Em 7 de outubro de 1934 o combate dos trotskystas pela Frente Única Antifascista se expressava na realização da unidade de todas as organizações proletárias numa contramanifestação na Praça da Sé, em São Paulo. Nesse dia a esquerda unida enfrentou fisicamente os integralistas, os fascistas brasileiros, e os derrotou. Os integralistas com suas camisas verdes, mesmo armados, fugiram covardemente frente à unidade e a determinação dos proletários. A fuga foi tão vergonhosa e desordenada que ficou conhecida como “A revoada das galinhas verdes”. Os fascistas foram tão desmoralizados que nunca mais se levantaram no Brasil. E foram inclusive abandonados pelo seu aliado Getúlio Vargas. O confronto deixou um saldo de seis mortos, cinco deles guardas civis. A sexta vítima foi o militante da juventude comunista Décio Pinto de Oliveira, covardemente alvejado com uma bala na cabeça enquanto discursava.
Mario Pedrosa, na época o principal dirigente trotskista recorda, anos depois: “Para concretizar a Frente Antifascista… a LCI, os anarquistas e os socialistas lançaram um jornal chamado O Homem Livre. O PCB não participava da frente única, preferia fazer campanha separado. Apenas participou da grande luta contra os integralistas do dia 7 de outubro na Praça da Sé. Toda a esquerda se uniu contra a manifestação integralista que seria realizada naquele dia. O objetivo dos integralistas era atacar a organização da classe operária, a sede da Federação Sindical de São Paulo e os sindicatos que tinham sede no edifício Santa Helena, na frente do qual haviam planejado o desfile. Nós lutamos contra os fascistas e impedimos a realização da manifestação”.
Conheça a seguir o Manifesto de constituição da Frente Única Antifascista, em 1933.
MANIFESTO DA FRENTE ÚNICA ANTIFASCISTA AO POVO DO BRASIL
Ao proletariado, principal força da população brasileira, contra o qual se levanta as hostes sanguinárias da reação capitalista:
· aos trabalhadores de todas as profissões e nacionalidades, que, na indústria, no comércio e na lavoura, constituem o dínamo propulsor da economia nacional;
· aos marinheiros e aos soldados, aos oficiais inferiores e a todos aqueles que no Exército e na Marinha continuam a ansiar pela vitória da grande causa da liberdade;
· aos estudantes, aos jornalistas, aos escritores e poetas da nova geração, aos intelectuais que não se vendem nem se corrompem, e acompanham com a sua inteligência e a sua cultura a marcha tumultuosa do desenvolvimento social;
· aos industriais, lavradores e comerciantes pobres, vitimas do regime da concorrência mercantil e da acumulação;
· as camadas intermediárias da sociedade, que a demagogia fascista procura utilizar na realização dos seus propósitos sombrios;
· ao grande povo do Brasil, torturado e perseguido pelo despotismo dos governos reacionários e da plutocracia financeira, através de séculos de miséria e de opressão.
A FRENTE ÚNICA ANTIFASCISTA
dirige a sua saudação fraternal, na hora mais trágica que a História registra para os destinos de toda a humanidade.
Cidadãos! Homens livres! Companheiros! Camaradas!
No instante épico em que as massas populares de todos os países, sacudidas pelo desespero de uma crise econômica sem exemplo, se lançam denodadamente à luta contra os seus opressores, as forças reacionárias que constituem a reserva política da classe detentora do poder procuram destruir todas as conquistas da liberdade e da democracia, organizando tropas mercenárias recrutadas entre os elementos desclassificados da escória social, com o fim de transformar torta a organização governamental num sistema de banditismo especialmente destinado a arrancar do povo todos os recursos de luta e de defesa.
Para opor uma barreira de resistência a esse fenômeno mundial que obedece ao denominador comum de FASCISMO é que se coligaram em São Paulo todos os partidos políticos, sindicatos operários e organizações jornalísticas que continuam a sustentar, nas linhas dos seus programas, a reivindicação da mais ampla liberdade de pensamento, reunião, associação e Imprensa, sem restrições de qualquer natureza.
A consolidação do fascismo na Itália, a vitória dos nacional-socialistas alemães e as combinações que, nos diferentes países, se vem fazendo dos meios legais da democracia com os processos tenebrosos das milícias mussolinescas, tornam cada vez mais premente a necessidade de uma ação comum contra o inimigo que nos ameaça.
No Brasil, se bem esse fenômeno não resulte diretamente de condições objetivas locais, dado o atraso lamentável em que ainda se encontra o movimento operário, existem, entretanto, outros fatores bastante ponderáveis que nos levam a considerar, não só como provável, mas como perfeitamente lógico, o triunfo de uma aventura fascista ou fascistizante, se não forem tomadas medidas práticas em tempo para uma contraofensiva. E, verificada a existência desses fatores, entre os quais se encontra, em primeiro plano, o caráter mundial da economia capitalista, determinando, na situação de crise generalizada, a necessidade de uma política mundial correspondente, o baixo grau de organização da massa trabalhadora, diante da repercussão do fenômeno em nosso país, só pode constituir um obstáculo à ação de resistência.
O fascismo conta, entre nós, não só com a oportunidade internacional que lhe favorece a expansão, como possui ainda o auxílio moral e material das agências consulares dos países fascistas e dos elementos fascistas estrangeiros que tivemos a desgraça de importar e que o apoiam dentro das suas respectivas colônias. É o que explica o relativo êxito que vem tendo, em vários estados e no próprio coração da capital da República, a organização de seus bandos militarizados.
Conta, além disso, o fascismo brasileiro com um aliado natural, que o sustentará no momento preciso e que, por sua incontestável influência sobre as camadas retardatárias da população, torna ainda maior a gravidade do problema. Queremos referir-nos à Igreja Católica. Esta, como se sabe, foi sempre uma força reacionária em todas as transformações sociais do passado, colocando-se invariavelmente, como instituição parasitária, ao lado da classe dominante. Daí a necessidade vital para ela, de readaptar-se às novas situações criadas, aproximando-se, depois dos fatos consumados, de cada nova classe detentora do poder. Ora, acontece que no atual estágio do desenvolvimento histórico, a Igreja compreende a impossibilidade de adaptar-se ao sistema social que sucederá ao capitalismo, uma vez que, com o desaparecimento das classes, se tornará praticamente impossível a sobrevivência de toda e qualquer instituição parasitaria. Eis porque, continuando, como no passado, a defender sempre a classe que se encontra no poder, a Igreja Católica se vê obrigada a utilizar os recursos extremos, os “remédios heróicos”, para a salvação da burguesia. Trata-se sim, para ela, de uma questão de vida ou morte, pois tem um grande poder de discernimento e uma velha experiência política para compreender, com relativa facilidade, que a questão do desaparecimento do capitalismo está ligada à do seu próprio desaparecimento.
Como vemos, existem condições de ordem política, e mesmo material, a demonstrarem que não são de todo vãs as esperanças dos fascistas brasileiros. E é a consideração desses fatos que põe na ordem do dia, com mais força e oportunidade do que nunca, o problema da luta contra o fascismo.
Entre nós, onde a capacidade de resistência do proletariado revolucionário é ainda muito reduzida, a política de frente única se apresenta, por isso mesmo, como o único recurso de defesa. Esta verdade elementar foi compreendida, ainda em tempo, por um grande número de organizações de São Paulo, que, sem abdicarem dos seus programas próprios e sem perda de sua autonomia e liberdade de crítica, resolveram unir-se contra o inimigo comum, numa sólida Frente Única Antifascista, cujos princípios básicos são os seguintes:
“1. – Sob a denominação de Frente Única Antifascista coligam-se em São Paulo, sem distinção de credos políticos ou filosóficos, todas as organizações antifascistas com estes objetivos comuns:
“a) combate às ideias, ao desenvolvimento e à ação do fascismo;
“b) luta pela mais ampla liberdade de pensamento, reunião, associação e imprensa;
“c) reivindicação da garantia do ensino leigo e da separação da Igreja do Estado;
“d) formação de um bloco unitário de ação contra o fascismo.
“2.- Todas as organizações coligadas conservarão a sua plena autonomia e inteira liberdade de crítica. Os atritos que se verificarem entre as organizações, fora da esfera da ação antifascista, nunca poderão servir de motivo para o rompimento da Frente Única. A estabilidade desta será garantida por um programa comum de ação, em cujo desenvolvimento não se ferirão os pontos de divergência ideológica existentes entre as organizações coligadas”.
Cidadãos! Companheiros!
O fascismo significa a miséria, a opressão, o espezinhamento das consciências. Começa por destruir todas as organizações do proletariado e acaba por se tornar o senhor absoluto, “integral”, que não respeita ideologias, que não admite divergências. Nem comunistas, nem socialistas, nem anarquistas, nem democratas, poderão existir sob o seu jugo que fere e amordaça, esmaga e assassina. As escolas, as universidades, a imprensa, as instituições administrativas e científicas – tudo, sem exceção, obedece ao seu controle e ao seu domínio. Não existe garantia de qualquer espécie, nenhuma segurança se oferece aos cidadãos. Os domicílios são violados, os lares constantemente invadidos para as perquisições. O homem do povo fica reduzido à situação de um animal acorrentado, que não fala nem pensa, nem escreve, nem trabalha, senão sob o chicote dos seus verdugos. A dignidade humana, a fraternidade, a ligação confiante entre os homens, desaparecem. Cada indivíduo vê no seu semelhante um inimigo e um espião que o entregará, na primeira oportunidade, à ferocidade dos governantes. O fascismo é a morte certa para os que protestam e a volta ã barbárie para os que ficam. Acima de quaisquer interesses de classe, ele é, essencialmente, desumano e anti-humano.
É o problema da legítima defesa de todo um povo o que se coloca recentemente diante de nós. Lutar contra o fascismo é, no sentido mais literal, lutar pela própria existência.
Cidadãos:
Organizemos, em todo Brasil, a Frente Única Antifascista!
Consagremos o dia 14 de julho como a primeira jornada contra o fascismo Internacional!
Lutemos corajosamente, com a nossa consciência e com a nossa vontade, contra o inimigo comum!
Abaixo o fascismo!
Viva a liberdade!
São Paulo, 14 de julho de 1933
A FRENTE ÚNICA ANTIFASCISTA
(O Homem Livre nº 8, de 17/07/33 )