Nos últimos dias, dezenas de universidades do país e sindicatos foram invadidos pela Polícia Federal, alvos de ações da Justiça Eleitoral ou do Ministério Público Eleitoral. Com ou sem mandados, os policiais impediram a realização de debates sobre o fascismo e a democracia, recolheram materiais, mandaram tirar faixas antifascismo e até mesmo uma que homenageava Marielle Franco. Em sindicatos dos trabalhadores das universidades, há relatos de jornais serem recolhidos e computadores da imprensa das entidades serem confiscados. No Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, em Macaé, Rio de Janeiro, fiscais do TRE entraram no prédio num sábado e confiscaram jornais da entidade e edições do Jornal Brasil de Fato.
Em Santa Catarina, uma assembleia de trabalhadores do Instituto Federal Catarinense de Camboriú foi invadida e hostilizada por apoiadores de Bolsonaro. Entre os integrantes do grupo estava Emílio Dalçóquio, empresário do setor de transporte. Exaltado ele gritou à assembleia que atividade sindical é crime, que índios têm que morrer e “Viva Pinochet! Viva Pinochet! [Ele] matou quem tinha que matar. Viva Pinochet, porque se ele tivesse feito o que [fez] aqui no Brasil não teria ‘isso aí’”¹.
A Esquerda Marxista tem explicado em diversos textos publicados que esta situação está longe de poder ser considerada fascismo, como teme grande parte da esquerda do país. O que vemos é uma minoria de apoiadores de Bolsonaro de matiz fascista animados pelas declarações de seu candidato. No entanto, caso ele se eleja, podemos esperar uma crescente ofensiva de repressão do movimento operário e sindical, com destaque para o Judiciário e a polícia, auxiliados pelo Poder Executivo. Por isso, está mais do que na hora de retomar algumas tradições da história do movimento operário.
É importante ressaltar que o que vimos nos últimos dias não foi “apenas” um ataque à liberdade de cátedra, à autonomia e à pluralidade de discussões nas universidades. Foi principalmente um ataque ao movimento sindical e estudantil e também à liberdade de imprensa operária. Essa foi uma ofensiva política e é na arena da luta de classes que ela deve ser combatida, aumentando ainda mais o tom, discutindo, organizando serviços de ordem, nos defendendo e impulsionando algo há muito relegado pela esquerda do país: a imprensa operária livre.
No último editorial do Jornal Foice e Martelo, a Esquerda Marxista expôs sua posição sobre a defesa das liberdades democráticas:
“Na luta contra o fascismo ou qualquer governo burguês, a luta por liberdades democráticas interessa ao proletariado na medida em que lhe permite organizar e mobilizar pela revolução socialista, acuando os reacionários. A luta pelas liberdades democráticas é a luta pela revolução e jamais a defesa da democracia burguesa, do reacionário ‘Estado democrático de direito’ burguês. A defesa das liberdades democráticas é a defesa dos interesses da classe operária em sua luta contra o capital.
Neste sentido, quando a PF invade universidades, é dever da classe trabalhadora se erguer em coro em defesa da liberdade de expressão; quando as entidades estudantis e sindicais são atacadas, é dever da classe trabalhadora se erguer em defesa da liberdade de organização; quando seus jornais são confiscados ou impedidos, é dever da classe trabalhadora defender a existência da imprensa operária.”
Trotsky conta, em seu livro “Minha Vida”, sobre a noite decisiva da Revolução Russa de 1917:
“Cedo encontrei na escada um operário e uma operária que acorriam, ofegantes, da tipografia do partido. O governo suprimia o órgão central do partido e o jornal do soviet de Petrogrado. Agentes do governo, acompanhados de junkers, lacraram as portas. No primeiro momento, esta notícia impressionava: tal é a influência da formalidade sobre os espíritos.
– Será que não podemos arrancar os lacres? Perguntou a operária.
– Arranque-os, respondi-lhe e, para que nada aconteça, nós lhes daremos uma guarda segura.
– Há ao nosso lado um batalhão de sapadores; os soldados nos defenderão, disse com firmeza a operária.
O comitê de guerra revolucionário tomou imediatamente a seguinte decisão:
1º) Reabrir as tipografias do jornal operário. 2º) Convidar as redações e os tipógrafos a continuar a publicação. 3º) Impõe-se o dever de honra de proteger a imprensa revolucionária contra os atentados da contra-revolução, aos valorosos soldados do regimento de Litovsky e ao 6º batalhão de reserva dos sapadores.”
Aqui, compreendemos a importância vital da imprensa revolucionária para o movimento operário.
Atacá-la, no momento em que o velho Estado se decompunha na Rússia ou na atualidade do Brasil, é próprio do Estado – que, segundo a concepção marxista, é um conjunto de instituições e homens armados a serviço da classe dominante. Marx escreveu, no artigo “Debates sobre a liberdade de imprensa e a comunicação”, compilado no livro “Liberdade de Imprensa”:
“Em nenhum lugar o espírito específico dos Estados manifesta-se mais claramente que nos debates sobre a imprensa. Na oposição à liberdade de imprensa, bem como na oposição à liberdade em geral da mente em qualquer esfera, os interesses individuais dos Estados particulares, a natural unilateralidade dos seus caráteres, aparecem em forma franca e brutal, mostrando simultaneamente seus dentes.”
Este cenário agrava-se em tempos de crise, onde as necessidades principais do capital são aplicar golpes profundos na classe trabalhadora e reverter a descrença popular nas instituições burguesas.
Nesses momentos, cabe à classe operária intensificar sua luta e fazer com que as ideias socialistas, de destruição do capitalismo e construção de uma nova sociedade, ressoem ainda mais alto. Onde uma edição de jornal de um sindicato for confiscada pela PF, milhares de edições de jornais de outras entidades de classe devem se manifestar. Onde a voz de um trabalhador for calada, milhares de outras devem ressoar. Onde uma faixa for arrancada, milhares de outras devem ser espalhadas.
Se hoje o país vive um grave problema de desinformação, se o trabalhador não sabe mais em quem acreditar e os “fakenews” estão descontrolados, isso é culpa das velhas direções da classe operária, que, para além de traírem politicamente sua classe, não a educaram para se referenciar e contribuir com a manutenção de órgãos de imprensa operários.
O PT e a CUT foram fundados com tradições operárias e uma imprensa de classe. No entanto, quando o partido chegou ao governo, perdeu a chance de ensinar ao conjunto do povo brasileiro o que era uma imprensa independente. Ao invés disso, adaptou-se ao Estado e locupletou-se com o poder. No campo político, o PT escolheu a conciliação de classes e, no que se refere à imprensa, preferiu negociar e fazer concessões a grandes grupos, como a Globo, a Folha, o Estadão etc. Quando os donos dessas empresas não se curvaram a eles, preferindo apoiar partidos da burguesia, lamentaram como se não soubessem desde o início o terreno em que estavam pisando e gritaram que a culpa é da mídia golpista. A semelhança com o que aconteceu com a escolha de um vice do PMDB, que arrancou o lugar da presidente, não é mera semelhança. Foram escolhas como essas que causaram a desilusão em milhões de trabalhadores e abriram espaço para Bolsonaro.
A academia e as entidades sindicais também perderam tempo demais discutindo problemas do lado avesso, defendendo as coisas erradas. Tais como:
O jornalismo sempre deve perseguir a imparcialidade. Como se isso fosse possível, sendo as empresas jornalísticas propriedades privadas com donos dotados de opiniões e interesses.
A mídia deve ser regulamentada e democratizada. Como se o Estado tivesse sido feito para defender os oprimidos e como se qualquer tipo de regulação no capitalismo não fosse se voltar cedo ou tarde contra os próprios oprimidos (sobre isso indicamos a leitura do texto “A Esquerda Marxista e a Democratização dos Meios de Comunicação“.
Para ser um jornalista deveria ser obrigatório ter um diploma. Como se isso por si só não restringisse a liberdade da imprensa de classe. Esquecendo que grandes nomes do jornalismo, como Hemingway, não devem à universidade e sim à luta de classes a força de seu caráter e a sua formação.
Ainda hoje, a maior parte dos sindicatos de jornalistas não aceita a filiação de profissionais não formados, negando-se a defender parte dos trabalhadores explorados pelas empresas jornalísticas. Com essa atitude, dividem a categoria, jogando diplomados contra não diplomados ao invés de reunir o maior número de trabalhadores na luta contra a retirada de direitos.
Acima de tudo, ignora-se que a liberdade de imprensa é indissociável da luta pelo socialismo. Cabe aqui reproduzir a 8ª tese do Congresso da Internacional Comunista, “A liberdade de imprensa do capitalismo”:
“Os operários sabem também, e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhões de vezes, que esta liberdade é um logro enquanto as melhores tipografias e as grandes reservas de papel se encontrarem nas mãos dos capitalistas e enquanto existir o poder do capital sobre a imprensa, que se manifesta em todo o mundo tanto mais clara, nítida e cinicamente quanto mais desenvolvidos se encontram a democracia e o regime republicano, como, por exemplo, na América.
Para conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, para os operários e os camponeses, é preciso tirar primeiro ao capital a possibilidade de contratar escritores, comprar editoras e subornar jornais, e para isso é necessário derrubar o jugo do capital, derrubar os exploradores, esmagar a sua resistência. Os capitalistas sempre chamaram ‘liberdade’ à liberdade de obter lucros para os ricos, a liberdade dos operários de morrerem de fome. Os capitalistas chamam liberdade de imprensa à liberdade dos ricos de subornarem a imprensa, à liberdade de utilizar a riqueza para fabricar e falsificar a chamada opinião pública. Os defensores da ‘democracia pura’ também se revelam de fato defensores do mais imundo e venal sistema de domínio dos ricos sobre os meios de educação das massas, revelam-se embusteiros que enganam o povo e que, com frases bonitas, pomposas e falsas até a medula o desviam da tarefa histórica concreta de libertar a imprensa da sua subjugação ao capital. A verdadeira liberdade e igualdade será a ordem que os comunistas estão a construir, e em que será impossível enriquecer a custa de outrem, onde não haverá possibilidade objetiva de submeter direta ou indiretamente a imprensa ao poder do dinheiro, em que nada impedirá que cada trabalhador (ou grupo de trabalhadores, seja qual for o seu número) tenha e exerça o direito igual de utilizar as tipografias e o papel, pertencentes à sociedade.”
A Esquerda Marxista edita o jornal Foice e Martelo. Este é um jornal totalmente autofinanciado, sem propagandas, seguindo uma das mais antigas e exitosas tradições operárias de manter a independência financeira para garantir a independência política.
A tarefa de elaborar um jornal impresso nestas necessárias condições é difícil, envolve toda a organização em um grande esforço de elaboração, distribuição, vendas, assinaturas e discussão com apoiadores. Sobretudo neste momento político, todos os militantes e apoiadores da Esquerda Marxista estão chamados a empreender com energia revolucionária uma campanha pelo aumento do número de vendas e assinaturas do Foice e Martelo.
Esta é uma das mais antigas tradições defendidas por Lênin. Ela tem para o partido em si, uma relevância fundamental:
“Quando falamos da necessidade de concentrar todas as forças do partido – toda a literatura, toda a capacidade organizativa, todos os recursos materiais etc. – na fundação e bom funcionamento do órgão partidário, não pensamos de maneira alguma relegar a um segundo plano os outros aspectos da atividade, por exemplo, a agitação local, as manifestações, os boicotes, a luta contra os espiões e contra alguns representantes da burguesia e do governo, greves demonstrativas etc. Pelo contrário, estamos convencidos de que todos esses aspectos da atividade constituem a base da atividade do partido, mas se o órgão do partido não as unifica, todas essas formas de luta revolucionária perdem nove décimas partes da sua importância, e não ajudam a experiência comum do partido, nem a criar tradições e continuidades partidárias. O órgão do partido, longe de competir com essa atividade, exercerá, pelo contrário, uma grande influência em sua discussão, fortalecimento e sistematização da mesma.” (Nossa tarefa imediata. Escrito na segunda metade de 1899. Publicado pela primeira vez em 1925, em Lêninski, Sbórnik III | Obras completas, V, 1960, Edit. Cartago).
Sigamos, na tarefa de construção de um partido revolucionário independente e de classe, que organize o combate da classe trabalhadora pela derrubada do capitalismo e pela construção do socialismo.