Já faz um tempo que Bolsonaro se reúne com empresários e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Paulo Skaf, para “discutir medidas de combate ao coronavírus“. Depois da última vídeo conferência, Bolsonaro falou que o protocolo do Ministério da Saúde “pode e vai mudar” o entendimento sobre o uso da cloroquina. Enquanto ministro, Mandetta já segurava a onda desse novo nióbio que a turma da Terra plana vinha usando para exaltar Bolsonaro e isso criou tensões no Ministério. Mandetta foi removido porque “afrontava demais” o “mito“.
Mas o agora ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, também mostrou resistência justamente porque as evidências de eficácia da cloroquina (mesmo quando ministrada junto à azitromicina e no estágio inicial da doença) são frágeis demais para que o governo gire toda uma campanha de produção e distribuição do remédio. Além disso, há efeitos colaterais perigosos o suficiente para entender que mais estudos devem ser feitos nesse sentido. E falar de estudo significa se reunir com profissionais da área, a comunidade científica, e não com empresários, aí inclusos representantes do ramo que mais lucra com doenças pandêmicas, que é o farmacêutico.
Não é a primeira vez que Bolsonaro agita verdadeiras cruzadas anticientíficas, como o caso da fosfoetanolamina, quando usou pacientes terminais com câncer para se promover, com um tratamento que mais tarde foi abandonado após constatada a ineficácia. O critério de Bolsonaro não é a verdade ou a saúde. É usar, contra todas as evidências científicas, a vida e a dor das pessoas para seus próprios interesses. Semelhante a isso, na campanha presidencial, bradou que o nióbio e o grafeno tirariam o Brasil da posição de país atrasado na economia mundial, mostrando até algumas bijuterias que dava pra fazer. Patético.
Na mistura de sua notável debilidade cognitiva e seu oportunismo político fajuto, hoje tem nas mãos um assunto extremamente sério: uma pandemia com 14 mil mortos, 207 mil contaminações e, diante disso, usa a cloroquina para criar tensões entre governadores, prefeitos, judiciário e até com os próprios ministros que escolheu.
Não bastassem os principais conselhos e jornais de saúde de vários países, o Conselho Federal de Medicina do Brasil também alertou que não existe comprovação científica da eficácia da cloroquina para o coronavírus, embora tenha concordado em usar alguns casos. Ainda assim, Teich foi contra porque, mesmo para os mais alucinados, é cientificamente irresponsável um médico prescrever, com o peso da caneta de um Ministério, tratamentos nesse sentido sem comprovação científica robusta. Testes, sim. Mas girar um protocolo desse tamanho, não. E é esse o entendimento também do British Medicine Journal e do Journal of the American Medicine Association.
E aí Bolsonaro interfere mais uma vez, determinando que a pasta da saúde vai mudar o protocolo. Deu essa declaração poucos dias depois de exonerar Valeixo da Polícia Federal (PF) sem assinatura e conhecimento de Moro, que ficou sabendo pelo Diário Oficial; e de incluir manicure, barbearia e academia como serviços essenciais no decreto sem o conhecimento de Teich, que ficou sabendo pela mídia, em uma entrevista coletiva, mais perdido que o Eduardo Bolsonaro tentando falar inglês.
Enquanto isso, dos laboratórios de fake news de Carlos Bolsonaro, surgem insinuações de que os governos estaduais estariam impedindo o combate à pandemia, sonegando cargas de cloroquina no intuito de agravar as tensões no governo federal. Verdadeiras cortinas de fumaça que se espalham muito mais rápido do que a notícia sobre a decisão do Ministério da Saúde em confiscar respiradores do estado do Ceará, onde o governo estadual precisou acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para liberá-los, porém, não a tempo de salvar vidas que agonizaram até a morte na fila por um respirador, situação em que os profissionais do hospital precisaram “definir prioridades” sobre quem viveria e quem morreria.
Para Bolsonaro, independente da peça podre que ocupe seu ministério de bandidos, o que vai prevalecer é exatamente o interesse desses empresários com uma saída que garanta uma grande fatia aos parasitas da saúde pública. Outro entusiasta da cloroquina é Donald Trump, mas o caso dele faz até mais sentido. Trump é um bilionário acionista de várias multinacionais, e uma delas é justamente a farmacêutica francesa Sanofi, uma das maiores produtoras mundiais de cloroquina, é claro.
A cloroquina é um remédio usado contra malária, lúpus e a azitromicina tem natureza de antibiótico, um remédio muito bom pra combater infecções. Infecções bacterianas, obviamente. São sintomas e complicações que eventualmente aparecem como decorrências do agravamento da SARS causada pelo coronavírus. Porém, talvez sejam mais precisas as previsões do horóscopo do Olavo de Carvalho do que as afirmações de que um remédio para malária e um antibiótico sejam a cura definitiva para uma pandemia viral. Tem como saber? Sim! Pela experimentação científica. A mesma ciência que Bolsonaro destruiu enquanto deputado e segue destruindo enquanto presidente.
No meio de tudo isso, surge um destaque no mesmo British Medicine Journal sobre a reversão do quadro de 27 entre 29 casos de coronavírus com uso de simples anticoagulantes. Médicos brasileiros, que trabalham sob as condições de guerra que esse governo (e os anteriores) condicionou. Os outros dois pacientes continuam internados, mas aí já se tem boas evidências para o que pode ser uma saída fácil e rápida, porém pouco lucrativa para os cartéis com quem Bolsonaro se reúne e para Paulo Skaf, o patinho da Fiesp.
Aí Teich, enquanto ministro da Saúde, segue balbuciando “hãn? oi? manicure e o que mais? não… é… não sabia. aí é com o presidente“. A partir desse ponto, ficaram evidentes suas opções: rasgar o diploma e falar amém para o “mito” da cloroquina, rodar igual ao Mandetta ou pular do barco atirando, como fizeram Sérgio Moro, Bebianno e outros.
Enquanto este artigo era escrito, Teich anunciava sua saída do Ministério da Saúde por discordâncias exatamente sobre o uso da cloroquina, deixando o general Eduardo Pazuello comandando a pasta em caráter interino. A tensão que se gestava tinha um desfecho esperado e a vaga prontamente se ocupa por mais um general.
O que se percebe é que temos duas tragédias que vitimam nossa classe. A pandemia do coronavírus e, a outra, o governo Bolsonaro. Hoje se completa um ano desde os grandes protestos do 15 de maio, contra os cortes anunciados pelo ainda ministro da Educação, Abraham Weintraub. Falamos Fora Bolsonaro naquela ocasião e seguimos falando. Desde lá, a Esquerda Marxista entendia a necessidade de remover esses assassinos do governo, sem imaginar que hoje estaríamos contando “recordes” semanais dos milhares de mortos por Covid-19.
Agora, vemos a situação profundamente agravada pela crise no governo, dessa vez com um ministro ainda mais alinhado às suas recomendações de afrouxar o isolamento, usar medicamentos de eficácia duvidosa e garantir as demandas dos empresários com quem se reúne. Devemos enfrentar a situação sob a ótica da luta de classes, da ciência e não dos lucros de grandes empresários, não da politicagem, do jogo de interesses e da máfia, da compra do centrão, da troca de cargos, da blindagem e da corrupção, como sempre aconteceu neste país. Devemos responsabilizar Bolsonaro por todas essas mortes e atuarmos enquanto classe para dar a este governo o mesmo desfecho dos Romanov, Mussolini e de Luís XVI.
- Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!