Conforme o ano-novo se aproxima, milhões de usuários do Spotify participaram da “Retrospectiva Spotify”, uma tendência anual dessa mídia social em que os ouvintes e artistas compartilham suas músicas mais ouvidas, gêneros etc. Porém, submersa nessa tendência, está a realidade em que o capitalismo está transformando nosso amor em música em um instrumento de exploração. Enquanto o Spotify se auto-intitula como “o maior impulsionador de financiamento dos negócios da música hoje em dia”, ao mesmo tempo eles pagam quase nada aos artistas. No topo disso, o CEO do Spotify, Daniel Ek, está investindo US$ 113 milhões na Helsing Al, uma startup de tecnologias de defesa que usa dados algorítmicos para produzir “mapas ao vivo de campos de batalha”.
O capitalismo está matando a música
A ascensão dos serviços de streaming revolucionou nossa relação com as músicas gravadas. Em apenas alguns anos, aplicativos como o Spotify superaram outras formas de consumo musical. Em 2020, serviços de streaming chegaram a contabilizar 62% das rendas globais com música. O Spotify sozinho triplicou seu valor somente em 2021. Essa incrível tecnologia deveria tornar a música mais acessível do que nunca, porém, o pagamento aos artistas diminuiu em 43% de 2018 a 2020. O pagamento médio por transmissão, atualmente, é de US$ 0,0038. Artistas não apresentados (que trabalharam em um projeto, mas que não são listados pelo nome) recebem menos, isso quando recebem algo. Além disso, o Spotify e a maioria dos serviços de streaming usam a partilha proporcional de rendas, o que tem favorecido artistas contratados e/ou com afiliação de gravadoras, em detrimento de músicos sem contrato assinado.
Um relatório de 2020 da ONU sobre serviços de streaming globais de música apresenta a situação claramente:
“Esse sucesso alimentado pelos serviços de streaming não foi aproveitado pelos artistas, principalmente pelos artistas sem destaque. Quanto mais as rendas globais aumentam, mais difícil é para os artistas entenderem o porquê dessa desigualdade ser justa – porque ela não é.”
Os músicos trabalhadores se encontram em uma das posições mais precárias na sociedade. Eles geralmente têm que se virar em vários empregos com horários instáveis, muitas vezes equilibrando o orçamento com rendas de aulas, shows, turnês e streaming. A pandemia despedaçou a indústria da música ao vivo quase da noite pro dia, deixando os serviços de streaming como um dos únicos lugares em que se podia ouvir música. Mesmo antes dos fechamentos, o Relatório Investigativo da Indústria da Música de 2019 da Creative Music demonstrava que a indústria da música estava se tornando inacessível à classe trabalhadora. Naquele tempo eles afirmaram que “há uma necessidade urgente para os serviços de streaming digitais reformarem seus modelos”. O desaparecimento repentino de outras formas de trabalho para os músicos significou que esse modelo, já insustentável, se tornou tudo que eles tinham para sobreviver. Incapazes de ganhar a vida, os músicos estão abandonando as suas carreiras. O capitalismo está matando a música.
Os streamings de música são um exemplo do capitalismo no máximo de seu parasitismo. Os músicos, não apenas criam todo o valor que esses serviços sugam, como também pagam para estar nesses serviços. As taxas de pagamento estão veladas atrás de paredes burocráticas, e os músicos estão atomizados. Porém os artistas começaram a contra-atacar. No começo da pandemia o Sindicato de Músicos e Trabalhadores Aliados (UMAW) começaram a campanha “Justiça no Spotify”, com demandas, incluindo a partilha na receita de 1% por acesso, tornar públicos os contratos feitos a portas fechadas e a adoção de um modelo de pagamento centrado no usuário.
Fora com os parasitas!
Daniel Ek respondeu à tempestade de críticas dizendo aos músicos: “Vocês não podem gravar músicas uma vez a cada três ou quatro anos e pensar que isso será o suficiente”. Em outras palavras: trabalhem o dobro se vocês quiserem receber. Ele então começou a reclamar: “Eu creio nunca ter visto um único artista dizendo ‘Eu estou feliz com todo o dinheiro que estou ganhando com o streaming’”. Parece que o Ek não está contente em apenas sugar o trabalho dos músicos, ele também gostaria que eles tocassem o menor violino do mundo junto!
A indignação com o nível de exploração a que os músicos são submetidos foi apenas enfatizada com as notícias sobre os investimentos de Ek em tecnologias de defesa. Tem ocorrido chamados para boicotar o Spotify em favor de sites como Bandcamp e Resonate. Uma variedade de soluções tem sido apresentada, boa parte baseada em convocar os indivíduos a mudar seus hábitos de consumo. Um desses artigos declarou: “Parece que nós nunca consideramos a culpa ou o papel do ouvinte. É inevitável seguirmos a opção mais fácil e mais barata?”
Os músicos precisam ser pagos com justiça pelos seus trabalhos, mas a questão de quem os paga é crucial. Convocar os indivíduos a praticar um consumo consciente não explica por que os artistas não estão sendo pagos em primeiro lugar. A riqueza já existe; foi criada pelos próprios músicos, mesmo que esteja depositada nas contas bancárias de Ek e de outros. Jogar o ônus nos indivíduos, para resolver essa crise, não ajuda a resolver a raiz do problema: a propriedade privada dos serviços de streaming como um todo. Em vez de boicotes ou da remoção, pelos artistas, dos seus trabalhos nessas plataformas públicas, nós precisamos remover os CEOs. Os serviços de streaming devem ser nacionalizados, com todos os trabalhadores que contribuem com o projeto recebendo um pagamento justo. A música deve servir à sociedade, não aos capitalistas.
Os serviços de streaming são uma tecnologia incrível, que merecem ser utilizados para o benefício da arte, não em seu detrimento. Isso apenas pode ocorrer se os trabalhadores da música forem pagos com o valor que eles criaram, e se eles tiverem uma palavra referente ao que deve ser feito com a sua arte. A música tem uma importância social muito maior do que ser um instrumento para a acumulação do capital; ela é uma parte fundamental de nossas vidas sociais e pessoais. Ela deve ser uma força que nos conecta, porém o capitalismo transforma todas as conexões humanas em transações econômicas. Os marxistas acreditam que a cultura não deve ser um monopólio das classes proprietárias. Isso pode apenas se tornar uma realidade em uma sociedade socialista, em que todos os trabalhadores possam participar na cultura. Nós lutamos para libertar a cultura do sistema explorador da propriedade privada dos meios de produção, com o objetivo de beneficiar a própria arte e os artistas que a produzem.
- Fora com os parasitas! Nacionalizar os grandes serviços de streaming! Pelo controle democrático dos serviços de streaming!
- Pagamento justo para todos os artistas envolvidos em um projeto!
- Não mais contratos sigilosos! Abram os livros-caixa!
TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.
PUBLICADO EM MARXIST.CA