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Esmagados entre o débito e um mercado colapsando: a vida dos estudantes nos EUA

Enquanto a crise econômica desencadeada pela Covid-19 colocou o destino de milhões de trabalhadores no limbo, os estudantes também se encontram em uma posição precária. Forçados a voltar para os campi inseguros que são como viveiros de coronavírus, milhares de estudantes têm adoecido. Agora, muitos campi têm sido forçados a fechar novamente, adicionando mais turbulência e deslocamento para as vidas dos estudantes. Décadas de austeridade na educação superior, aumentos contínuos nas taxas e o crescente descontentamento entre os estudantes está fervendo, expondo as contradições fundamentais de um sistema de educação desenhado, não para educar e esclarecer a humanidade, mas para beneficiar os ricos.

Enquanto os alunos lutam para saber se serão capazes de completar sua graduação – e depois de se graduarem começar a caça por um emprego em um mercado colapsando – os administradores e seus apoiadores capitalistas têm outras prioridades. Como resultado, o período que está chegando promete trazer novas ondas de movimentos estudantis contra o sistema universitário capitalista desgastado.

Dinheiro para burocratas, austeridade para os estudantes

Enquanto as camadas superiores da burocracia universitária continuam a viver de salários de milhões de dólares – pagos por taxas extravagantes, dólares de impostos, grandes doações e dotações –, aos estudantes e trabalhadores é oferecido um pequeno suporte para lidar com a crise. Funcionários da universidade reclamam amargamente dos milhões em receita que esperam perder no próximo período. A universidade de Michigan sozinha espera perder a quantia enorme de um bilhão de dólares! Mas nós todos sabemos quem pagará a conta – e certamente não serão os presidentes das escolas e os burocratas.

Os estudantes e os trabalhadores dos campi de todo o mundo já experimentaram o resultado de décadas de austeridade e privatização na educação superior. Enquanto custos das taxas das escolas têm aumentado mais que 25% na última década, as universidades têm sido investigadas pela má gestão burocrática de fundos e dos excessivamente “generosos” gastos por parte dos altos funcionários. E enquanto estes funcionários estão vivendo bem, os estudantes estão experimentando o aumento da taxa de desalojamentos e insegurança financeira, o qual já vinha sendo exacerbado nos meses recentes, quando muitos estudantes foram inesperadamente forçados a morar fora da universidade. Estas medidas de austeridade têm feito os estudantes mais vulneráveis do que nunca, e mais abertos à radicalização política.

O próximo período promete trazer novas ondas de movimentos estudantis contra o sistema universitário capitalista /Foto: Corey Oakley, Flickr

De acordo com um relatório de 2019 feito pelo The Hope Center, 17% dos estudantes foram desalojados no ano passado, e 56% foram considerados “morando em condições inseguras”. Aonde estes estudantes irão agora que foram expulsos do campus?  Não é necessário dizer que estes números são maiores entre o dos estudantes de baixa renda e, acima de tudo, entre estudantes negros e latinos, que enfrentam uma mistura opressiva de miséria adicional sob o capitalismo.

Ainda por cima, longe de poder se focar nos seus estudos, nos últimos 25 anos, mais do que 70% dos estudantes de tempo integral reportaram que têm trabalhado em ao menos um emprego. Muitos desses estudantes trabalham para as próprias universidades, aumentando os lucros das escolas, mas, atualmente, pagos pelo governo federal através de um programa de trabalho-estudo. Neste caso, a classe trabalhadora que pagará seus próprios salários!

No entanto, tudo isto vai empalidecer em comparação à austeridade que será imposta assim que o capitalismo desenhar um balanço completo da corrente crise e a conta for para as mãos da classe trabalhadora. O crescimento de uma camada permanente de pessoas sub e desempregados significa que o capitalismo necessita de menos trabalhadores educados como parte de uma pequena força de trabalho. Muitas escolas podem acabar fechando. E nas escolas que sobreviverem, os custos somente serão intensificados.

Para compensar as baixas taxas de inscrição, muitas universidades privadas estão gastando milhões de dólares para minimizar as perdas esperadas através do aumento dos gastos em propaganda. Na Universidade de Phoenix, por exemplo, tem sido gastos US$ 400 mil por dia em anúncios. O mesmo vale para as perdas causadas pela mudança para as aulas online, que gerou processos judiciais pelos estudantes que exigem o reembolso de suas mensalidades da primavera.

As universidades públicas, enquanto isso, estão se preparando para mais décadas de austeridade. Muitos estados, incluindo os controlados pelo Partido Democrata, como Califórnia e Nova York, têm anunciado bilhões em cortes na educação superior. As Universidades estão demitindo seus funcionários. E ainda – surpresa – nenhuma única universidade anunciou cortes de salário para os funcionários de altos cargos.  Como é característico de um sistema dirigido pelo lucro, dos estudantes e funcionários – os que atualmente permitem que o sistema universitário funcione – é esperado que se deitem e finjam-se de morto, enquanto seus meios de subsistência são sacrificados no altar do capital.

E além de tudo isso, com o coronavírus fora de controle, os estudantes são forçados, muitas vezes, ao “ensino remoto” por um extenso período, que atravessa a verdadeira experiência educacional que nossa geração merece.

A classe trabalhadora de 2020

Estes graduados do corrente ano, já estavam exauridos de anos gastos em um sistema universitário extenuante, e estão prontos para se juntar ao proletariado durante um período intensificado de luta de classes. Eles estão prestes a ter uma dura prova da realidade da vida profissional sob o capitalismo – se eles tiverem a sorte de encontrar um emprego. Esmagados por trilhões de dólares no débito estudantil, essa camada do proletariado entrou no mercado de trabalho durante a crise mais aguda da história do sistema. Enquanto milhões de trabalhadores perderam seus empregos, mais milhões procuram emprego pela primeira vez.  Uma pesquisa mostrou que os graduados que entram no mercado de trabalho durante uma crise econômica têm maior probabilidade de enfrentar problemas econômicos e de saúde ao longo de suas vidas. Porém, nós não devemos subestimar o efeito das expectativas traídas por uma vida melhor que terá sobre a consciência desta nova geração de trabalhadores.

Empregadores estão bem atentos aos desafios que estão chegando, e os estrategistas da indústria, descaradamente chamados de “recursos humanos”, estão fazendo tudo o que podem para garantir que a exploração da força de trabalho humana possa continuar com o mínimo de interrupção possível. O relatório “Class Of” deste ano, lançado em meados de março, fornece algumas indicações da psicologia da classe capitalista em relação à força de trabalho jovem. Este relatório anual é emitido pela ICIMS, uma empresa que fornece ferramentas de recrutamento para departamentos de RH. O relatório para 2020 alerta os empregadores sobre a necessidade de ajustar suas práticas de contratação se quiserem continuar ganhando dinheiro.

Por um lado, exorta os empregadores a tirar partido das “ferramentas de comunicação digital”. Tais ferramentas permitem que os recrutadores e empregadores permaneçam em constante contato com os empregados, manchando as linhas entre o dia de trabalho e restante de sua vida. Ao invés disso, o relatório observa que “os recrutadores esperam contratar os candidatos mais básicos para funções de RH (50%), TI (25%) e vendas (20%)“, a maioria dos quais, são trabalhos que podem ser feitos remotamente e que podem exigir que os trabalhadores estejam disponíveis para os patrões o tempo todo.

O relatório observa ainda que “em áreas consideradas essenciais neste momento, os recém-formados podem se encontrar com um excedente de oportunidades.” Mas o que dizer de todos aqueles graduados cujos campos não são considerados essenciais neste momento pelos exploradores? Apesar de anos de esforço e gastos, suas graduações podem ser inúteis. Muitos poderão ser forçados a aceitar a primeira posição que encontrarem, independentemente de estar em seu campo ou não.

Estudantes revidam

Nas últimas duas décadas, protestos estudantis e greves têm rompido intermitentemente ao redor do país.  Estudantes graduados, por exemplo, estão lutando por salários mais altos e melhores condições, e alguns têm tentado se sindicalizar. A corrente crise garante que estas lutas se intensifiquem.

Nas últimas duas décadas, protestos e greves estudantis eclodiram intermitentemente em todo o país /Foto: Tom Woodward, FlickrEUA

Em resposta à Covid-19, alunos de pós-graduação da Universidade de Columbia já lançaram greves, citando anos de deterioração das condições, que foram exacerbadas pela pandemia. A administração, continuando uma longa história de conduta vergonhosa, tentou acalmar a luta distorcendo a própria linguagem, alegando que se trata de “acadêmicos” e não trabalhadores. Eles se recusaram a reconhecer o sindicato dos estudantes de graduação por anos, mesmo depois que um tribunal decidiu que esses estudantes tinham o direito de se organizar. Isto mostra que, mesmo nas universidades “não-lucrativas”, os privilégios dos burocratas e os trustes são colocados antes dos interesses dos estudantes e trabalhadores.

Outras faculdades e universidades também estão testemunhando as brasas dos movimentos estudantis, incluindo a Universidade de Chicago e a The New School. Esta última anunciou um aumento de 3,8% nas mensalidades, apesar de ter mudado as aulas online. Os alunos responderam com várias formas de greve. Em alguns casos, os alunos estão levantando demandas radicais, como a participação no processo de tomada de decisão das universidades. Todas essas ações são inspiradoras. Mas a única maneira para garantir a vitória é ligar a luta dos estudantes com as amplas lutas da classe trabalhadora. Esta necessita ser conectada com um programa pela transformação socialista da sociedade.

Por um sistema socialista de educação!

Ao contrário das ilusões de muitos da direita, o sistema universitário americano não é, de forma alguma, um “refúgio da ideologia marxista.” De fato, isto é precisamente o oposto. Aqueles que controlam os recursos, as contratações e o funcionamento das universidades não são aqueles cujo trabalho as faz funcionar, mas sim os burocratas que as controlam no interesse do capital. Os interesses do capital sempre tiveram um forte controle sobre o sistema universitário. Basta dizer que os conselhos de administração de todas as principais universidades estão repletos de membros da classe dominante. Longe de produzir ideologia de esquerda, essas instituições existem para produzir lucros, assim como trabalhadores que podem ser explorados para gerar ainda mais lucros.

No entanto, este século viu um aumento no protesto estudantil e movimentos ativistas em todo o mundo, incluindo nos Estados Unidos. Esses movimentos estão fadados a se intensificar no próximo período, à medida que as contradições de classe do sistema se expressam nas universidades de forma mais aguda do que nunca. É nosso dever construir uma verdadeira tendência marxista entre os jovens, para que seu potencial revolucionário não se perca. Devemos nos esforçar para conquistar os estudantes mais radicalizados, para se juntarem à luta pelo socialismo ao lado da classe trabalhadora. Armados com a teoria marxista e um programa socialista, os trabalhadores e estudantes unidos seriam uma força imparável para a transformação da sociedade.

TRADUÇÃO DE JOSÉ GUTERRES.
PUBLICADO EM SOCIALISTREVOLUTION.ORG