No final de fevereiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovou um assombroso reajuste na tarifa para todas as 58 concessionárias do país. Foi uma revisão “extraordinária” com previsão de aumento médio de 23% nos preços. E segundo as estimativas divulgadas pelo Banco Central esta semana, anuncia-se mais reajustes na ordem de 38,3% até o fim do ano.
No final de fevereiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovou um assombroso reajuste na tarifa para todas as 58 concessionárias do país. Foi uma revisão “extraordinária” com previsão de aumento médio de 23% nos preços. E segundo as estimativas divulgadas pelo Banco Central esta semana, anuncia-se mais reajustes na ordem de 38,3% até o fim do ano [2]. E esse pacote de perversidades veio acompanhado de um “moderno” sistema de cobrança denominado “bandeiras tarifárias”, que nada mais é do que uma escala móvel das tarifas de energia elétrica.
Com este artigo pretendemos explicar o que são as “bandeiras tarifárias”. E criticar estes reajustes de energia como resultados da privatização do setor elétrico e como políticas de ajuste fiscal que estão sendo aplicadas por uma parceria conjunta entre grandes empresas do setor, ANEEL e Governo numa trama para empurrar goela abaixo dos consumidores brasileiros (empresas e famílias) os custos da crise financeira.
As “bandeiras tarifárias” são a cobrança de valor extra na conta de luz de acordo com o aumento no custo de geração de energia das empresas, os chamados custos de produção. A cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos cobra-se uma taxa extra dos consumidores, que varia mês a mês de acordo com as cores da bandeira. Por exemplo, uma conta de luz de uma residência que consumiu cerca de 230 quilowatts-hora em um mês e pagou R$80,00 teria um acréscimo de R$6,90 em um mês com bandeira tarifária vermelha, ou seja, um acréscimo de 8,6% na conta.
Esse novo sistema é anunciado em letras miúdas e apagadas no rodapé da fatura dos consumidores desde janeiro de 2015 e na TV com comercial da ANEEL com a atriz global Taís Araújo. Mas observamos que não precisou esperar muito para este sistema receber seu primeiro reajuste, o mesmo veio depois de apenas um mês em vigor. Difícil de acreditar, mas a ANEEL já aumentou sua recém-criada “bandeira tarifária” em 83% de janeiro para fevereiro. É como se num assalto, o ladrão fosse tão eficiente a ponto de assaltar a vítima duas vezes seguidas, antes mesmo de a pessoa ter tempo de compreender o que acontecia. E cabe perguntar: quem será que rouba mais? O Joãozinho que põe um “gato” no seu medidor residencial ou os ladrões profissionais e multinacionais do setor elétrico brasileiro? Joãozinho seria punido pela Justiça, certamente.
O resultado prático das “bandeiras tarifárias” até aqui é que a bandeira amarela passou de R$1,50 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos para R$2,50. No caso da bandeira vermelha, o adicional passou de R$3,00 para R$5,50. Não há cobrança no caso da bandeira verde. Em janeiro e fevereiro vigorou a bandeira vermelha, que também está sendo aplicada em março [3].
O sistema de energia elétrica do país está fragmentado e muitas empresas são privadas. Hidrelétricas, termoelétricas e distribuidoras, cada uma controlando uma parte da produção e com sua margem de lucro que ninguém pode tocar. As “bandeiras tarifárias” significam um pacote de bondades para estes pobres empresários. Agora, sempre que aumentar o custo da produção de energia, vai aumentar mensalmente o preço que os consumidores pagam por ela, é um sistema elaborado para garantir a recomposição da margem de lucro dessas empresas tão rápido quanto a velocidade da luz.
Nas “justificativas” apresentadas pelas empresas e pela ANEEL para os reajustes regulares e extraordinários e para as “bandeiras tarifárias” encontramos, entre outras, o fim do aporte do governo a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) na ordem de 9 bilhões, o que fez passar a obrigação destes repasses para os consumidores. Mas será que algum consumidor foi perguntado sobre essa decisão? Quantos foram consultados se gostariam de passar a pagar pelo ajuste fiscal do governo e pela manutenção de altas taxas de lucro dos empresários?
A assim chamada “crise hídrica” também foi escolhida para colocar a culpa em São Pedro e encaminhar a fatura para os pobres. A questão ecológica do baixo volume de chuvas em algumas áreas do país no último período é um tema que abordaremos num próximo artigo, mas já vimos que o governo encontrou a melhor forma de garantir os lucros do grande empresariado do setor elétrico, impondo aos consumidores o pagamento da conta da crise.
A transição do setor elétrico brasileiro do modelo estatal para o privado foi arquitetada com um discurso que anunciava garantir, através da privatização, os recursos para a construção de novas usinas, redução dos riscos de déficit de energia elétrica, os chamados apagões, eliminação de desperdícios nas redes de transmissão e aumento de produtividade. Mas mesmo com esforço, é muito difícil acreditar que uma empresa de energia elétrica privada tenha tantos prejuízos, se toda a sociedade depende dessa mercadoria o tempo inteiro.
Mas vamos considerar que realmente estas empresas estejam tendo muitos prejuízos. Se uma empresa concessionária de um serviço público não está satisfeita com os rendimentos do empreendimento, por que não devolve a concessão ao Estado? Na hipótese do governo se recusar a autorizar o aumento da tarifa aos consumidores, qual seria também a dificuldade de transferir a exploração do serviço para outra empresa interessada? Ou melhor, o governo poderia reestatizar o setor. Se um presidente no passado conseguiu privatizar centenas de estatais, por que outro não conseguiria reverter a privatização? Que pelo menos tentasse! Para honrar o voto que recebeu dos trabalhadores, a classe social que a “mãe dos pobres” diz representar. O que está em questão é abastecimento de energia elétrica, um recurso estratégico para a soberania de nação.
Outra coisa que devemos refletir é que os reajustes de energia não castigam somente as famílias, estão incidindo fortemente também no parque fabril brasileiro que já vinha se arrastando pela falta de demanda nos últimos anos, dada a natureza da crise de superprodução de mercadorias. As indústrias só não sentiram mais os efeitos da crise até hoje porque Lula e Dilma tomaram medidas cosméticas que apenas maquiaram a realidade da crise e a empurraram um pouco mais pra frente à custa do dinheiro público e de direitos dos trabalhadores através de pacotes de privatizações, desoneração da folha de pagamento, desoneração tributária, Copa do Mundo, Olimpíada etc.
Com o reajuste “extraordinário” autorizado pela ANEEL em fevereiro o custo médio do megawatt/hora para a indústria chegou a R$500,00, o que coloca o Brasil em terceiro lugar (antes ocupava a sexta posição) num ranking internacional de 28 países em matéria de energia cara, só perdendo para Itália e Índia [4]. Esta inflação de energia de alta tensão, que é usada pelas indústrias, deve bater violentamente ao longo do ano. Vai repercutir em todos os estabelecimentos comerciais e industriais. E sabemos que isso será repassado para o bolso dos consumidores, vai impactar fortemente em todos os preços.
Parece que diante da crise financeira a opção de Dilma é usar gasolina para tentar apagar o fogo. A imprensa anuncia que os altos reajustes e as “bandeiras tarifárias” estão contribuindo para uma alta nos custos de toda a produção nacional, e uma escalada da inflação, e com isso a volta do pesadelo do desemprego. Hoje a sensação das pessoas no Brasil é de que a vaca não só tossiu, mas marcha para o brejo, e parece que só a Dilma não viu.
No Rio de Janeiro o aumento para famílias e indústrias clientes da empresa AMPLA foi um dos maiores.
Sobre o aumento da tarifa da AMPLA no RJ
A população atendida pela concessionária e distribuidora de energia elétrica AMPLA compreende 2,8 milhões pessoas no RJ nos municípios de Niterói, São Gonçalo, Magé, Itaboraí e mais de 60 outros, num total de 73% da área territorial do estado [5]. Estas famílias despertaram na manhã de quarta-feira (11/03) com a notícia de aumento médio de 42% na energia elétrica a partir de 15 de março (aumento de 34% para as residências e 56% para indústrias), já daqui a 4 dias!
O reajuste foi muito maior do que o já grande reajuste realizado pela empresa Light de 22% na revisão tarifária “extraordinária” de fevereiro, mês passado, aos consumidores da capital e seus demais municípios do estado atendidos. E o próximo reajuste já está anunciado para novembro, quando o contrato de concessão da Light faz aniversário [6]. Que belo presente! Dois gigantes reajustes por ano! Nenhum trabalhador teve aumento de 40% no seu salário, mas os acionistas das empresas de energia têm o aumento que querem na hora querem, várias vezes ao ano.
A credibilidade da AMPLA entre a população não é maior do que a dos bancos ou das empresas de ônibus, nota zero. Basta uma chuvinha para faltar energia, algumas localidades ficam dias sem luz depois de um temporal. Famílias e comerciantes são prejudicados constantemente. Mas basta atrasar o pagamento, para sem erro, a energia ser cortada.
A AMPLA é uma péssima empresa, uma pesquisa da ANEEL divulgada na primeira semana deste mês avaliou a qualidade dos serviços prestados e a classificou como a pior concessionária de região Sudeste. A metodologia do estudo levou em consideração a quantidade de horas que os consumidores ficaram sem abastecimento de energia e a quantidade de ocasiões que a distribuição foi interrompida [7]. Isso releva uma situação patética, pois para o Governo e a ANEEL parece que o critério é premiar com autorização de um reajuste maior a concessionária que forneceram o pior serviço a população. Seria um jogo que ganha quem prejudicar mais o povo?
Os donos da AMPLA agem ao seu bel-prazer, nem mesmo os vereadores conseguem descobrir os detalhes de investimentos da empresa para garantir as melhorias dos seus serviços, mesmo depois de vereadores integrantes da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Municipal de São Gonçalo se reunirem com a direção da AMPLA em 3 ocasiões. Essa é uma postura inaceitável de uma concessionária de um serviço público e um reajuste abusivo que será questionado no Ministério Público Federal por esses parlamentares [8]. Uma ação correta, pois a população não pode ser obrigada a pagar por esse aumento absurdo.
Lembramos que na região atendida pela Ampla, encontramos os operários do COMPERJ que receberam seu último salário em outubro de 2014. Também estão os metalúrgicos dos estaleiros, cujos funcionários estão sendo demitidos. Citamos também os terceirizados da Universidade Federal Fluminense, que ganham em média um pouco mais de um salário mínimo e só receberam o décimo terceiro de 2014 no mês de fevereiro de 2015. Sem contar professores, bancários e tantos outros trabalhadores e trabalhadoras com salários achatados por anos e anos. Muitas destas famílias vivem no limite do seu orçamento doméstico, várias delas até já tiveram sua energia cortada. E agora recebem com desespero a notícia de que a energia elétrica ficará mais cara.
Cabe dizer que todos estes aumentos abusivos foram autorizados pela máfia das agências reguladores (ANEEL) criadas para dar cobertura e aparência de legalidade como reajustes “justos” de tarifa dos serviços públicos privatizados (energia, transporte, água, telefonia) e fazer vista grossa diante da precariedade destes serviços prestados. Mas é preciso lembrar que tudo isso foi autorizado pelo Governo.
A responsabilidade da Dilma
A bondade do governo brasileiro aos capitalistas parece não encontrar limites. Com o objetivo de tentar salvar o faturamento da indústria, tentando maquiar os impactos da crise financeira com uma espécie de controle fictício, lembramos que Dilma tomou medidas de barateamento das tarifas de energia em 2012. O que na realidade significou redução dos custos de produção das indústrias à custa do dinheiro público, usando como fachada a diminuição do custo de energia para os pobres, sendo que mesmo a redução da tarifa de energia residencial, sem critérios e limites, acabou beneficiando mais os “Malufs”, donos de grandes mansões, do que o povo.
Mas hoje, é a crise econômica internacional que cobra sua fatura. Seus impactos eram apenas negligenciados pelo Governo até pouco tempo. Lembremo-nos de quando Lula se empenhou em vender a ilusão de que ela não passaria de uma “marolinha”, como se o Brasil estivesse blindado. Mas, na verdade, o Governo só empurrou a crise mais para frente.
Num artigo recente de análise de conjuntura afirmamos:
(…) já ficou claro para todos que a “solidez” da economia brasileira vem se desmanchando pelo ar. Durante o primeiro governo Dilma, as Jornadas de 2013, em protesto contra o aumento do custo de vida e a repressão policial, foram contundentes em mostrar que alguma coisa estava fora da ordem. No seu segundo mandato, o governo petista afina suas cordas e toca a música da austeridade esperada pelo Capital. Juros elevados, cortes nos “gastos” públicos, reajustes nos preços dos combustíveis e da energia elétrica e ataque a direitos trabalhistas. (…) [9]
No capitalismo, os lucros são produzidos à custa da exploração dos trabalhadores. As empresas compreendem a população consumidora somente entre aqueles que podem pagar por suas mercadorias. Essa relação social é o que impede que os serviços públicos funcionem de forma eficaz e tenham um preço justo. Em todos estes anos os trabalhadores vêm votando no PT como uma forma de resistir aos sanguessugas e saqueadores da nação, enquanto Lula e Dilma aplicaram uma política de alianças com partidos de direita, privatizações e subordinação ao capital, maquiada por distribuir algumas migalhas a população mais pobre e mais vulnerável. Mas nesse momento, a confiança dos trabalhadores na política do PT está despencando. Afinal, como podem compreender que a Presidente está do seu lado quando se sabe que ela autorizou aumentos de energia elétrica exorbitantes como esses? É verdade que ainda restam ilusões, mas muita gente já duvida da capacidade do Governo de superar a crise com políticas de austeridade e pacotes de maldades contra os trabalhadores.
As tarefas dos trabalhadores
Para derrubar o aumento da tarifa de energia é necessário unificar as lutas em curso. Há que partir para a periferia, para as escolas, fazer assembleias, reuniões, unificar a luta contra o aumento da tarifa do transporte, com as greves de trabalhadores, com as passeatas de estudantes, com a luta pelo acesso a água, construir uma sólida unidade desde a base, forçar os sindicatos e as Centrais Sindicais a entrarem nestas lutas, forçar as entidades estudantis, os movimentos populares etc. As manifestações de rua são importantes sim, mas só a auto-organização dos trabalhadores pode abrir uma perspectiva duradoura.
O país atravessa uma crise econômica e política e as diversas mobilizações de trabalhadores e jovens que estão surgindo em todo canto, como greves ou protestos espontâneos, estão se confrontando contra as políticas de austeridade, contrarreforma trabalhista etc. No caso da energia elétrica é defender a isenção de tarifa para trabalhadores e trabalhadoras desempregados. E conectar a campanha a um programa que responda aos efeitos da crise financeira como um todo com a bandeira da reestatização de todos os serviços públicos e empresas privatizadas, entre eles, o sistema de produção e distribuição de energia elétrica.
Com o aprofundando da crise, é preciso também levantar as bandeiras pelo decreto de estabilidade no emprego e uma “escala móvel de salários” para que todo salário seja corrigido mensalmente, acompanhando o aumento do custo de vida do povo. Se as empresas de energia elétrica podem receber isso, por que os trabalhadores não merecem também? Um Governo comprometido com os trabalhadores não deixaria que a inflação corroesse os salários no lucro dos patrões, estes que vendem suas mercadorias mais caras com frequência enquanto pagam um salário congelado aos funcionários.
A formação de uma Frente da Esquerda Unida entre as organizações políticas de trabalhadores e jovens que não se renderam ao capital pode ser muito útil nessa tarefa de unificar e organizar os trabalhadores desde a base abrindo o caminho para a vitória.
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NOTAS E REFERÊNCIAS:
[1] – Mestre em Geografia pela UFF. Contato: reis.geografia@gmail.com
[2] – MARTELLO, Alexandro. Energia elétrica deve subir 38,3% neste ano, estima Banco Central. Portal G1. 12/03/2015. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/03/energia-eletrica-deve-subir-383-neste-ano-estima-banco-central.html
[3] – PEDUZZI, Pedro. Aneel aumenta valores da bandeira tarifária. Site da Agência Brasil. 06/02/2015. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2015-02/aneel-aumenta-valores-da-bandeira-tarifaria
[4] – PEIXOTO, Ari. Reajustes no custo da energia estão prejudicando a indústria brasileira. Site do Jornal da Globo. 12/03/2015. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/03/reajustes-no-custo-da-energia-estao-prejudicando-industria-brasileira.html
[5] – Informações retiradas do site da concessionária Ampla. Disponível em: www.ampla.com
[6] – SAVEDRA, Paloma. Conta de luz da Ampla terá aumento médio de 42,19%. Site do jornal O Dia. 10/03/15. Disponível em: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-03-10/conta-de-luz-da-ampla-tera-aumento-medio-de-4219.html
[7] – Ranking de qualidade do serviço das distribuidoras de energia. Site da ANEEL. 05/03/15. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias/Output_Noticias.cfm?Identidade=8426&id_area=90
[8] – Conta de energia sobre até 56%. Jornal O Fluminense. Niterói. 11/03/15
[9] – STOIEV, Fabiano. Greve de massas no Paraná: A classe trabalhadora entra em cena. Site da Esquerda Marxista. 24/02/15. Disponível em: https://www.marxismo.org.br/content/greve-de-massas-no-parana-classe-trabalhadora-entra-em-cena