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Gustavo Petro soube transformar uma sensibilidade política em ações

Todos os trabalhadores do mundo estão fartos de palavras duras e nenhuma ação contra o genocídio na Palestina que, apesar do cessar-fogo, segue em curso. Enquanto grande parte dos governos se limitou, até aqui, a discursos, Petro fez da condenação a Israel e da solidariedade à Palestina uma bandeira de ações e propostas concretas. Essa trajetória não é mero folclore retórico. Em maio de 2024, Gustavo Petro anunciou a ruptura das relações diplomáticas com Israel, gesto raro entre os dirigentes dos países e sintoma de uma alteração.

A partir desse rompimento, seu posicionamento foi se tornando cada vez menos declaratório. No ano de 2025, diante da escalada do confronto e da ação internacional contra a flotilha humanitária, a chamada Global Sumud, Petro não só qualificou a retenção de cidadãos colombianos como crime internacional, como também ordenou a expulsão do restante da delegação diplomática israelense e a suspensão de acordos comerciais significativos. Esse movimento, simultaneamente simbólico e prático, marca um salto: de romper, em direção à sanção de expulsar e, por fim, suspender acordos com o Estado de Israel.

No debate mundial, Petro foi além do palco das palavras. Em seu discurso na tribuna da ONU, a mesma que criou o Estado sionista de Israel, foi onde Petro dirigiu-se à Assembleia Geral em termos que soaram como uma convocação à ação e não apenas ao lamento. Propôs a criação de uma força internacional capaz de “libertar a Palestina” e deter o que qualificou corretamente como genocídio.

Não se tratou de um apelo retórico à diplomacia; foi um chamado explícito ao uso de meios coercitivos internacionais para travar o que descreveu como um crime contra a humanidade. Esse tom se endereça diretamente à lógica imperialista que marca a criação do Estado de Israel e sua manutenção, e chama o que foi permitido e patrocinado por potências imperialistas a prestar contas.

No debate mundial, Petro foi além do palco das palavras. Em seu discurso na tribuna da ONU, propôs a criação de uma força internacional capaz de “libertar a Palestina” e deter o que qualificou corretamente como genocídio / Imagem: IRNA, Fotos Públicas

Por que isso importa? Na prática política, palavras que se convertem em medidas (corte de relações, expulsão de diplomatas, suspensão de tratados) alteram o cálculo do poder burguês. Petro não só rompeu laços, ele mostrou que um pequeno ou médio Estado pode, alinhado com uma demanda real dos trabalhadores, criar precedentes. A expulsão de diplomatas após o episódio da flotilha é exatamente o tipo de medida que cria repercussões em cascata, pois pressiona os outros governantes, impõe custos políticos a eles e estimula ações concretas que já acontecem pelos operários do mundo, que agora agem com menos hesitação, como ocorreu na greve geral na Itália em solidariedade a Gaza.

A comparação com Lula ajuda a calibrar o significado histórico desse impulso. O presidente brasileiro também tem feito críticas duras a Israel, denunciando atos em Gaza e falando em termos de genocídio, inclusive comparando com o Holocausto, mas até agora optou por uma via mais cautelosa nas ações bilaterais, sem romper definitivamente laços, como Petro fez. Além disso, Lula mantém toda a exportação de insumos para as forças repressoras de Israel, que usam os recursos minerais e o petróleo brasileiros como ferramenta do genocídio. Ou seja, ambos condenam; porém, apenas um transformou a condenação em ruptura diplomática e econômica, com efeitos práticos e duradouros.

Petro não é um comunista, por isso possui ilusões nas mesmas instituições que são fiduciárias do genocídio de Israel, mas, ainda assim, suas ações demonstram as incapacidades dessas mesmas instituições que ele chama para a ação; ou seja, colocam em xeque o sistema capitalista do ponto de vista prático.

Politicamente, para o movimento operário, isso significa duas coisas: que há espaço hoje para políticas exteriores que sejam expressão concreta de solidariedade internacional — ou seja, que coloquem em xeque os lucros dos capitalistas que investem na máquina de genocídio de Israel — e uma segunda, que há uma linha de frente entre um anti-imperialismo só no discurso e um anti-imperialismo com ações práticas. Petro escolheu a segunda via e, por isso, encontrou aliados nas ruas, entre organizações sociais e em setores do movimento operário e estudantil que interpretam esses atos como coerência programática.

Nada disso é gratuito. A escalada verbal e diplomática atrai retaliações: críticas de governos alinhados a Washington, medidas como revogação de vistos, pressão econômica e campanhas midiáticas que tentam deslegitimar o gesto. Ainda assim, é preciso afirmar que uma política externa que coloca o povo palestino no centro inaugura um novo parâmetro, em que solidariedade é política de Estado e não expediente retórico. A questão que fica é histórica e prática: a solidariedade pode transformar-se em estratégia efetiva sem se deixar capturar pelo nacionalismo estreito ou pela chantagem imperialista? Petro parece apostar que sim, e aposta com ações, não só com palavras.

O que está em jogo não é apenas a sorte dos palestinos, mas o que permite ao imperialismo operar com impunidade; ou seja, a demonstração de o quanto as leis burguesas não servem aos trabalhadores mundialmente. Quando um presidente de um país como a Colômbia transforma condenação moral em ruptura diplomática e em convite a formas de solidariedade internacional, a ordem capitalista treme, e surgem novas possibilidades para o movimento operário: partir para a luta, organizar a solidariedade e impor custos ao agressor. Assim age um presidente, mesmo que de um Estado burguês, que bate na mesa da História e pede que o mundo escolha um lado.

E essa, no fim, é a lição política que importa para quem ainda pensa o internacionalismo como horizonte e não como folclore de cátedra. Nós, comunistas, sabemos que apenas a classe trabalhadora mundial em luta, tomando o controle dos meios de produção dentro de seus países e criando suas próprias instituições, é quem pode dar cabo dessa situação. Mas as ações de Petro, como forma de mostrar os limites das instituições burguesas, revelam quem é que pode mudar a história: a classe operária.

Gustavo Petro não recuou. Ao contrário de tantos dirigentes que se diluem entre as fórmulas diplomáticas, ele continua o combate e o faz, em grande medida, sozinho, no terreno instável que separa a coerência anti-imperialista do abismo das pressões imperialistas. Nos últimos meses, Petro tem denunciado publicamente o novo cenário de guerra no Caribe, alertando para a presença militar norte-americana e as tentativas de Trump e do Pentágono de usar a região como plataforma contra governos insubmissos.

A resposta de Petro foi uma clara afirmação de soberania militar latino-americana e rejeição à compra de armas dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, propôs um tratado regional de vigilância do Pacífico, sob controle dos próprios sul-americanos, como parte de um esforço de independência estratégica.

Nos últimos meses, Petro tem denunciado publicamente o novo cenário de guerra no Caribe, alertando para a presença militar norte-americana / Imagem: Alyssa Joy, Marinha dos EUA

É o mesmo presidente que, em seu discurso na ONU, defendeu abertamente a criação de um exército internacional para libertar a Palestina e que denunciou a hipocrisia da política antidrogas de Washington, política que Petro qualifica corretamente como instrumento de dominação e não de segurança. Agora, ao convocar seu embaixador em Washington após as ameaças de Trump contra a Colômbia, Petro reafirma algo que nenhum outro governo da região ousou afirmar de forma tão direta: não há paz possível sob tutela do império.

Mas é precisamente aí que se manifestam o dilema e o limite de seu combate. Petro insiste em atuar dentro das instituições burguesas e dos organismos multilaterais controlados pelas potências, acreditando ainda que é possível converter as Nações Unidas, a OEA ou os tratados regionais em instrumentos de soberania popular. É um equívoco histórico, mas também uma contradição progressiva: porque, como ensina o “Programa de Transição” de Leon Trotsky, a tarefa revolucionária não consiste em ridicularizar as ilusões das massas, mas em conduzi-las, através da própria experiência, à conclusão de que é preciso destruir as instituições burguesas:

“O programa deve ajudar as massas a encontrar, no curso da luta diária, a ponte entre as suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir num sistema de reivindicações transitórias que parta das condições e da consciência atuais das amplas camadas da classe operária e conduza, invariavelmente, a uma só conclusão: a conquista do poder pelo proletariado.”

Essa é a chave para compreender Petro em seu momento histórico. Ele atua, objetivamente, como uma ponte entre a consciência limitada da legalidade burguesa e a necessidade de ação direta anti-imperialista. Suas propostas de defesa internacional da Palestina, de soberania militar latino-americana e de vigilância regional sobre o Pacífico são tentativas sinceras, ainda que contraditórias, de construir essa “ponte” dentro do campo institucional. Ao fazê-lo, demonstra não apenas coragem, mas uma pedagogia política: mostra aos trabalhadores o limite do possível dentro do capitalismo, que poderia ser superado caso Petro defendesse a criação de novas instituições e, para isso, uma revolução nas Américas.

Quando Petro exige das Nações Unidas uma força internacional para “libertar a Palestina”, ele revela, talvez sem o dizer, que a ONU é uma ferramenta do imperialismo, incapaz de fazê-lo, pois é parte dos mesmos poderes que perpetuam o genocídio. Quando propõe soberania militar latino-americana, ele expõe que a dependência das armas norte-americanas é impossível de ser superada dentro do capitalismo, não se resolve por tratados, e só pode ser rompida por uma revolução. Quando denuncia uma guerra no Caribe e convoca a região a resistir, demonstra que precisamos abrir caminho para que as massas tomem consciência de sua força e dos limites do Estado burguês.

Essa solidão de Petro, portanto, é o reflexo de sua própria contradição: ele enfrenta o genocídio com instrumentos do capitalismo, e sua ousadia o leva a descobrir os limites desses instrumentos. Mas essa é uma contradição fecunda, e não um erro fatal. Isso porque a luta pelos objetivos transitórios educa as massas, conduzindo-as à necessidade de uma nova ordem.

Petro é, assim, uma figura liminar: não um revolucionário que se ergueu acima da velha ordem, mas um dirigente que, ao desafiar o imperialismo, obriga o velho mundo a mostrar sua podridão. Sua luta, ainda que travada nos marcos do Estado burguês, contém uma pedagogia revolucionária objetiva. E por isso o que hoje parece uma solidão estratégica pode ser, amanhã, a base de uma nova consciência internacionalista latino-americana, uma consciência que saberá que nenhum tratado, nenhuma ONU e nenhuma diplomacia de cúpula podem libertar os povos, senão a sua própria força organizada e internacionalmente unida.