Nas aulas de História que já ministrei como licenciado em Geografia (distorções do ensino público), ou mesmo nas aulas de Geografia, quando tratava da denominada “Lei Áurea” (nome nada despretensioso!), indagava aos alunos (todos pobres e, na grande maioria, negros) das turmas de Educação de Jovens e Adultos se já haviam lido a tal lei e se sabiam quantos artigos a mesma tem. Uma pequena parte, em algumas turmas, dizia algo além do senso comum, mas a grande parcela somente reproduzia o que já ouviu dizer: “é a lei que libertou os escravos”.
Então me colocava a ler com eles os artigos da lei, que dizem:
“Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário”.
Alguns me perguntavam se já havia lido tudo, outros, ainda, não se apercebiam do que realmente fala a lei.
Depois da leitura, sempre iniciava o diálogo que, acredito, poderá se enquadrar nas “Leis da Mordaça” que começam a pipocar país afora (sobre isso leia o artigo Lei da Mordaça. O significado histórico e nosso combate).
Foram os escravos que foram libertos ou a escravidão que foi extinta?
Com a extinção da escravidão, os escravos simplesmente deixaram de existir?
O que antes era propriedade privada (os escravos) virou o que?
Cidadãos ou súditos (uma vez que o Brasil era um Império à época), dotados de plenos direitos e inseridos na sociedade?
Bem, acredito que muitos que leem estas linhas sabem bem as respostas e para onde se caminhava o diálogo nas aulas, afinal, estava debatendo com aqueles que sofrem até hoje com as consequências dos séculos de jugo escravocrata, sob o controle de uma classe exploradora.
Não há dúvida de que a abolição cumpriu um marco histórico indiscutível, mesmo estando longe de realizar sua suposta tarefa: extinguir o uso de mão de obra escrava, libertar os negros e indígenas aprisionados e cumprir o direito a igualdade. A “Lei Áurea”, não incluiu os negros, explorados, tão aviltantemente, na sociedade brasileira, relegando a estes sua margem mais deplorável. Essa “inclusão” jamais poderia ocorrer dentro dos marcos do capitalismo, uma vez que é da natureza desse sistema econômico se apoiar na exploração da força de trabalho de uma maioria, em benefício de uma minoria parasitária, ou seja, a liberdade da abolição era a liberdade do ponto de vista burguês, uma liberdade que não enfrenta a propriedade privada dos grandes meios de produção.
A abolição é, desse modo, uma concessão, a contragosto, por parte da burguesia, em virtude de todo um processo de lutas que passa pelos quilombos e várias insurreições (vide sobre isso o artigo da Esquerda Marxista Viva o 13 de maio! Viva a Abolição! Abaixo ao capitalismo!)
Um aspecto pouco considerado é que a promulgação da “Lei Áurea” também representa a adoção oficial do assalariamento no Brasil, a forma de exploração da força de trabalho capitalista. Mas sob quais condições?
Depois de 13 de maio de 1888, um ser humano não detinha mais propriedade direta sobre outro (ao menos não formalmente, pois bem sabemos que a exploração similar à escravidão é praticada até hoje, em pleno século XXI!), tendo que se “contentar” em comprar sua força de trabalho; tendo o possuidor deste último, “livremente”, o direito de “gozar” da remuneração por seu trabalho e usá-lo para remediar sua sobrevivência. Mas sob quais condições? Aquelas, muito semelhantes às impostas pela já extinta escravidão, mantendo a recusa de aceitá-los como cidadãos livres, como todos outros que nesse território viviam.
Assim, como produto da negação dos direitos mais básicos, como acesso à saúde e educação, há um processo de importação de mão de obra estrangeira, agora da Europa, para operar as tarefas que aos negros decidiu-se impedir. Esse processo foi intitulado “embranquecimento” de um país que agora se via negro com o arremedo institucional dado à escravidão, os “desejáveis” trabalhadores brancos europeus ocuparam uma posição que, aparentemente, havia sido posta como vaga pela “Lei Áurea”. Contudo, encontravam, via de regra, as senzalas, quase sempre ainda ocupadas, como opção para realizarem “o sonho de fazer a América”, incentivado por aqueles que os induziam a vir para o Brasil. A termo, negros e brancos, irmãos da agora classe proletária que passava a carregar sobre suas costas a geração da riqueza do país sob o mesmo jugo, em nada viam as benesses alardeadas (muitas vezes até hoje por despercebidos professores que, simplesmente, repetem o que os currículos escolares recolhem da história oficial) pela “bondade” das autoridades do então Império.
E exultantes de alegria ficaram os capitalistas mundiais que, além de receberem as já baratas matérias-primas que o Brasil exportava, ainda ganhavam a ampliação do mercado a seus produtos manufaturados!
Ao final de contas, o nome da lei sancionada por Izabel até que não lhe cai tão mal, só precisando ser complementado: “lei áurea ao capitalismo”…
Cabe aos trabalhadores, negros e brancos, mulheres e homens, a tarefa histórica de continuar escrevendo a verdadeira lei áurea, representada pela luta incessante contra toda a exploração de uma classe sobre outra. Pela Revolução Proletária! Pelo Socialismo