Grevistas organizados na COB se enfrentam ao Governo Evo Morales que, por sua vez, busca utilizar setores camponeses do MAS para atacar a COB e defender o governo. Este artigo de 15 de abril analisa a situação e aponta as tarefas urgentes dos marxistas.
A mobilização dos trabalhadores bolivianos se amplia a cada dia. As principais reivindicações: por um aumento salarial maior do que os 10% decretados pelo governo; a revogação do decreto DS-21060; a nacionalização das minas; e a defesa do Fundo Nacional de Saúde – começam a ganhar apoio e simpatia dos setores populares atingidos pela crise. Mesmo assim alguns dirigentes da CONALCAM (Coordenação Nacional em Defesa da Mudança), principalmente o setor camponês e da coca, lançaram declarações beligerantes contra a COB (Central Operária Boliviana) e os trabalhadores, anunciando medidas para desbloquear as estradas e para defender o governo. Quais são então as perspectivas para essa luta? Que posição devem assumir os revolucionários?
As bases materiais da greve
Como escreveu o jornalista e ex-ministro de Hidrocarbonetos, Andres Soliz Rada, o “gasolinazo” teve o efeito de uma desordem – “ordem mais contra-ordem é igual a desordem” – que destapou a espiral inflacionária até agora descontrolada.
O aumento de preços acumulado em 12 meses foi de 11,1% em março de 2011, fazendo com que o aumento salarial de 10% oferecido pelo governo seja objetivamente insuficiente. O aumento nos preços dos alimentos é ainda maior, 18,5%, superior inclusive aos 15% reivindicado pela direção da COB.
Como já escrevemos muitas vezes no passado, a quase totalidade do governo e dos dirigentes do MAS, excluindo-se apenas Evo Morales, não têm autoridade frente aos trabalhadores e ao povo boliviano para pedir-lhes “racionalidade” e “consciência revolucionária”, ou seja, de adiar os seus pedidos até a execução dos planos de reativação da produção, particularmente na produção agrícola.
Inclusive uma resolução da reunião ampliada da direção da Juventude do MAS em Santa Cruz de la Sierra exige uma mudança no gabinete ministerial.
Ocorre que enquanto os trabalhadores sofrem as consequências da crise econômica, vêem lucros excepcionais das multinacionais, a sabotagem da burguesia nacional, a corrupção em todos os níveis do aparelho do Estado (Alfândega, empresas estatais, Fundo Nacional de Saúde, etc.) e escutam de seus ministros discursos dignos do FMI.
As reivindicações dos trabalhadores
Apesar da urgência da questão salarial dos trabalhadores eles não estão exigindo apenas aumentos salariais. Na medida em que avançam as lutas suas demandas também vão evoluindo. Por exemplo, frente às denuncias de corrupção no Fundo Nacional de Saúde com a diminuição da qualidade do atendimento médico nesta instituição, os trabalhadores da saúde colocam agora a exigência do controle dos trabalhadores sobre o CNS (Conselho Nacional de Saúde), em sua contabilidade e administração.
Já que nosso governo e o MAS – partido que colocava em seu programa que “os trabalhadores devem ter participação na tomada de decisão na administração, nos lucros das empresas, públicas ou privadas” – deve-se apoiar firmemente esta reivindicação como base para a resolução dos conflitos com os trabalhadores da área da saúde.
O setor mineiro é que com mais ênfase está buscando incorporar a questão dos salários em uma visão política do que é e deve ser chamado “processo”. As principais demandas da FSTMB (Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros da Bolívia) não são tanto o salário, mas sim as medidas que impeçam que um aumento de salário se traduza, no marco de uma economia capitalista, em inflação. Por isso exigem a revogação do decreto DS-21060 – que abriu a era do livre mercado na Bolívia – e a nacionalização de um conjunto de minas, especialmente aquelas operadas por três multinacionais, nos departamentos de Potosí, Oruro e La Paz. O governo lhes está oferecendo a renacionalização de algumas minas antes pertencentes à Comibol e um decreto no qual se considere a alteração de todas as leis derivadas do decreto 21060, para em seguida proceder sua revogação, o que é considerado insuficiente.
Mitma Guido, diretor da FSTMB numa coletiva de imprensa exortou novamente a Evo Morales para que escute e atenda aos trabalhadores explicando que “os mineiros não estão pelos salários, esta é uma questão que podemos fixar internamente com o empregador, entre os trabalhadores. Nossa luta é política, porque levanta problemas gerais do povo [referindo-se ao decreto e à nacionalização das minas] e por isso o povo nos apóia”.
Os mineiros, nos últimos anos, chegaram a um consenso por meio de uma aliança com o MAS da qual se esperava um diálogo produtivo com o governo. Sua firmeza e radicalidade se dá agora porque depois de ter experimentado o fracasso e o esgotamento das possibilidades de negociação com o governo, não lhes restou outra alternativa a não ser a de lutar. As suas declarações e ações mostram mais uma vez que a perspectiva dos mineiros não é antagônica ao processo, mas sim por sua verdadeira defesa e por seu redirecionamento.
A estratégia do governo
O governo suavizou os ataques contra a classe trabalhadora, particularmente contra o setor mineiro. De “golpistas que não queriam as nacionalizações” agora se reconhece suas reivindicações, a revogação do decreto 21060 e a nacionalização das minas. A artilharia midiática da Vice-presidência modificou seu discurso. A campanha agora aponta para convencer os mineiros que o 21060 (que dantes o Vice declarava já morto) será revogado, que é este o governo que está refundando a estatal COMIBOL (Corporação Mineira da Bolívia).
A intenção é evidente: separar o setor mineiro da mobilização. Isto foi o que permitiu a desarticulação do movimento grevista por salários no ano passado, quando os mineiros abandonaram a marcha de Caracollo a La Paz no meio do caminho, na localidade de Panduro, depois de ter acertado com o governo um acordo que consideraram satisfatório por agilizar a Lei de Pensões e outros temas. Isso permitiu liquidar a greve lançando ataques do governo contra os outros setores, por exemplo, contra o magistério, na forma de descontos sobre os salários como medida punitiva frente às mobilizações e com agressões às suas sedes sindicais.
A presença dos mineiros representa para o governo um problema de natureza múltipla. É um problema econômico, porque uma greve prolongada dos mineiros é insustentável pelo lugar que ocupa na economia nacional. Ainda que sejam somente 12 mil os trabalhadores das minas privadas e das estatais não cooperativadas, deve-se a eles, note-se bem, 48% de todas as exportações bolivianas! (Fonte IBCE). É também um problema político, porque os mineiros estão mexendo na ferida das contradições do processo. E é também um problema social, porque ainda que setores do governo estejam acariciando a idéia de mobilizar os camponeses e a pequena burguesia contra os trabalhadores, isto é mais difícil quando em campo estão os mineiros, por sua determinação, por sua combatividade, por seu nível organizativo e principalmente porque os mineiros são Quispe, Choque, Colque, Mamani etc., ou seja, não são as oligarquias euro-descendentes, mas sim os filhos de nossas comunidades.
As ameaças da CONALCAM
Ainda que tenhamos dito que há indubitavelmente ministros muito ativos na preparação de uma contra-ofensiva social à mobilização operária, não podemos esquecer que nas próprias filas do setor camponês e originário e nas demais organizações que conformavam a Coordenação Nacional pela Mudança (CONALCAM) não há a mesma determinação que em ocasiões anteriores. Uma coisa é lutar contra a oligarquia, outra coisa é uma luta entre frações do movimento. Não nos esqueçamos ainda o nível de descontentamento que também há dentro das filas dos camponeses originários, os quais foram iludidos com a promessa de um “governo dos movimentos sociais” para depois enfrentarem uma superior “razão de Estado” por detrás da qual estão os interesses alheios à sua luta revolucionária.
Diferentemente de 2008, quando teve a tentativa golpista na região da Meia Lua, só o dirigente da CSUTCB anunciou publicamente a intenção de sair a marchar. O Conselho Nacional de Ayllus e Markas de Qullasuyu (CONAMAQ), organização das comunidades originárias do Ocidente, pela boca de seu dirigente Sergio Hinojosa tem declarado que não participarão de nenhuma mobilização contra a COB. A CIDOB está verticalmente dividida, resultado do mal-estar em relação ao tratamento que os indígenas do Oriente receberam do governo. Outros setores que conformavam a CONALCAM, como a própria COB, ou estão do outro lado ou têm suas próprias contas pendentes com o governo, como os cooperativistas mineiros. E à medida que a amplitude da mobilização dos trabalhadores cresce, diminui também a força social capaz de neutralizá-la.
Isto não quer dizer que está descartada uma dolorosa luta fratricida, particularmente se a partir dos setores do governo que articulam esta hipótese se consegue fazer passar a idéia de que os trabalhadores estão mobilizados contra o governo. É neste contexto que o extremismo de algumas correntes políticas da COB dá uma objetiva ajuda à burocracia do governo e poderia inclusive motivar uma retirada dos mineiros sobre a base de um acordo como o de Panduro, se os mineiros – que, ainda que tenham manifestado não ter medo de nenhuma agressão, evidentemente não a querem – se vissem apertados em uma morsa entre sectarismo e reformismo.
Perspectivas
A sabotagem da produção e a suspensão dos investimentos da burguesia nacional e pelo imperialismo abriram as portas para a crise no país. O governo tem uma margem muito reduzida para fazer concessões reais à classe operária em matéria salarial e pela reativação do aparelho produtivo sem propor a questão da propriedade de nossos recursos, terra, minas, fábricas, e da especulação de bancos privados. Ainda que tivessem sucesso nas tentativas de tratar em separado as diferentes reivindicações, desarticulando a COB e principalmente separando o setor mineiro do restante da mobilização, o problema ficaria somente adiado. Por isso falta força para a hipótese da “contra-ofensiva social” à greve dos trabalhadores.
Mas esta se move em milhares de dificuldades internas e é diminuída pela crescente mobilização dos trabalhadores. Os próprios mineiros, por declaração do dirigente da COB de Oruro, não pararão a luta sem o seu aumento salarial de 15%.
É muito provável então que o governo terá finalmente que ceder, oferecendo algo mais de 10% e mantendo sua posição sobre o decreto 21060 e a nacionalização de algumas minas que foram privatizadas por aquele decreto. O que aprofundará uma crise só parcialmente camuflada dentro do gabinete diante da crescente rejeição popular às correntes mais abertamente pró-capitalistas do governo, refletidas nas políticas de corte monetarista e pró-imperialista do Ministro da Fazenda, Luis Arce, do qual há que se exigir novamente a renúncia.
Isso colocaria a necessidade de outra radicalização do processo frente à sabotagem na produção e de investimentos que fazem crescer a inflação. Isto demonstraria que só a mobilização pode reconduzir o processo e por isto é tão abertamente enfrentado com resistência por setores do governo e do MAS.
Os trabalhadores e suas vanguardas podem evitar um confronto fratricida com o setor camponês ou parte dele, e ganhar o seu decisivo apoio, incorporando suas reivindicações às reivindicações da classe operária, defendendo um programa que defenda também os interesses do campesinato e da classe média empobrecida. Um programa pela expropriação e fim do latifúndio, o fortalecimento da produção agrícola dos pequenos camponeses e comunidades agrárias, créditos baratos e abastecimento de produtos para os comerciantes. O que só é possível a partir da tomada do controle da economia nacional colocando-a sob controle operário e camponês para industrializar o país.
Potosí, 15 de abril de 2011.
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