegaram na reunião alinhados em um ponto especial: atacar a oposição com base no que chamaram de paralelismo sindical. A prova de que essa discussão ocorreu está no Informe Urgente nº 10, de 24/01/20241, que relata as decisões da reunião: “Assim, será aberto em nossas instâncias (Diretoria e CER presencial) a temática do paralelismo sindical, para termos uma entidade cada vez mais forte e representativa” (p. 3 – grifo nosso).
O que a direção majoritária compreendeu como paralelismo sindical foi o direito de setores da oposição, organizados em correntes ou não, de se organizar e se manifestar independentemente da direção do sindicato. Aparentemente, para eles, somente a direção da Apeoesp pode propor qualquer tipo de iniciativa de defesa da categoria.
Ainda houve a ameaça de corte de verba às subsedes que apoiarem as iniciativas distintas das realizadas pela direção, fundamentada no art. 27º alínea i) do estatuto da entidade:
“i) as publicações editadas pelas subsedes ou regionais não poderão ostentar qualquer logomarca que não a da Apeoesp, que não poderá ser adulterada, e das organizações de trabalhadores e de centrais sindicais em que a Apeoesp se mantém filiada, sob pena de ser aplicada à subsede infratora, a suspensão dos repasses a que faz jus.”2
Tal desespero da direção majoritária é justificado? Para fazer essa discussão, em primeiro lugar, tentaremos definir o que vem a ser o tal paralelismo sindical.
Paralelismo sindical ou a luta pela unidade da categoria
Há uma confusão (intencional) enorme, que compara o trabalho de construção da luta por parte da oposição na base da categoria – direito esse que se baseia na liberdade de organização e de expressão política de toda a classe trabalhadora e que nunca poderia ser questionado pelo próprio sindicato – com uma suposta manobra para dividir a luta sindical.
A matemática nos ensina, por meio da disciplina da geometria, que paralelas são as retas (ou planos) que não possuem nenhum ponto em comum, tendo o mesmo coeficiente angular e que, por isso, nunca se encontram. Esse é exatamente o caso, não da oposição, mas da atual direção majoritária da Apeoesp em relação aos interesses da categoria: Eles nunca se encontram!
A direção da Apeoesp chega a extrapolar os limites conceituais da geometria, pois parece viver não apenas em um plano, mas em um universo paralelo, onde os problemas dos professores simplesmente não existem e o tempo pode ser gasto com esse tipo de coisa.
O coletivo Educadores pelo Socialismo, por outro lado, sabe que há companheiros na oposição que compreendem que a saída para a atual situação de impasse do movimento sindical brasileiro passa pela divisão das entidades em nível das centrais sindicais, lutando há muitos anos pela divisão da maior central sindical brasileira, a CUT, em diversas outras menores. Assim pensam companheiros do PSTU e MRT que fundaram e defendem a CSP-Conlutas, bem como diversas correntes em relação às Intersindicais e outras.
Nós não compartilhamos dessa posição. Mas se o tal paralelismo sindical é, para alguns, uma alusão a posição destes companheiros, temos aí outro erro fundamental. Embora muitas vezes usado, é um mau nome para o que eles praticam. A divisão da CUT, e mesmo de sindicatos, é um atentado contra a unidade necessária da classe trabalhadora e deve ser combatido com argumentos – mas nunca com ameaças e muito menos imposições legais. Porém, tampouco significa de fato paralelismo, na medida em que, a partir de um mesmo ponto, separa-se dos interesses da categoria seguindo em direção distinta, tornando-se cada vez mais distante e, portanto, não são paralelos.
Concluímos que a atual direção da Apeoesp não entende nada das necessidades urgentes da categoria e sequer de geometria, criando polêmicas vazias e desviando do que deveria ser o tema central: a luta pela integração completa e estabilidade de todos os professores Categoria O, atribuição de aulas justa, salários dignos, aposentadoria digna, redução do números de alunos por sala, fim do Novo Ensino Médio, revogação da BNCC, Educação Pública, Gratuita e para Todos.
Convidamos todos a acompanhar nosso esforço por encontrar as raízes históricas da atual (falsa) polêmica e as reais concepções que inspiram esta acusação e estes ataques da atual direção da Apeoesp contra a oposição.
Paralelismo sindical e sua relação com a unicidade sindical
A unicidade sindical é um termo muito conceituado na literatura sindical: ele proíbe, por parte do Estado, a criação de outro sindicato para a mesma categoria na mesma base territorial. Isso nada tem a ver com a unidade sindical. Diferentemente, o paralelismo sindical é uma expressão utilizada no âmbito das assembleias e reuniões de sindicatos e não há definição oficial. Porém, alguns artigos nos ajudam a entender ao menos um dos sentidos que pode ser atribuído a ele.
Em 2008, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) publicou artigo criticando a Portaria 186 do Ministério do Trabalho que aumentava a liberdade de regularização sindical no Brasil, ao mesmo tempo em que defendia a política da unicidade sindical:
“A ‘Portaria 186’, no entanto, permite a legalização de várias entidades de nível superior, com a qual a CTB não concorda. Ela significa a pulverização das instâncias superiores, contrária ao conceito de unicidade sindical. A história do sindicalismo brasileiro já mostrou a importância da unicidade sindical.
Ela opõe-se ao modelo desregulamentado de relações de trabalho, que significa a adoção do pluralismo sindical — como a ‘Portaria 186’ propõe, nos artigos 20 e 21, para as entidades sindicais de nível superior. A defesa da unicidade sindical é uma exigência da realidade social brasileira. Trata-se de um mecanismo que regulamenta a organização sindical e inibe a fragmentação e o paralelismo sindical” (grifo nosso).3
Como vemos, o sentido de paralelismo sindical ali destacado tem a ver com a luta sindical “paralela” aos sindicatos reconhecidos pelo Estado burguês, como parte de uma suposta luta pela unidade das categorias. Ocorre que as direções do PCB e PCdoB (direção do antigo PCB, que dará origem tanto ao atual PCB quanto ao PCdoB, ambos na direção da Apeoesp) estavam à frente da burocracia sindical brasileira nas décadas de 60 a 70. Assim, elas se beneficiaram do sindicalismo varguista que tinha dentre os seus pilares a unicidade sindical: imposição de apenas um sindicato por categoria, esse reconhecimento pelo Estado burguês. Dessa forma, faz sentido a direção da CTB, dirigida pelo PCdoB, se manifestar contrária a qualquer tipo de flexibilização em relação à unicidade sindical.
O jornal A Hora do Povo é ainda mais enfático na defesa da unicidade sindical, contra o paralelismo sindical e as tendências que chamam de trotskistas. Em seu texto Cerrar fileiras na defesa da unicidade sindical, do sistema confederativo e da CLT4, de 2023, o autor Carlos Pereira defende que a vitória da chapa 1 nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo teria sido um grande avanço ao movimento operário brasileiro:
“A vitória da Chapa 1 nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, maior e mais importante sindicato do país, por uma diferença mínima de votos, acelerou a transição da estrutura sindical para a oposição ao regime e consolidou a derrota ideológica do esquerdismo e do paralelismo no movimento operário.” (grifo nosso)
O texto é todo dedicado a criticar a existência da CUT. Sua luta contra o sindicalismo CLT é chamada de paralelismo. Portanto, vejam, a prática de não respeito à unicidade sindical é chamada nos dois casos acima de paralelismo sindical.
Diferentemente dos dois exemplos anteriores, a CUT surge da luta da classe trabalhadora brasileira pela liberdade e independência sindical, ou seja, contra o princípio da unicidade sindical, do sindicato oficial definido, em última instância, pelo Estado. Até hoje em seu site é possível encontrar como princípio a luta pela liberdade e autonomia sindical:
“A CUT defende a liberdade e autonomia sindical com o compromisso e o entendimento de que os trabalhadores têm o direito de decidir livremente sobre suas formas de organização, filiação e sustentação financeira, com total independência frente ao Estado, governos, patronato, partidos e agrupamentos políticos, credos e instituições religiosas e a quaisquer organismos de caráter programático ou institucional.
Para a Central, as lutas da classe trabalhadora são sustentadas pela unidade a partir da vontade e da consciência política dos trabalhadores.” (negrito nosso)5
A CUT surge enquanto movimento legítimo, inclusive defendendo que os trabalhadores possam decidir sua representação sindical, em paralelo às aos sindicatos reconhecidos pelo Estado. Como sabemos, muitas vezes esses sindicatos são registrados e, na prática, ficam fechados. Em muitos casos, algumas categorias só conseguem se organizar em “paralelo”, visto a inexistência de sequer uma assembleia do sindicato de sua categoria há vários anos.
Nesse sentido, reivindicamos o legado cutista, pela defesa da liberdade e independência sindical no sentido exposto acima e, portanto, contra a unicidade sindical. Em artigo específico, já escrevemos nossa posição sobre isso.
As correntes que hoje dirigem a CUT chegaram a organizar o Encontro Nacional das Oposições Sindicais (Enos) em 1980. E foram categorizadas como praticantes do paralelismo sindical, pois se opunham à unicidade sindical. Porém, apesar de serem ações chamadas “paralelas”, elas não implicaram necessariamente rachar os sindicatos existentes, mas construir e forjar uma nova direção do movimento frente à burocratização combatida no período. A própria Apeoesp não rachou, mas foi refundada sob novas e mais avançadas bases políticas.
Coerente com sua história até ali, a CUT se manifestou positivamente à Portaria 186 de 20086. Apesar disso, em 2012, ela começa a mudar sua política e busca apresentar formas de restrição da liberdade de organização sindical dos trabalhadores. O argumento caminhava na mesma direção do que era defendido pela CTB em 2008: a Portaria 186 estaria gerando uma “crescente fragmentação da ação sindical.”7
Em 2012, existiu um retrocesso na política da CUT em direção ao sindicalismo varguista. E, hoje, vemos a Apeoesp retroceder ainda mais quando, sob a liderança cutista da Articulação Sindical, acusa setores da oposição de promover o paralelismo sindical.
A realidade é que buscam bloquear ações fora de seu controle de construção de uma oposição sindical combativa. Neste caso em específico, não houve nenhuma tentativa de se passar pela direção da Apeoesp ou de enfraquecer o sindicato. Foi uma ação legítima de construção da oposição sindical junto à base, tal como foi feito pela própria militância que hoje dirige a maior central sindical e o maior sindicato brasileiro, a CUT e a Apeoesp, respectivamente.
Qual a posição dos comunistas nesse debate?
Por comunistas, referimos-nos àqueles que defendem o legado do marxismo, de Marx, Engels, Lênin e Trotsky e das experiências das Internacionais proletárias.
Nos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista (IC) são aprovadas resoluções que nos ajudam a discutir essa temática. Ali é defendida a unidade da classe trabalhadora e a orientação de evitar a divisão do movimento sindical criando organismos “paralelos” que dividem a classe trabalhadora. Eles estavam falando da criação de sindicatos ou centrais sindicais “paralelas”. Quanto a isso, temos pleno acordo.
Ocorre que no momento em que foram aprovadas, as resoluções da IC ainda não estava em perspectiva a luta contra os sindicalismo estatal. Tal prática se consolidou na Itália de Mussolini em 1927 por meio da Carta del Lavoro. Ela estabelecia, dentre outras medidas, que “só o sindicato legalmente reconhecido e subordinado ao controle do estado tem direito de representar legalmente toda a categoria de empregadores ou dos trabalhadores”8. No Brasil, sob Getúlio Vargas, é aprovada a CLT que passa a aplicar esse modelo de sindicalismo no Brasil. Nessas circunstâncias, o denominado paralelismo sindical, de um mero divisionismo e, portanto, uma pauta errada, torna-se correta em diversas situações, como na criação da CUT.
Contudo, em especial onde conseguimos superar o sindicalismo estatal, ainda que parcialmente, somos absolutamente contrários ao divisionismo. Assim, jamais seríamos a favor de dividir a Apeoesp ou a CUT. O coletivo Educadores pelo Socialismo e a OCI não participam da Conlutas ou das Intersindicais por considerarmos táticas sectárias e que dividem o movimento dos trabalhadores. Lutamos para que todos os sindicatos e associações se filiem à CUT fortalecendo a unidade dos trabalhadores contra a burguesia. Porém, também somos pela total liberdade de organização das oposições sindicais contra suas direções nesses espaços.
E aí está a questão central: a direção da Apeoesp não ataca o que chama de paralelismo sindical, em si. O que ela faz é criar um espantalho sob essa alcunha para atacar, apoiada sobre concepções absolutamente reacionárias, o direito das oposições sindicais existirem em seu espaço. Apoiada numa concepção antidemocrática, confere a si mesma o monopólio sobre a mobilização da categoria. Assim, essa direção dá um passo ainda mais largo em direção à degeneração burocrática e não podemos aceitar calados mais esse ataque.
Se os movimentos de base e de oposição existem independentemente dos sindicatos, é por conta da perda de autoridade política de suas direções. E cabe aos comunistas se conectarem com esse setor que deseja lutar, mas não acredita que as velhas fórmulas sejam a resposta para os anseios atuais. Ainda mais depois de tantas duras derrotas dos professores da rede estadual de SP. Tentar revitalizar as direções burocráticas não passa de adaptação e abandono de qualquer perspectiva revolucionária.
Apoiar as lutas independentes dos trabalhadores não significa abandonar ou dividir os sindicatos, mas sim fortalecer a oposição contra as direções burocráticas, ajudando a classe trabalhadora avançar por suas reivindicações imediatas e históricas.
Fontes:
1 Informe Urgente nº 10 de 2024: http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/apeoesp-urgente/n-10-pelo-fim-do-autoritarismo-nas-escolas-publicas-do-estado-de-sao-paulo/
2 http://www.apeoesp.org.br/o-sindicato/estatuto-da-apeoesp-2023/
3 https://ctb.org.br/2008/04/16/ctb-reafirma-defesa-da-unicidade-sindical/
6 https://www.cut.org.br/artigos/em-defesa-da-portaria-cef3
8 https://www.olibat.com.br/documentos/Carta%20Del%20Lavoro1.pdf