Foto: ken fager, Flickr

Black Lives Matter: o fuzilamento de Jacob Blake reacende a raiva latente

Outro homem negro desarmado foi baleado pela polícia, desta vez em Kenosha, Wisconsin. O vídeo que agora se tornou viral começa com Jacob Blake aproximando-se de seu carro para abrir a porta do motorista para entrar, sendo seguido de perto por dois policiais. Um dos policiais puxa Blake pelas costas da camisa para impedi-lo de entrar em seu veículo, e quase imediatamente começa a atirar à queima-roupa, disparando sete tiros nas costas de Blake. Não mostrados no vídeo estavam os filhos pequenos de Blake, sentados no banco traseiro. Blake foi internado no hospital e seu pai diz agora que ele ficou paralisado da cintura para baixo.

Durante a noite eclodiram protestos em Kenosha, uma pequena cidade localizada no Lago Michigan, entre Chicago e Milwaukee, com uma população de um pouco mais de 100 mil habitantes. A ira se intensificou quando veículos, pequenos negócios e prédios do governo foram incendiados em duas noites seguidas de protestos. Em resposta, a polícia ergueu barricadas e utilizou gás lacrimogêneo e violência contra os manifestantes.

Até recentemente, seria impossível imaginar tal explosão social nessa pacata cidade dormitório. Mas os protestos massivos de Black Lives Matter, neste verão, revelaram a intensa ira sentida por milhões de pessoas com a enorme desigualdade que existe no mundo em que vivemos.

A divisão entre urbano e rural nos EUA, que antes parecia intransponível, está se desfazendo à medida que a violência do capitalismo e de seu Estado se intensifica em todos os cantos do país. Cenas de repressão brutal, antes amplamente ignoradas pela mídia, agora são cada vez mais vivenciadas diretamente – ou capturadas em vídeos para que todos as vejam. Depois de meses de uma pandemia mal controlada, que se associa a uma crise econômica paralisante, Washington continua sem fazer nada e há poucos sentimentos de benevolência com relação ao governo dos EUA em qualquer parte do país.

Dentro de 48 horas, as manifestações em Kenosha foram acompanhadas por manifestações em Madison, Nova York e Minneapolis, onde cinco manifestantes foram presos. Em Minneapolis, os protestos, que, embora menores, ainda continuam a partir da morte de George Floyd, se prolongaram durante semanas sem prisões, violência ou danos materiais. O reaparecimento da polícia nesses protestos e a repressão instantânea em Kenosha indicam que estão querendo desesperadamente acabar com o movimento antes que decole mais uma vez.

Na terceira noite de protestos, as apostas subiram quando um pequeno grupo de homens armados, que “vigiavam” um posto de gasolina, atirou contra os manifestantes depois que a maioria deles já havia se dispersado durante a noite, matando duas pessoas e ferindo outra.

Esses vigilantes isolados não têm nada em comum com os comitês de defesa de bairro e com as patrulhas que surgiram em Minneapolis após os protestos a respeito do caso de George Floyd. Esses últimos surgiram de forma orgânica para proteger as pequenas empresas das quais dependem os trabalhadores em seus bairros, principalmente nos bairros pobres e negros. Apesar de em muitos casos essas patrulhas serem armadas, o único tiroteio ocorrido durante os protestos de Minneapolis aconteceu antes dessas patrulhas começarem a operar. Em contraste, os “vigilantes” em Kenosha eram indivíduos de direita que queriam ajudar Trump a impor a “lei e a ordem” por meio da prática do “vigilantismo” do Oeste Selvagem.

Em resposta, o governador de Wisconsin, Tony Evers, pretende dobrar o número de soldados da Guarda Nacional nas ruas. No entanto, se a experiência anterior servir de exemplo, quaisquer forças adicionais do Estado serão utilizadas para reprimir ainda mais aos manifestantes, e não ao alt-right [extrema-direita]. Devemos lembrar que o surgimento do alt-right não é apenas uma função de Donald Trump, mas também dos Clinton, de Obama e de Biden. Trump é uma consequência da polarização política geral e da decadência do sistema capitalista.

Não é um detalhe desprovido de importância que este último ataque ocorreu muito depois que a multidão havia diminuído. Esses covardes reacionários com armas nas mãos sabem que não teriam a menor chance – armados ou desarmados – contra um protesto em seu auge.

https://twitter.com/ChalecosAmarill/status/1298275022608437248?ref_src=twsrc%5Etfw

Em Minneapolis, bem como em outros lugares, a questão da defesa dos protestos contra os órgãos repressivos oficiais e não oficiais do Estado capitalista, por meio da ação coletiva dos trabalhadores, está se destacando cada vez mais. O potencial para que sejam estabelecidos comitês de defesa de bairro, para proteger e forjar a unidade da classe trabalhadora, é enorme em Kenosha. Mas não podemos ficar na dependência do movimento para que se criem espontaneamente essas estruturas, como aconteceu em Minneapolis. Mesmo em Minneapolis, seu surgimento não foi totalmente espontâneo. Pequenos grupos, mas bem estabelecidos, como o NAACP [Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor] e o AIM [Movimento Indígena Americano], nos quais confiavam os manifestantes, já existiam e tomaram a iniciativa de formar ou expandir os comitês existentes. Por essa razão, é tão importante contar com uma direção revolucionária comprometida implacavelmente com a independência de classe, preparada com antecedência.

Os policiais que utilizaram armas taser e depois dispararam contra Jacob Blake têm 30 dias para apresentar um relatório, enquanto esperam que a poeira baixe, no conforto de uma simples suspensão. Mas as brasas ainda estão quentes devido aos protestos deste verão. Na noite anterior ao fuzilamento de Blake, começaram os protestos sobre outro tiroteio policial em Lafayette, Louisiana, depois que policiais mataram Trayford Pellerin em frente a uma loja de conveniência. Enquanto isso, os protestos em Louisville, Portland e Minneapolis continuam a atrair pequenas multidões.

As autoridades estão apelando continuamente às pessoas para que esperem o andamento dos processos legais. Isso significa depositar nossa fé no mesmo aparato estatal que cometeu o crime. Derek Chauvin, o policial que matou George Floyd, tem julgamento marcado para o dia 8 de março de 2021 – tempo de sobra, esperam eles, para as pessoas seguirem em frente e voltarem à costumeira rotina diária. Mas, quando novas vítimas do terror policial surgem a cada semana, não podem simplesmente ficar pressionando o botão de alarme, sempre que for necessário, e esperar que as pessoas voltem a dormir. O apelo do sindicato da polícia para “esperar até que tenhamos todos os fatos” também pode ser dirigido a uma mulher grávida que entrou em trabalhos de parto. A necessidade de se mudar a sociedade está muito atrasada – e apenas dizer “esperem” não pode deter as convulsões ou o curso da natureza.

Muitos democratas tuitaram suas condenações ao fuzilamento. Joe Biden pediu uma investigação. Ainda antes de Blake ser baleado, o prefeito democrata de Kenosha declarou o racismo como uma crise de saúde pública. Mas as pessoas de todo o país viram exatamente como o governo lida com crises de saúde pública, como a Covid-19, de forma partidária, emitindo grandes declarações, mas sem fazer nada de importante.

A quantidade inumerável de crises que atingiu os trabalhadores e os pobres levou a explosões sociais de uma cidade a outra nos últimos meses. Agora, a pequena Kenosha está no epicentro, com carros e prédios em chamas, e tempestades de gases lacrimogêneos e balas de borracha.

Martin Luther King disse que “os motins são a linguagem dos que não são ouvidos” Foto: ken fager, Flickr

O presidente Trump castigou o governador do Oregon por não ter chamado a Guarda Nacional antes de reprimir o “Muro das Mães” de Portland. Mas o governador democrata de Wisconsin não perdeu tempo em chamá-los para “manter a ordem”. Ambos os partido estão de acordo, na prática, em manter uma força armada bem financiada e de prontidão para ser utilizada contra a classe trabalhadora em caso de um levante.

Martin Luther King Jr disse uma vez que “os motins são a linguagem dos que não são ouvidos”. Enquanto os rogos desesperados de “não posso respirar!” são desconsiderados pelo Partido Democrata capitalista, que oferece apenas mudanças cosméticas, as explosões de raiva em massa são o novo normal.

Mas, enquanto o movimento permanecer sem liderança, não terá direção. Sem dispor de uma válvula de escape eficaz para a ira reprimida, a desorganização abre espaço para que indivíduos, quadrilhas de bandidos e provocadores confundam ainda mais as coisas por meio da destruição mesquinha de propriedades. Como marxistas, não defendemos a propriedade privada do vandalismo como o fazem os capitalistas. Um carro ou uma agência bancária em chamas não é de forma alguma equivalente aos horrores infligidos a bilhões de pessoas pelo sistema da propriedade privada dos meios de produção. Mas esses métodos não podem oferecer um caminho para se sair do impasse social que ameaça arrastar toda a humanidade para o abismo.

Os sindicatos dos trabalhadores em Wisconsin e Illinois devem assumir a liderança. Existem mais de um milhão de trabalhadores sindicalizados somente nesses dois estados. Os líderes trabalhistas devem aproveitar sua grande quantidade de membros e recursos para coordenar a formação de comitês de autodefesa dos trabalhadores locais, que devem estar conectados em termos regional e nacional. Eles devem começar imediatamente os preparativos para greves gerais em todo o estado. Essas medidas por si só podem proporcionar um controle real sobre o uso da violência por parte do Estado. Os trabalhadores em Minnesota, Oregon e em outras partes do país atenderiam avidamente a um apelo de ação como este. Isso prepararia o terreno para uma greve geral em todo o país que colocaria em questão todo o status quo.

Em vez de fazer isso, a direção sindical está tentando desesperadamente canalizar a energia do movimento para votar em democratas como Joe Biden – um “reformador” do bem-estar social e amigo da segregação que se manifestou abertamente contra a modesta exigência de desfinanciar a polícia, mesmo que parcialmente. Sem mencionar sua companheira de chapa, Kamala Harris, a ‘ex-policial top” da California. Trabalhadores de todo o país têm saído às ruas aos milhões, movidos pelo sentimento de que uma ofensa a um é uma ofensa a todos – está na hora de a direção sindical mostrar serviço.

Lute contra o racismo com a solidariedade da classe trabalhadora – prepare-se para uma greve geral!

Romper com os dois partidos capitalistas racistas – por um partido socialista de massas da classe trabalhadora!

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.

PUBLICADO EM SOCIALISTREVOLUTION.ORG