O dia 4 de outubro marca o aniversário da Batalha de Cable Street, um evento importante em que a classe trabalhadora de Londres se uniu para dar um golpe decisivo contra a ameaça do fascismo britânico.
Neste artigo nós comemoramos a brava posição daqueles trabalhadores que combateram os fascistas enquanto almejavam expor a real natureza do fascismo e extraíram lições para as lutas atuais contra a Liga de Defesa Inglesa (EDL, para sigla em inglês de English Defence League) e o Partido Nacional Britânico (BNP, para sigla em inglês de British National Party).
‘‘Eu não pude deixar de ser encantado, como tantas outras pessoas têm sido, pela simplicidade e gentileza de Mussolini… Se eu fosse italiano, tenho a certeza de que, desde o início, eu deveria estar de todo o coração convosco em sua luta triunfo contra os apetites e paixões bestiais do leninismo.’’ Winston Churchill, 1927.
‘‘A sátira é muito boa para os fascistas. O que eles exigem são blocos e bastões de baseball.’’ Woody Allen, 1979
Como a Grã-Bretanha e o resto do mundo se encontra na mira da pior crise econômica desde 1929, comparações entre o período que nós estamos enfrentando atualmente e os eventos tumultuosos dos anos 1930 são frequentemente feitos. Muitos na esquerda aumentam os prognósticos do retorno do fascismo como governos do capitalismo mundial tentando passar a conta da crise para o povo trabalhador. Mas enquanto isso, os horrorosos eventos recentes do massacre de Norwegian demonstram que há aqueles que estão na extrema direita ainda desejosos em infligir dor e sofrimento sobre as massas de trabalhadores e ao movimento sindical. No entanto, neste momento não há bases de massa para movimentos fascistas como no passado.
O BNP ou o EDL não são o mesmo que a União Britânica de Fascistas de Oswald Mosley (BUF) de 1936. Com sua demolição nas últimas eleições e seu subsequente colapso, dentro de amargas demonstrações de conflito interno, não há perspectivas imediatas do BNP alcançar nenhum tipo de poder político, nem localmente, nem nacionalmente. O EDL, no entanto, representa uma ameaça muito real para as comunidades locais que eles atacam com seu vandalismo de violência esportiva e sua sujeira racista. A experiência de combater o BUF nos anos 30 demonstra que esse tipo de vingança somente pode ser derrotada por um movimento operário determinado e unido.
Queda
O fascismo emergiu pela primeira vez como uma força séria na Grã-Bretanha na sombra da recessão mundial de 1929-1933. Essa foi a pior crise da história do capitalismo, com três milhões de pessoas desempregadas e o Partido Trabalhista participando de um governo nacional, cumprindo ataques violentos à classe trabalhadora. Ao mesmo tempo Mussolini tinha cimentado seu papel fascista em toda a Itália e Hitler conquistou o poder em 1933, sem mais que um gemido por parte do movimento proletário alemão. Nesse contexto, o BUF (siga para União dos Fascistas Britânicos) foi formado por Mosley em 1932 e cresceu para cerca de 50 mil membros em seu auge.
O BUF foi auxiliado em seu crescimento por recursos e apoio de proeminentes capitalistas e aristocratas britânicos, e apoiado por jornais como o Daily Mail e Evening News. Mosley, ele mesmo com antecedentes ricos e aristocratas, se gabou de que: ‘‘um número de industriais no norte que até agora tem dado ao movimento um apoio secreto, temendo um boicote comercial, está agora declarando abertamente que eles estão ao lado dos fascistas.’’ (Citado em News Chronicle, 19 de Outubro de 1936).
O BUF tinha conexões estreitas com o Partido Conservador e uma parcela dos deputados conservadores abertamente apoiava Mosley. Assim como hoje há uma pequena diferença entre as políticas sobre imigração e multiculturalismo de Cameron e do BNP, o BUF e os Conservadores de 1936 estavam em acordo total sobre a necessidade de esmagar os trabalhadores britânicos e o movimento sindical, exatamente como Hitler e Mussolini tinham feito na Alemanha e na Itália. Como um deputado conservador colocava isso:
‘‘Havia pouco ou nenhuma da política que não poderia ser aceita pelos seguidores mais fiéis de nossos atuais líderes conservadores… Certamente não pode haver qualquer diferença fundamental de perspectiva entre os ‘Camisas Negras’ e os seus pais, os conservadores? Pois não nos enganemos sobre o parentesco… [o BUF] é em grande parte derivado do Partido Conservador.’’ (Deputado Sir Thomas Morre, escrevendo no Daily Mail 25 de Abril de 1934).
Com a experiência de 1926 da greve geral ainda fresca em sua memória, a classe dominante britânica estava aterrorizada de que o movimento revolucionário varrendo a Europa se espalhasse pelo Reino Unido. Na Espanha, a classe trabalhadora estava engajada em uma luta revolucionária de morte contra o fascismo e na França um movimento massivo de greve tinha criado uma situação pré-revolucionária que ameaçava levar à queda do governo. Ao mesmo tempo a burguesia britânica olhava invejosa para o povo italiano e alemão esmagado e ensanguentado, completamente intimidado pela submissão à dominação de seus governos fascistas. Eles viam no fascismo um bastão com que eles poderiam acertar a classe trabalhadora e evitar a hipótese de uma luta revolucionária. Como nosso grande líder antifascista disse uma vez sobre Mussolini:
‘‘A Itália mostrou que há um jeito de enfrentar as subversivas forças que podem mobilizar as massas de pessoas, devidamente lideradas, para valorizar e defender a honra e a estabilidade da sociedade civilizada. Elas estão providas do antídoto necessário do veneno russo. A partir de então nenhuma grande nação estará desprovida com um ultimato de proteção contra o crescimento cancerígeno do bolchevismo.’’ (Winston Churchill, falando em Roma em Janeiro de 1927).
É uma grande ironia que os mais inteligentes representantes da burguesia costumam compartilhar as mesmas análises que os marxistas. No que diz respeito a Churchill está absolutamente correto em caracterizar o fascismo como um ultimato de proteção contra a revolução proletária. Em última análise, o fascismo não é nada mais que:
‘‘Aquela forma especial da dominação capitalista em que a burguesia finalmente recorre para quando a continuidade da existência capitalista é incompatível com a existência dos trabalhadores organizados.’’ (Felix Morrow, Revolução e Contrarrevolução na Espanha).
Mosley
As circunstâncias particulares britânicas indicaram que a classe dominante era capaz de emergir de uma recessão sem a necessidade de ceder diretamente o poder aos fascistas como na Itália, Espanha e Alemanha. Entretanto, eles reconheciam no BUF uma ferramenta útil que poderia ser usada para intimidar a classe trabalhadora em tempos de crise. Há um motivo para BUF ter sido capaz de operar sob a proteção do Estado e receber apoio e dinheiro de vários setores da classe dominante.
Por trás desse apoio, o BUF cresceu constantemente, realizando reuniões e marchas por toda a Grã-Bretanha. Eles recebiam orientações diretamente de seus parceiros europeus, com uniformes militares, uma suástica como insígnia e um grupo pseudo paramilitar de bandidos violentos de uniforme. Na mobilização de massas em Olympia, em junho de 1934, antifascistas pacíficos infiltraram-se na multidão para interromper Mosley. Os bandidos fascistas responderam com ataques violentos a eles, homens e mulheres igualmente, enquanto a polícia não apenas ficou parada, como também se juntou a eles no ataque contra os manifestantes antifascistas!
A essa altura, eles começaram a colocar mais ênfase em características antissemitas no seu programa e concentraram suas atividades em áreas de significativa população judia. Essa alteração refletia as mudanças na situação britânica:
‘‘Eles começaram a mudar a direção de sua propaganda como as circunstâncias na Grã-bretanha tinham elas mesmas mudado. A profunda crise tinha passado e a indústria britânica estava gradualmente se recuperando. O motivo do descontentamento da classe média e do medo da classe dominante estava, portanto, começando a retroceder.’’ (Phil Piratin, Nossas Bandeiras Permanecem Vermelhas)
Com sua extensa população judia, o leste de Londres tornou-se o principal alvo da atividade do BUF. Eles inauguraram uma campanha de terror, esmagando e bombardeando lojas judaicas e atacando fisicamente os trabalhadores e imigrantes. Os líderes conservadores, liberais e do Partido Trabalhista igualmente exploraram esses ataques, mas não ofereceram nenhuma solução, dizendo que era responsabilidade apenas da polícia lidar com aqueles que infringiram a lei. Entretanto, a polícia não fazia nada para barrar os fascistas, ao contrário, eles enviavam centenas de oficiais para proteger suas reuniões da crescente oposição dos trabalhadores.
A essa altura, o BUF também havia começado a ganhar alguns bolsões de apoio na classe trabalhadora. Eles alcançaram isso não apenas pelos preconceitos antissemitas de alguns trabalhadores, mas também por oferecer uma programa demagógico que apelava para os trabalhadores que viviam em condições degradantes nos guetos desde sempre. Uma situação similar existe hoje onde muitos eleitores do BNP não são racistas. Em vez disso, eles são eleitores trabalhistas desencantados procurando uma solução para a grave situação do desemprego crônico e da falta de moradia ou de baixa qualidade. Antes como agora, os líderes trabalhistas empenhados em gerenciar o capitalismo indicaram sua incapacidade de oferecer uma solução viável para esses problemas. Na falta de uma saída, as demagógicas promessas de extrema direita podem se apresentar atrativas.
A tática adotada em direção aos trabalhadores desorientados não deve ser a de confronto físico, reservado para alguns grupos lumpens de fascistas. Em vez disso, eles podem ser conquistados com base em um genuíno programa socialista expondo as mentiras sobre imigração, assim como também oferecer uma alternativa sistêmica em que as casas e os empregos podem ser dados a todos.
Ao mesmo tempo havia um crescimento da oposição contra a ameaça fascista na classe operária. Os trabalhadores britânicos viam o que os fascistas tinham feito com seus irmãos e irmãs alemães e eles não estavam dispostos a deixar o mesmo acontecer com eles. Todas as mobilizações fascistas encontravam uma grande contra manifestação de trabalhadores antifascistas. Todos estavam protegidos ao manter encontros em Gasglow e em Bermondsey. A situação estava se construindo frente a um decisivo confronto entre fascistas e a classe trabalhadora.
O BUF então anunciou que no dia 4 de outubro pretendiam marchar através da East End de Londres, para uma massiva demonstração no Victoria Park. Essa marcha estava planejada como uma demonstração de força e uma provocação numa área de grande população judia. Desesperados para evitar o inevitável confronto violento que aquela marcha produziria, cinco prefeitos do leste de Londres foram visitar o Secretário da Casa, Sir John Simon, para pedir-lhe que impedisse a marcha. Ele recusou. O Conselho do Povo Judeu Contra o Fascismo e Antissemitismo lançou uma petição para proibir a marcha que recebeu centenas de milhares de assinaturas em poucos dias, ainda assim o Secretário da Casa recusou.
Isso tem um paralelo direto com a marcha recém-planejada da EDL na Hamlets Tower, onde o Partido Trabalhista local e outros fizeram campanha para que a marcha fosse proibida. Nesse caso, o Secretário da Casa prontamente atendeu, não somente a proibição da marcha da EDL, mas também todas as outras marchas pelos cinco bairros de Londres pelo período de três dias. Numa campanha para o governo “proibir os fascistas”, os trabalhadores devem, portanto, ter em mente o seguinte: a história nos ensinou que a execução das leis pelo Estado capitalista quase sempre ocorre em desvantagem para a classe operária. Qualquer lei apresentada contra os fascistas será inevitavelmente usada contra os trabalhadores também. A classe operária pode confiar apenas nas suas forças, não nas do Estado capitalista, para barrar o fascismo.
‘‘Eles não passarão’’
Na falta de uma proibição, os trabalhadores imediatamente começaram a organizar a resistência para a marcha. A despeito das muitas falhas do Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB, na sigla em inglês), eles jogaram um tremendo papel na construção da resistência antifascista. Mais de 100 encontros foram realizados todos em Londres, milhares de posters colados e centenas de milhares de panfletos distribuídos. Ao contrário da atitude sectária adotada pelo Partido Comunista Alemão frente aos seus irmãos socialdemocratas, o CPGB de fato atendeu ao chamado de Trotsky para a unidade contra os fascistas. Eles convocaram os conselhos e as células do Partido Trabalhista para participarem. A despeito dos líderes trabalhistas insistirem em dizer aos seus membros para ficar em casa e “deixar isso para a polícia”, milhares saíram em apoio aos antifascistas.
Refletindo o caráter internacional da luta contra o fascismo e em solidariedade com os trabalhadores espanhóis lutando com suas vidas para impedir que os fascistas tomassem Madrid, o slogan “Eles não passarão” foi adotado. Foi acordado que a contra manifestação deveria ser realizada na Gardener’s Corner para bloquear a passagem deles. Planos meticulosos foram feitos para aquele dia, primeiro pontos de socorro foram organizados, materiais para barricadas foram empilhados e os manifestantes foram orientados a manter uma estrita disciplina em face do agente provocador.
Veio a manhã de 4 de outubro e 300 mil pessoas tinham se reunido para bloquear o caminho dos fascistas. Entre eles estavam o Partido Trabalhista, CPGB, o Partido Trabalhista Independente e membros trotskytas da Liga Comunista Jovem. Toda a classe operária inglesa estava representada! Aqui houve uma verdadeira frente única com o objetivo de esmagar a ameaça fascista. O Estado tinha outras ideias, no entanto. Cerca de 10 mil policiais, incluindo quatro mil oficiais montados a cavalo, foram trazidos numa clara contra manifestação e para garantir que os fascistas marchariam. Os sete mil fascistas, vindos de todos os cantos do país, estavam cercados pela escolta policial para a proteção deles. Para que a marcha pudesse começar a polícia tentou limpar a contra manifestação:
‘‘No cruzamento da Road Commercial e Leman Street, um bonde tinha sido deixado esperando por seus condutores antifascistas. Em pouco tempo isso foi acompanhado por outros. Impotente diante de um bloqueio tão eficaz, a polícia voltou suas atenções para outro local. Uma vez e outra eles arremeteram contra a multidão; as janelas das lojas adjacentes foram quebradas quando as pessoas foram empurradas através delas. Mas nem a polícia poderia causar um efeito nesta imensa barricada humana.’’ (Phil Piratin, ibid).
Incapaz de limpar a manifestação, a polícia tentou descer a Cable Street como uma rota alternativa para a manifestação. Os trabalhadores, no entanto, tinham se antecipado a isso e estavam prontos. Quando a polícia começou a descer a rua, barricadas estavam instaladas com um caminhão e pedaços de móveis antigos. A polícia confrontou as barricas e foram:
‘‘… recebidos com garrafas de leite, pedras e mármores. Algumas das donas de casa começaram a deixar cair garrafas de leite desde os telhados. Uma quantidade de policiais foi cercada. Aquilo nunca tinha acontecido antes, os homens não sabiam o que fazer, mas eles tiraram seus bastões, e um atirou um capacete para seu filho, como uma lembrança.’’ (Phil Piratin, ibid).
O tempo todo os fascistas se encolhiam atrás das linhas policias, conforme a polícia realizava a manifestação em seu nome. Quando Mosley chegou, um tijolo voou na janela de seu carro. De frente àquela endurecida resistência, ele foi forçado a cancelar a marcha. Envergonhados por nem mesmo terem confrontado os trabalhadores, os fascistas se alinharam em uma formação militar e marcharam na outra direção!
Derrota
Esta foi uma derrota contundente para Mosley e o BUF. Como Ted Grant, que participou da Batalha de Cable Street, escreveu:
‘‘A derrota de Cable Street em 1936 deu um duro golpe em Mosley. Com medo do poder organizado da classe trabalhadora tão militarmente demonstrado, o movimento fascista do East End declinou. O espetáculo dos trabalhadores em ação deu aos fascistas motivos para parar. Isso induziu ao desânimo e desmoralização generalizados nas suas fileiras; sua vitória sobre os fascistas imbuiu a classe operária de confiança. Essa ação unitária dos trabalhadores na Cable Street demonstrou novamente a lição: apenas uma vigorosa reação impede o crescimento da ameaça fascista.’’ (Ted Grant, A Ameaça do Fascismo)
Essa história nos mostra que não é possível legislar ou peticionar ao fascismo para que deixe de existir. A própria natureza do Estado capitalista impossibilita isso, assim como o fascismo é na realidade nada mais do que uma arma nua da classe dominante capitalista. Enquanto a destruição de sua base tradicional na pequena burguesia significa que não há perspectiva de fascismo no período atual, quem sabe o que o futuro pode esperar? Nós estamos inteiramente dentro do mais turbulento período na história, onde as coisas podem ser transformadas da noite para o dia. É vital portanto que nós nos lembremos das lições de Cable Street. Somente com a classe operária organizada, armada com uma compreensão do fascismo e com dedicação para uma luta resoluta contra ele, seremos capazes de destruir essa ameaça novamente. Em última análise, no entanto, somente com a completa destruição do próprio sistema capitalista, que necessita e produz o fascismo com todos os seus correspondentes de horrores, e sua substituição por um sistema que permita o controle majoritário sobre nossas próprias vidas pela primeira vez na história, iremos garantir a derrota final do fascismo.
Artigo publicado originalmente em
Tradução Lucy Dias.