No dia 31 de março deste ano, de forma súbita e injustificada, a Cervecería Boliviana Nacional (CBN) anunciou aos trabalhadores da fábrica da Pepsi em Cochabamba que as operações seriam encerradas imediatamente, deixando mais de 150 trabalhadores na rua. Depois no anúncio, os trabalhadores decidiram que não iam aceitar tal ofensa e tomaram a fábrica, que permanece ocupada até hoje. O Núcleo Comunista Revolucionário (NCR) se solidariza totalmente com a luta dos operários. Um dos nossos camaradas entrevistou Mario López, um dos trabalhadores da CBN. Confira a entrevista:
Quando foi anunciado o encerramento das operações, vocês exigiram provas de que houve perdas econômicas?
Claro! A primeira coisa que nos levou a reconhecer isso foi que através de mentiras e com supostos treinamentos, estavam nos ameaçando, em menos de um minuto nos disseram “operações encerradas”. Então o que fizemos foi tomar a fábrica, que é nossa fonte de trabalho, a segunda casa dos trabalhadores. Exigimos que nos mostrem se houve alguma falência técnica porque a única forma legal disso ser feito seria através de uma falência técnica comprovada, com auditorias internas e externas. Mas não demonstraram isso. Não porque não queira, mas porque não podem, pois não houve falência técnica. A Cervecería Boliviana Nacional (propriedade da empresa multinacional AB InBev), uma empresa transnacional não vai falir nunca. Essa empresa não vai falir.
A única coisa a que se agarram é a questão da escola ao lado da fábrica. Agora temos a declaração do diretor de que ele não reclamou. Ele, mediante documento, está desmentindo os patrões da CBN. Nada legal! Para mim, são atitudes infantis.
O que sabemos é que houve má gestãoe um gasto excessivo de verbas financeiras, é aí onde reside o erro administrativo. Então eles se deram mal e estão nos passando a conta desse erro. Nós dissemos: não vamos permitir. Primeiro, onde estão os relatórios financeiros, que mostram as receitas e as despesas? Onde o dinheiro foi investido? Se tivesse ocorrido uma falência ou qualquer situação semelhante, não teriam pagado nosso salário até o último dia. Fomos pagos, estamos com os salários em dia. Fomos pagos por tudo. Temos os bônus, que são lucros. Se tivesse havido uma falência, não nos teriam pagado sequer os bônus, então, de que estamos falando? Ou seja, eles por capricho, alguns gerentes de nível nacional, estão dizendo “vamos nos livrar deles e vamos ficar”. É um ato de força da administração contra os trabalhadores. Mas, nós, legalmente, temos tudo para ganhar.
Claro, porque no final eles querem encher ainda mais os bolsos em vez de pagar aos trabalhadores.
Sim. E, ao dar algumas migalhas, alguns encarregados querem liquidar os trabalhadores, coisa que não vamos permitir. Já dissemos que vamos chegar até as últimas consequências, se tivermos que oferecer nossas vidas para protegermos nossos empregos, porque temos famílias para sustentar, vamos fazer isso. Não sou só eu, Mario López, que digo isso,todos os trabalhadores dizem.
Como foi a reação do restante dos sindicatos e das organizações?
Eu te digo. As organizações se pronunciaram nos apoiando. O próprio Ministro do Trabalho e se comprometeu a emitir a resolução o mais rápido possível, e exigiremos dele. Espero que ele não tenha vindo apenas para tirar fotos e publicá-las, porque a situação está bastante complicada para o governo. Então conversamos, a confederação dos trabalhadores da fábrica também se manifestou e na segunda-feira vai se realizar uma reunião nacional aqui em nossos portões, para demonstrar a unidade dos trabalhadores. A intersindical das cervejarias também: veio pessoalmente Willy Valencia (Secretário-Geral do sindicato) e se comprometeu, ele está à espera de qualquer decisão para também tomar as medidas cabíveis.
Com relação à atitude do governo, veio o Ministro do Trabalho.
Sim, o próprio ministro veio aqui, nestas instalações. Ele se comprometeu a apoiar e a emitir a resolução para a reincorporação o mais rápido possível, “em menos de 48 horas”. Então estamos à espera da reunião na segunda-feira. Pediram um intervalo de tempo e a partir daí vai começar uma briga. Mas vamos realizar uma luta implacável, uma luta frontal, para colocar a empresa de joelhos. Já dissemos, sem querer falar demais, se tivermos de chegar a exigir do governo uma nacionalização vamos fazer isso, vamos fazer. E temos condições para isso: são pessoas mais velhas, gente com formação política média, vamos fazer isso até chegarmos às últimas consequências.
E se acontecesse a nacionalização, como gostariam de ver o funcionamento da fábrica?
Aí está a grande questão. Muitos dizem: o “patrão Estado” não administra bem, mas não esqueçamos que nós, os trabalhadores, não vamos entregar tudo a eles de bandeja e dizer: “bom, senhores do governo, administrem isto”. Não. Nós, os trabalhadores, talvez sejamos, como se diz, uma cogovernança administrativa da empresa porque também temos de cuidar dela.
Falando um pouco do real controle operário.
Claro, controle social. Então essas coisas serão resolvidas ao longo do caminho, algumas coisas serão organizadas. Mas tampouco ainda podemos dizer: o governo nacionalizou, agora basta tomar. Eles vão começar a querer tirar vantagem de tudo, pois sabemos que o Estado como “patrão” nesta conjuntura não está funcionando.
Se já estamos falando da conjuntura, do Estado em termos mais gerais, a situação do país está complicada. Então, como veem, como viram esta última administração do MAS? Como a veem também às vésperas das eleições?
Nós, como trabalhadores do setor privado, também analisamos. Então, para isso, muitos de nós, dirigentes a nível nacional, e sempre com as respectivas orientações, buscamos alguns pronunciamentos de gente que entende da matéria. Porque, lamentavelmente, o governo, para mim, está atrasado e se encontra atrasado. É um governo que não representa os trabalhadores. Diria que está mais com as empresas privadas, com as transnacionais. Não em vão, liberaram algumas exportações e a cesta básica disparou. Mas, segundo eles, e é por isso que me animo a dizer, em vez de chamar-se Luis Arce deveria chamar-se de Alice, porque vive no “país das maravilhas”.
Então nós lutamos, os trabalhadores estamos lutando desde a guerra da água para mudar o sistema. Evo Morales se aproveitou dessa luta dos trabalhadores, do povo, e assim se entrincheirou no Palácio Queimado (o palácio presidencial) dizendo que o MAS lutou, e isto é mentira. O MAS não lutou, o povo lutou com os trabalhadores da confederação de fábricas daqui de Cochabamba na liderança, desde a guerra da água. Foi aqui que começou. O que Evo Morales fez? Agarrou alguns que ali estavam, inclusive ex-funcionários que trabalharam com a direita, com governos do sistema liberal, e subiu com essas pessoas. Mas deixou de lado as pessoas que realmente lutaram. Lembro-me: onde estão Jaime Solares e Oscar Olivera, onde estão os grandes dirigentes que lutaram? O que Evo Morales fez: entrou nas organizações sociais e sindicais através de seus operadores políticos para romper, para fragmentar, e não para pedir apoio. Não lhe interessava destroçar qualquer dirigente, o que lhe interessava era que as pessoas gritassem “Evo! Evo!”.
Falam-nos de nacionalização. De que nacionalização falam? Não houve nacionalização, para mim, pessoalmente. Sim, houve algumas reformas nos contratos. Mas a nacionalização como tal, não houve. Dizer que houve um governo social é mentira, não houve. Para mim, continua sendo um governo neoliberal.
Falando precisamente de como seus agentes políticos se infiltraram nas organizações. Por exemplo o executivo da COB.
Veja, a COB, lamentavelmente, através deste senhor Huarachi, para mim, com perdão da palavra, uma prostituta. Pior. Essas pessoas ainda trabalham porque precisam. E ele, o que fez? Como lutou pelos trabalhadores? Não fez nada, nada de nada. Esteve com a Añez, com todos, a fim de se resguardar. Não fez nada! Onde está a COB, onde estão as organizações, as CODes? Já não há uma ideologia clara. É que tudo, como já te disse, se fragmentou através de seus operadores.
Onde está a independência política de classe? Onde estão as Teses de Pulacayo que divulgamos com os documentos políticos? Onde está o documento da Assembleia Popular de 1971? Ninguém fala disso. Por quê? Porque não convém a Evo.
Então, ele se endeusou através de pessoas que lhe apoiam sob quaisquer circunstâncias. “Viva Evo! Viva Evo!”. Mas “Viva Evo!” por quê? Ele faz seus sinais, seus juramentos com a mão no coração e com o punho esquerdo levantado. Eu lhes pergunto: o que significa isso? Muita gente não sabe sequer o que significa. Mas o fazem. Até onde conheço levanto a mão direita empunhada, mas sei o que significa. Muita gente não sabe o que significa.
“Processo de mudança”. Quem falava antes de processo de mudança? Ninguém. Falávamos e lutávamos para mudar o sistema, mas ninguém falava de processo de mudança. Evo se apropriou e falou de processo de mudança. E aí está aonde chegamos. Dias difíceis nos aguardam. Ali estão se rearticulando, todos do sistema liberal. Estão brigando entre eles também. Por quê? Porque são ambições de poder. Querem torná-lo um país federal, dizem que há que liberar as exportações. E o que isso significa? Significa inflação. E os pobres? E o que fazer das pessoas de classe média para baixo? Nada. A única coisa que fazem é velar pelo capital, pelo bolso dos ricos, e não pela fome dos pobres. Então, estas eleições para mim é apenas mais uma saudação. E é muito perigoso para a classe trabalhadora. Muito perigoso para a classe trabalhadora.
Estão brigando os arcistas, os evistas, tukuy imas [Quéchua: todos]. Qual é a solução? Para mim, uma revolução. Nem arcistas, nem evistas, nem direitistas, ninguém. Droga. Aqui é uma revolução! Vamos ver a classe popular, a classe média baixa, têm que estar no poder. Essa é a solução.
E, para falar de mudança de sistema, de revolução. A guerra da água, a guerra do gás, era uma oportunidade.
Precisamente por isso. Vamos ver: na guerra da água, triunfamos. Na guerra do gás, posterior, também fomos vitoriosos. Quem se apropriou? Evo Morales. Mas também alguns maus dirigentes também buscaram seus espaços, suas ambições pessoais. Onde está a identidade de classe? Onde está aquele princípio pelo qual lutaram conscientemente e não por ambições pessoais? Então, muita gente também caiu. E Evo, ao dar presentes a muitos dirigentes, os comprou, os embolsou. Foi por isso que a COB caiu, ninguém mais acredita na COB. Eu era secretário-geral na COB e todos os dias a imprensa estava atrás de nós. Onde estão as CODes? Convocam conferências de imprensa e ninguém vai. E isso acontece porque não há uma ideologia clara, não estão demonstrando essa luta permanente que convocamos para defender a classe trabalhadora.
Além disso, inclusive na reunião ampliada de outubro depois da fuga de Goni, em 2003, em La Paz, disseram que a classe trabalhadora poderia ter tomado o poder, mas que faltava um partido revolucionário.
Veja, quando Goni fugiu, antes de Carlos Mesa tomar posse como sucessor, na assembleia em La Paz disseram que Jaime Solares era o executivo da COB, eu estava aqui com Oscar Olivera na confederação de operários. Fomos a La Paz para apoiar esse movimento. As pessoas diziam: “agora é sua oportunidade, droga, a COB que assuma”. Jaime Solares não quis, dizia: “Não, companheiros. Vamos à sucessão”. Aí está a sucessão. Aí estão os resultados da sucessão [gesticulando para o entorno]. Se a classe trabalhadora tomasse o poder, este país seria diferente. Este país era diferente.
Há grandes intelectuais que sempre estão com as pessoas da classe empobrecida. Há grandes, grandes, ideólogos que estão identificados com a classe trabalhadora. Então, os líderes foram afastados, foram afastados. E acredito que agora é o momento de nos levantarmos mais uma vez e desempoeirar essa vontade de lutar, essa sede de luta para beneficiar a classe trabalhadora, a classe empobrecida. E isso é o que temos de fazer. Temos uma longa tarefa, temos que a realizar, temos que trabalhar.
Na segunda-feira, em uma reunião entre os dirigentes dos trabalhadores e os representantes da CBN, estes últimos reiteraram sua decisão de fechar a fábrica. Os trabalhadores se mantêm firmes em sua posição de reabri-la. Nos próximos dias serão decididas medidas concretas de pressão. O Núcleo Comunista Revolucionário também se manterá firme em seu apoio aos trabalhadores.
- Não ao fechamento da fábrica!
- Que a empresa abra seus livros contábeis!
- Pelo controle democrático dos trabalhadores!
- Pela mobilização solidária de toda a classe trabalhadora!
- Por um governo dos trabalhadores para enfrentar a crise capitalista mundial!
Enviar mensagens de solidariedade para o NCR via e-mail (comunistas.bo@gmail.com) ou Instagram.