Durante décadas muito se tem discutido a questão de como se referir corretamente aos bairros proletários. Os nomes até então usados são formas coloquiais ou “censuradas” dos locais, como comunidades, favelas e morros. O presente texto discute sobre como nós, marxistas, devemos chamar os bairros proletários. Primeiramente, explicando os nomes, seja da perspectiva etimológica (se formos nos referir à palavra “favela” em específico) ou não. Porém, sempre ligando aos contextos históricos.
Favela: de um arbusto para Morro da Providência
De início, vamos explicar o que significava “favela” antes de ela ser empregada para nomear um bairro proletário. Originalmente, ela se referia ao Faveleiro (Cnidoscolus quercifolius), espécie de arbusto endêmico (que se encontra exclusivamente) do Brasil, ocorrendo predominantemente no sertão e nas caatingas do Nordeste. O vegetal tem esse nome devido aos frutos que parecem pequenas favas, daí o nome favela (pequena fava).
Como sinônimo de moradias improvisadas e de baixa infraestrutura está intimamente associada ao Morro da Favela, que era nome de um dos morros povoados na cidadela de Canudos durante o final do século 19 na Guerra de Canudos. O primeiro registro no Rio de Janeiro foi quando soldados enviados para esta guerra retornaram em 1897 com a promessa não cumprida pela classe dominante de dar a eles uma residência. Estes soldados passaram então a morar em partes do Morro da Providência e, em referência ao acidente geográfico de Canudos, nomearam-no de Morro da Favela. Assim, a partir do início do século 20, a palavra acabou se consolidando como um termo para um bairro proletário.
Morro, quais morros?
No decorrer das décadas, no entanto, a palavra favela começou a se tornar um termo pejorativo e procuraram-se maneiras de “amenizar” substantivamente o nome das moradias proletárias. Dois outros nomes surgiram e se consolidaram como alternativas à palavra “favela”. A primeira delas é a palavra “morro”.
De uma forma semelhante à “favela”, a palavra “morro” como referência a um bairro proletário está muito mais associada ao Morro da Providência. Porém, também está associada a outros morros com habitação precária presentes no Rio de Janeiro (como o Morro do Dendê).
A palavra “morro”, no entanto, por mais que tenha um significado e um contexto histórico relevantes, nem sempre é exclusiva dos bairros proletários, pois existem muitos bairros de camadas mais altas da sociedade, inclusive pequeno-burguesas, que também foram construídos em morros.
Comunidade – pode identificar?
A palavra “comunidade”, por sua vez, é um termo de uso mais recente do que a palavra “morro”. Ela surgiu na década de 1990 como alternativa tanto à “favela” quanto a “morro”.
É um eufemismo usado por muitos moradores para se referir às suas residências em razão da carga negativa que a palavra “favela” carrega. Também por medo de serem associados à imagem negativa propagada pela burguesia nacional.
Esta palavra, no entanto, tem sido apropriada pela classe dominante para fazer com que ela pareça ser mais “gentil” ao se referir aos bairros proletários. Esta mudança de nomenclatura trata-se de uma hipocrisia, na medida em que a carga pejorativa sobre a palavra “favela” foi forjada pela própria burguesia, por meio das suas mídias.
Atualmente, muitas correntes identitárias discutem que a palavra “comunidade” não deve ser usada em virtude de querer apagar a identidade do morador de favela. É verdade que a burguesia tenta minimizar e maquiar as condições em que vivem os moradores destas localidades. No entanto, esta crítica ignora duas coisas: que a palavra “comunidade” também é utilizada pelos próprios moradores e que discutir o nome das coisas de forma isolada não transforma a realidade em si.
Conclusão
Os marxistas compreendem que a linguagem carrega história e reflete as contradições da sociedade. Assim como as ideias, elas são forjadas e empregadas a partir das condições concretas das sociedades em cada época e sistema econômico.
O que define e “identifica” os moradores destas favelas, morros ou comunidades é sua condição de classe operária. A verdadeira crítica a ser feita contra a burguesia – muito além da tentativa de mudar a nomenclatura como forma de maquiagem – deve ser a de que ela priva os moradores destas localidades de acesso ao saneamento, serviços públicos em geral, moradia, segurança e infraestrutura. Nada disso pode ser mudado discutindo-se a correta denominação.
As favelas, morros ou comunidades são em essência bairros proletários, o que significa dizer que a maior parte das pessoas que ali vivem só possuem sua própria força de trabalho para vender e sobreviver. E só há uma forma de mudar as condições de vida da classe trabalhadora: derrubando o sistema no qual elas são oprimidas, por meio de uma revolução socialista.
Aos marxistas não cabe determinar como estas localidades devem ser chamadas, ainda que seja válida a explicação histórica da origem de cada denominação, seus sentidos e tentativas da burguesia de disfarçar a opressão.
Aos marxistas cabe ajudar a classe trabalhadora como um todo a conectar a luta pelos serviços públicos, saneamento, emprego etc. – tão necessária nestas localidades – à organização pela construção de um partido revolucionários e à necessidade de uma revolução.