A Frente Povo Sem Medo (FPSM) foi lançada em outubro de 2015 como uma frente de mobilização contra o ajuste fiscal e em defesa de reivindicações populares. Dizia seu manifesto de fundação: “… o Governo Federal – eleito em 2014 com um discurso de defesa de direitos – aplica uma política semelhante à que foi derrotada nas urnas. Aumento de juros, cortes de investimentos sociais e infraestrutura, privatização e ataques a direitos dos trabalhadores, ampliando a precarização e as demissões. A velha conhecida opção pela austeridade, a mesma que tem levado países da Europa a níveis de desemprego e de desigualdade social elevados”.
Vale lembrar que o governo federal era o governo Dilma, portanto a Povo Sem Medo surgia em contraposição à política do PT e ao estelionato eleitoral de seu governo, fruto da colaboração de classes com a burguesia. Além disso, ela se diferenciava da Frente Brasil Popular (FBP), ligada umbilicalmente ao PT e PCdoB. Por estas razões a Esquerda Marxista decidiu apoiar e aderir à Frente Povo Sem Medo desde seu lançamento.
Tal Frente é encabeçada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), tendo Guilherme Boulos como principal dirigente. Ela é composta por setores contraditórios, organizações ligadas ao PT e PCdoB, como CUT, UNE e CTB, e por organizações mais à esquerda, como as ligadas às correntes do PSOL. Partidos e tendências não compõem formalmente a FPSM, mas movimentos, organizações de jovens, entidades estudantis e sindicais.
O processo de impeachment impulsionado pela direita pressionou a vanguarda do movimento de esquerda a aderir a uma linha de apoio ao governo Dilma. Nós, da Esquerda Marxista, combatemos o impeachment, mas sem apoiar e defender a política reacionária de Lula, Dilma e do PT, pois, concretamente, eles foram os responsáveis por todos os ataques aos trabalhadores, por privatizações, por leis repressivas, e por uma enorme corrupção que, de conjunto, criaram as condições políticas para a sua própria queda, resultado de sua política de alianças com os inimigos de classe e traição às aspirações populares.
A Frente Povo Sem Medo se adaptou a essa pressão, convocou atos em conjunto com a Frente Brasil Popular, alguns com a presença de Lula e dirigentes do PT, em que o centro era o “não vai ter golpe” e a “defesa da democracia”, abandonando uma postura independente no combate ao impeachment, desvinculando-o do combate ao ajuste fiscal iniciado por Dilma.
Após o impeachment, a Frente aderiu à palavra de ordem lançada pelo PT de “Diretas Já!”, que pretendia dar uma saída eleitoral burguesa para a crise política. A FPSM, junto com a FBP e outras organizações, constituiu uma “Frente Ampla pelas Diretas Já”, com um manifesto que dizia que “Só a eleição direta, portanto a soberania popular, é capaz de restabelecer legitimidade ao sistema político”.
Uma adaptação completa à defesa da democracia burguesa, das instituições podres do sistema, ao invés de utilizar a falta de legitimidade no sistema político para incentivar a derrubada do conjunto desse sistema desmoralizado pela ação das massas. Além disso, a iniciativa, no fundo, foi uma tentativa de se formar uma frente eleitoral, ao estilo da Frente Ampla no Uruguai, reunindo partidos, movimentos e sindicatos para dar apoio à candidatura de Lula em 2018.
Já em novembro de 2016, a Frente Povo Sem Medo realizou um seminário nacional que iniciou uma mudança qualitativa. De uma frente de mobilização, começou a adotar uma estrutura muito semelhante a um partido, com a formação de núcleos intitulados “Territórios Sem Medo”. Tal caráter se aprofundou agora, em agosto, com o lançamento da plataforma “VAMOS! Sem medo de mudar o Brasil”, cujo objetivo declarado é “construir um programa que irá abarcar nossas necessidades e desejos”.
Mas sobre que base quer se constitui essa plataforma? Em primeiro lugar, ela está dividida em 6 eixos completamente adaptados ao regime capitalista existente: 1 – democratização dos territórios e do meio ambiente; 2 – democratização econômica; 3 – democratização do poder e da política; 4 – democratização da cultura e comunicação; 5 – democratização da saúde e educação; 6 – um programa negro, feminista e LGBT.
A partir desses eixos estão acontecendo debates pelo país, além de um site na internet em que cada um pode fazer sugestões na proposta inicial de manifesto para cada eixo. É interessante observar que “revolução” e “socialismo” são palavras ausentes nesse manifesto que pretende ser um programa político para mudar o Brasil. E como não haverá nenhum encontro nacional com delegados eleitos pela base, não existe a possibilidade de haver um processo baseado na democracia operária para a formulação deste programa.
De fato toda esta articulação encabeçada por Guilherme Boulos é uma tentativa de criar um partido com setores do PT e do PSOL. Por isso a reunião de 18 de junho chamada por Boulos, com participação de petistas, dentre eles Lindbergh Farias e Tarso Genro, e de dirigentes do PSOL, como Ivan Valente e Marcelo Freixo, cujo objetivo teria sido discutir um “programa mais à esquerda” do que dos governos petistas de Lula e Dilma.
A participação de Boulos em atividade do Podemos, na Espanha, e da vinda de dirigentes do Podemos para participar de debates organizados pela Frente Povo Sem Medo, também mostram a inspiração no partido espanhol para a transformação da frente de mobilização em um partido.
As eleições de 2018 fazem parte destas movimentações. Boulos seguidamente deu demonstrações de sua ligação com Lula, com declarações e participações em atos em defesa do ex-presidente sem apresentar crítica à sua política, como na campanha “Um Brasil justo pra todos e pra Lula”, e a defesa de programas do governo Lula e Dilma, em especial o “Minha Casa, Minha Vida”, que enriquece as empreiteiras privadas com dinheiro público.
A maioria da direção do PSOL tem insistido em uma candidatura de Boulos a presidente da república pelo PSOL. Isso é altamente improvável frente ao “lulismo” de Boulos e todas suas ações até agora que indicam claramente sua disposição de apoiar Lula. Se Lula for impedido de ser candidato, com certeza vai escolher alguém e ser o principal apoiador. A lógica política diz que Boulos será outro apoiador do candidato escolhido por Lula.
Enquanto isso tudo se decide, o PSOL não define sua candidatura a presidente na espera da decisão do líder do MTST, o que é um erro grave e deixa a porta aberta para Lula como única opção contra a direita.
A tentativa de combinação de setores do PSOL e do PT fica clara na composição das mesas dos debates do “Vamos!”. Em seu lançamento, por exemplo, estavam presentes Freixo e Erundina, pelo PSOL, e Suplicy, pelo PT.
A Esquerda Marxista não participa da construção da plataforma “Vamos!”, cujo objetivo é “democratizar” a sociedade capitalista, seu processo de construção nada tem de democrático e, principalmente, não estamos de acordo com a necessidade de construir um novo partido, que só poderia nascer como burocrático e reformista, com setores do PT e do PSOL que, apesar de não declarado, é o objetivo por trás da iniciativa. De fato, este é um projeto contra o PSOL.
O PSOL é, hoje, o partido existente que aparece como uma alternativa eleitoral à esquerda do PT. Por isso consideramos que a tarefa nesse momento é agrupar no PSOL e dialogar com jovens e trabalhadores que olham este partido como uma alternativa.
O PSOL não pode ficar a reboque de figuras conhecidas de movimentos sociais na busca de votos, sem uma discussão programática. Ou seja, não deveria esperar Boulos se decidir para definir seu candidato a presidente, oferecendo o partido a um líder que demonstra constantemente que sua política se afina com a de Lula. Por isso, a EM defende o nome de Nildo Ouriques como candidato a presidente pelo PSOL, um candidato com um programa luta de classes e que coloca com clareza que uma revolução é necessária para derrubar o capitalismo em crise.
Consideramos que o caráter original da Frente Povo Sem Medo é o que deveria ser preservado, uma frente de luta contra os ataques lançados sobre a classe trabalhadora promovidos pelo governo e o Congresso Nacional. Contra a Reforma Trabalhista que entrou em vigor no último dia 11 de novembro, contra a Reforma da Previdência que o governo Temer ainda tenta aprovar.
Essa é a frente que pode ajudar o movimento operário e popular a resistir e avançar. O rumo que a Frente Povo Sem Medo tem tomado, infelizmente, está destruindo seu caráter e objetivo originais.