Mais de meio ano depois de se haver declarado a emergência sanitária, o Equador continua integrando o grupo dos 10 países mais afetados pela pandemia da Covid-19 no continente americano. Segundo Al Jazeera, cerca de 85% dos equatorianos estão agora desempregados ou em empregos precários. No início da pandemia, o Equador tomou a dianteira com o maior número de mortes relacionadas à Covid-19 na região. Agora, também lidera na região em termos de desemprego. Regressamos ao Equador da pobreza e da precariedade generalizada em somente três anos. Dada esta realidade, e tendo em conta a flexibilização das medidas de confinamento e distanciamento social no país, surge a preocupação com respeito aos impactos nos médio e longo prazos da pandemia e à possibilidade de uma iminente crise alimentícia em meio a uma forte recessão econômica. Por outro lado, a explosão social vem mais uma vez às ruas para protestar contra as políticas reacionárias e antioperárias do governo de Moreno.
O Equador se encontra entre os países mais afetados pela pandemia da Covid-19. El País registra um total de 118.494 casos de infecção por Covid-19 e 2.143 novos casos em 24 horas, segundo cifras oficiais do Ministério da Saúde. Guayas continua sendo a província com maior número de mortes pelo coronavírus, com 1.697 casos. Embora já se saiba que os números não estão sequer perto das cifras reais, segundo The New York Times o número é 15 vezes maior.
Ainda mais preocupante é o prognóstico de várias instituições para a região que afirmam que 96 milhões de pessoas estarão em situação de pobreza extrema na América Latina e no Caribe. Alicia Bárcena, secretária executiva da Comissão Regional da Organização das Nações Unidas (ONU), alertou que os rendimentos das famílias serão reduzidos porque não existirão recursos econômicos para adquirir alimentos, mesmo que o abastecimento continue. “Isto se soma à baixa qualidade nutricional que as famílias mais pobres estão experimentando”, disse ela.
No mês de abril de 2020, o informe “Segurança alimentar sob a pandemia de Covid-19”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, CELAC, 2020), adverte que a pandemia repercutirá no aumento da fome e da pobreza nos países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). O informe assinala os impactos da Covid-19 sobre os direitos das famílias camponesas, busca caracterizar uma eventual crise alimentar desde a perspectiva do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequada (DHANA).
Esta será a pior crise capitalista em um século, porque o PIB cairá 9,1%, a pobreza afetará 37,3% da população e o desemprego na região será de 13,5%. Por exemplo, no caso da América do Sul, há uma queda nos preços internacionais (-9,4%); na América Central e no México, há um desequilíbrio do PIB de -8,4% e, quanto ao Caribe, apesar de ter manejado melhor a crise da Covid-19, existe uma perda no turismo e na dívida externa, com uma queda de -5,4%. “Os números se agravaram em junho, e, juntos com a CEPAL, apresentamos um informe e os números já estão obsoletos. Ameaça-nos o número arrepiante de 80 milhões de latino-americanos e caribenhos com fome e situação de segurança alimentar grave, se essas projeções se tornarem realidade significa que retrocedemos 40 anos”, disse Berdegue no seminário.
Colocando em perspectiva, em 2019 as elites empresariais equatorianas ganharam o equivalente a 131 vezes um salário-mínimo, levando menos de duas horas para obtê-lo. A desigualdade é a característica mais destacada do governo de Moreno. Durante estes três anos, o rendimento das elites empresariais do Equador cresceu consideravelmente. Segundo a CEPAL, se examinarmos a proporção média que os mais ricos pagam em impostos em relação aos seus rendimentos no Equador, esta atinge apenas 3,4% quando a média para a América Latina é de 4,8% e a da União Europeia é de 21,3%.
O enorme crescimento do rendimento da elite empresarial económica, que representa apenas 0,006% (965 pessoas) da população total, contrasta com o declínio da maioria dos indicadores trabalhistas do Plano Nacional de Desenvolvimento, incluindo a população mais vulnerável, como as crianças, com o aumento do trabalho infantil. Se considerarmos que nos Estados Unidos “a diferença entre o salário do trabalhador e o do diretor executivo era oito vezes maior em 2016 do que em 1980“, significa que nesse país levou 36 anos e no Equador apenas um ano para duplicar e ultrapassar este número; o ritmo da desigualdade está destruindo à velocidade máxima tudo no seu caminho. A realidade para a maioria da população é o desemprego, a pobreza, a perda de bem-estar e da qualidade de vida.
Há quase um ano, milhares de camponeses, trabalhadores, indígenas e jovens tomaram as ruas de Quito e do resto do país numa revolta exemplar contra a tentativa de interromper os subsídios ao combustível, uma medida que o Presidente Lenin Moreno tinha anunciado em resposta às exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI). A repressão foi brutal, desonesta e servil aos interesses do imperialismo dos EUA. Um estilo de governo semelhante ao do seu homólogo chileno Sebastián Piñera. O que não puderam fazer em Outubro devido à força imparável da classe trabalhadora, conseguiram agora no meio de uma pandemia. Cortes na saúde, educação, despedimentos em massa, leis laborais que só beneficiam o capitalista, casos de corrupção por todos os lados e uma crise existencial do governo com já quatro vice-presidentes em três anos.
Em meio a esse caos, o governo Moreno anunciou, em 28 de Agosto de 2020, um novo acordo entre o Equador e o Fundo Monetário Internacional para aceder a um programa de crédito de 6,5 bilhões de dólares, o acordo tem uma duração de 27 meses.
Kristalina Georgieva, a diretora executiva do FMI, disse ter o prazer de anunciar o acordo com o Equador “para um novo programa apoiado pelo Fundo”. Acrescentou que iria propor ao Conselho de Administração do FMI a aprovação de 6,5 bilhões de dólares “para apoiar políticas económicas que ajudem os equatorianos a ultrapassar a crise atual”. O chefe da missão do FMI no Equador, Ceyda Oner, disse que com o novo acordo o Fundo apoiará o país em quatro áreas: ampliar a cobertura dos programas de assistência social; proteger os segmentos vulneráveis da população; assegurar a sustentabilidade fiscal e da dívida; reforçar as instituições nacionais para lançar as bases de um crescimento forte, duradouro e inclusivo. Este aval do FMI permitiria ao Equador encerrar a operação de Renegociação Global da Dívida Obrigacionista. Esta dívida ascende a 17.375 milhões de dólares e representa cerca de 33% da dívida pública total do Equador. Os credores consideram que um acordo ou o anúncio de um acordo com o FMI é uma garantia de que o Equador poderá assumir os compromissos que resultarão da renegociação global da dívida em bônus. O novo acordo com o FMI substitui o Acordo de Facilidade Alargada assinado por ambas as partes em Março de 2019.
Apesar de todas as belas palavras sobre “assistência social” e “proteção dos vulneráveis”, o verdadeiro objetivo do empréstimo do FMI é “assegurar a sustentabilidade fiscal e da dívida”, ou seja, cortar as despesas sociais a fim de pagar a dívida aos necrófagos capitalistas, sejam eles nacionais ou internacionais.
Em contraste, até 11 de setembro de 2020, o Ministério das Finanças devia 308,6 milhões de dólares em salários ao setor público. No entanto, o governo nacional indicou que está pagando de forma imediata os funcionários dos setores priorizados, como é o caso da polícia, dos militares e dos médicos. Segundo o Ministério das Finanças, foram cancelados 126 milhões de dólares ao Ministério da Educação; 30 milhões ao Ministério da Saúde; 10 milhões ao Ministério da Defesa e 9 milhões à Polícia Nacional. Enquanto isso, existem outros setores que estão mantendo em atraso seus salários em até dois meses.
Uma vez terminado o estado de emergência, viu-se a primeira jornada de protestos. A Federação de Estudantes Universitários do Equador (FEUE) convocou várias mobilizações em todo o país que começaram em 14 de setembro de 2020. Os estudantes de pós-graduação, que não são pagos desde julho, pararam suas atividades nos hospitais em Quito, Guayaquil e Cuenca. A convocação foi pela falta de orçamento para as universidades, pela falta de empregos, pelo não pagamento de salários em nível nacional e pela má gestão do governo de Lenin Moreno. Na capital, um grupo de manifestantes marchou ao Centro Histórico, sendo fortemente reprimidos.
O resultado disso foram concessões aos estudantes de pós-graduação depois de reuniões nas quais se estabeleceu o “diálogo” e o pagamento deste por parte do governo. A ministra do governo, Maria Paula Romo (a responsável pela brutalidade em outubro), pediu desculpas aos médicos em pós-graduação pela desproporção na resposta da polícia e falou sobre o não pagamento dos salários que discutiram para chegar a um acordo razoável com eles. São poucos os países que pagam um salário a seus médicos pós-graduandos, mas o Equador decidiu fazê-lo e isso consta na Lei de Apoio Humanitário, assinalou ela. A ministra disse que espera ter uma resposta nas próximas semanas, “não há falta de vontade política, mas algo tem que ser financiado, o que não estava previsto no Orçamento Geral do Estado”. Há que se conversar com a Saúde, as Finanças, o IESS, as universidades e os hospitais privados, explicou ela.
Da mesma forma, os grupos indígenas expressaram o seu apoio aos protestos convocados nas próximas semanas pelas centrais sindicais, sindicatos de professores e de estudantes, que acusam o governo de não proteger a população da crise sanitária e económica que está a devastar o país.
O líder indígena Leonidas Iza, do Movimento Indígena e Camponês de Cotopaxi (MICC), disse numa conferência de imprensa que o seu grupo apoiou a manifestação sindical em Quito, em 16 de setembro, também convocada pela Frente em Defesa da Educação Pública. Iza disse que o MICC é solidário com os trabalhadores da saúde e professores que não receberam o seu salário mensal ou que foram despedidos dos seus empregos. Rejeitou as ações do Governo em matéria económica e declarou que o novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de 6,5 bilhões de dólares, é uma política neoliberal que procura descarregar todas as devastações da crise sobre os ombros dos trabalhadores equatorianos. “Não excluímos uma mobilização, uma revolta, não excluímos outro surto social e para que isto não aconteça o governo tem de ouvir toda a gente“, disse Iza ao recordar que foi o movimento indígena que liderou os protestos de Outubro do ano passado, considerada a ação mais enérgica contra o Executivo do Presidente Lenin Moreno.
Por outro lado, a Frente Unida dos Trabalhadores (FUT) anunciou numa conferência de imprensa virtual a convocatória para um dia de mobilização nacional contra o governo do Presidente Lenín Moreno, acordada para o dia 16 de Setembro.
O sindicato salientou que “os protestos contra o despedimento de trabalhadores devido à pandemia de Covid-19 serão retomados no dia acordado às 16 horas, hora local, no Fundo de Segurança Social no centro norte de Quito”, informou o presidente do sindicato, Mesías Tatamuez.
A presidente da União Nacional de Educadores (UNE), Isabel Vargas, disse que entre as suas demandas estava a de exigir a demissão dos ministros da Economia, Richard Martinez, e da Educação, Monserrate Creamer. Questionou também a redução do orçamento da educação e o atraso no pagamento dos salários dos professores. O Presidente da Federação, Mesías Tatamuez, anunciou durante a reunião que “o Governo ofereceu 500.000 postos de trabalho, mas um milhão foi despedido“, enquanto acrescentava que passam de 400.000 os desvinculados da seguridade social.
A Frente Unida dos Trabalhadores, a associação de estudantes universitários, de professores e funcionários públicos despedidos de instituições públicas saíram às ruas apesar da pandemia. Edwin Bedoya, presidente da FUT Pichincha e vice-presidente do CEDOCUT, disse que, dos 8.000.000 trabalhadores da população economicamente ativa, apenas 2.000.000 têm um trabalho decente e estável. A sua situação foi agravada pela pandemia e os seus direitos foram violados, disseram eles.
A tudo isto temos de acrescentar as numerosas tentativas de desqualificar os candidatos do bloco progressista. A instrumentalização da justiça contra um ex-presidente, políticos da oposição, ou a criminalização de dezenas de pessoas que participaram na revolta popular de Outubro de 2019, fala de uma presidência que tenta de qualquer forma manter o status quo, um status que está a ser rompido cada vez mais. A decisão final num dos muitos casos contra Rafael Correa, o caso Bochornos, impede o antigo presidente de concorrer a vice-presidente com a dupla Arauz-Correa. Outro exemplo desta perseguição política foi a decisão do Conselho Nacional Eleitoral de suspender vários partidos políticos para as próximas eleições, incluindo Compromiso Social, a lista do binómio progressista. Além disso, existe a preocupação quanto a uma possível fraude eleitoral por parte do governo, que pode tentar eliminar o novo binômio Arauz-Rabascall. Isso seria eliminar os candidatos mais populares do país.
Com tudo isso, o Equador vive em dois mundos completamente diferentes. Por um lado, os credores do FMI aplaudem o novo acordo como um “novo impulso” para que o Equador saia da crise da Covid-19 e, por outro, a pobreza e a precariedade de milhares de equatorianos. Está para se ver o que se passará nos próximos meses: com a contenda eleitoral se aproximando, devemos ser coerentes e críticos com os que pretendem ser o novo governo. Com só oito meses para que se acabe o regime de Moreno, um personagem e seus capangas que serão esquecidos pela história como os traidores de um povo necessitado de socialismo.
As pessoas levantam-se cada vez mais impacientes, com, a cada dia que passa, a luta nas ruas a se intensificar. A explosão social é iminente, como diz Trotsky: “quando a ordem estabelecida se torna insuportável para as massas, elas derrubam as barreiras que as separam da arena política, derrubam os seus representantes tradicionais e, com a sua intervenção, criam um ponto de partida para o novo regime”.
Temos de aprender com as lições de Outubro. Nessa altura, a mobilização das massas colocou o governo nas cordas, mas no último momento foi alcançado um acordo e este permaneceu no poder. Na realidade, a política do governo de Lenin Moreno não surge apenas ou principalmente do seu mal intrínseco, mas representa as necessidades da oligarquia capitalista e dos seus senhores imperialistas num momento de crise econômica sem precedentes. A revolta de Outubro de 2019 colocou em cima da mesa a criação da Assembleia Popular como um órgão de poder. Uma nova revolta é iminente, está apenas à espera. O nosso dever é completar as tarefas de Outubro, e varrer a oligarquia parasitária e as suas instituições políticas para que os trabalhadores e camponeses que constituem a esmagadora maioria possam governar. Apenas o Povo salva o Povo.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM