Este é o primeiro artigo de uma série que apresentará a origem da luta internacional dos trabalhadores e a sua continuidade nos dias de hoje. Diante da crise econômica mundial, que atinge todos os trabalhadores, compreender este processo histórico é fundamental.
As Revoluções burguesas
O capitalismo é o filho dileto do feudalismo. A sua gestação ocorreu lentamente na Europa (e também no Japão) em virtude das mudanças econômicas que o modo de produção feudal sofreu ao longo de quase mil anos de história. O feudalismo, ancorado na aldeia camponesa, parecia imutável. Os senhores feudais que eram os “donos” desta ou daquela aldeia mudavam, mas a aldeia continuava lá, sofrendo e trabalhando. Produzindo. Mas as necessidades econômicas, inclusive para a guerra feudal, mudavam. E com elas crescia o comércio, geravam-se crises econômicas, cresciam as cidades com suas guildas de produção artesanal, abriam-se novos caminhos terrestres em direção a India e a China, aumentavam as navegações em busca de um caminho marítimo para as Índias.
Este processo levou ao crescimento de uma nova classe social, que organizava os “negócios”, ou seja, o comércio de mercadorias, o comércio do dinheiro, a produção de mercadorias. Localizada nas cidades (burgos) esta classe recebe o nome de “burguesia”, exatamente para diferenciá-la dos senhores feudais e dos camponeses. Muitas cidades se tornam centros comerciais importantes e conseguem “cartas” que as libertam do jugo feudal, a maioria delas conquistada de armas na mão ou “compradas” aos nobres por um valor substancial em dinheiro.
A colonização das Américas começou em 1500, ainda no feudalismo, mas já em transição para o capitalismo, adotando-se em muitas colônias métodos de produção capitalistas – produção do açúcar, por exemplo – aliadas a métodos de exploração da força de trabalho as mais brutais possíveis (o escravagismo). A situação nos Estados europeus caminhou em direção à crises políticas entre a burguesia que flexionava seus músculos e os senhores feudais. Ainda sem experiência política e sem a força econômica que depois marcariam o seu domínio, inicialmente a burguesia foi o esteio que apoiou os reis absolutistas em contraponto aos senhores feudais, aos condes, barões e duques. Este é um processo marcante, por exemplo, na França.
Mas esta situação tem seu limite na medida em que o próprio rei é apenas o primeiro entre os pares (França). Assim, na Inglaterra, as medidas do rei que passam por cima do interesse da burguesia para decretar suas guerras e financiá-las com impostos sobre a dita burguesia, levam à revolta na década de 1640 (360 anos atrás).
Esta revolta, conhecida como “Revolução Puritana” é concentrada no direito do parlamento de decidir, por si próprio, o orçamento do reino, ou, em outras palavras, a decidir o destino de toda a nação. O rei (Carlos I), depois de um período de guerra civil que foi vencido pelo parlamento, cujo Exército era dirigido por Oliver Cromwell (entre 1641 e 1645) fez um acordo com o parlamento e voltou a reinar com um orçamento ditado pelo parlamento. Com a agitação no Exército (niveladores) contra os privilégios que ainda existiam para nobres e para o rei, o Parlamento resolveu dissolver o Exército. Isto levou a uma nova guerra civil, vencida em 1649 com a prisão e decapitação de Carlos I. Inicia-se a ditadura de Cromwell, que durou até a sua morte em 1658, durante a qual os “verdadeiros niveladores”, inspirados por Gerrard Winstanley, com base na crítica a propriedade privada e na desigualdade dela decorrente forma massacrados.
Após isso, foi feito um acordo entre a burguesia e o resto de nobreza existente, a chamada “Revolução Gloriosa”, que levou ao atual sistema político da Inglaterra em que o rei “reina, mas não governa”.
Quais as classes sociais que estavam por trás destes acontecimentos? Em primeiro lugar a nobreza feudal, a Igreja que era extensão desta e que se enfileiraram em torno do rei. Depois, a burguesia e o campesinato, os comerciantes, banqueiros, agricultores, donos de manufaturas etc. Eles formaram, particularmente os artesãos e o campesinato, a base do Exército de Cromwell. Como em muitos movimentos sociais, por não existir uma forma de expressão puramente política, ele se expressou através de um movimento “religioso”, o puritanismo, que pretendia “reformar” os costumes.
A decapitação do rei levou então à novas contradições, entre a grande burguesia que queria o pleno respeito a propriedade privada e a pequena burguesia, particularmente o campesinato, que queria a divisão das terras. Estes foram a base dos “verdadeiros niveladores”, esmagados por Cromwell em 1653. Apesar da ideias de Winstanley guardarem uma crítica à propriedade privada, sendo neste sentido um precursor do socialismo, sua base social real não era o proletariado, ainda incipiente e sem um movimento independente neste tempo. Assim, suas ideias eram em certa medida utópicas e constituíram na realidade a base teórica para a reivindicação dos camponeses de distribuição das terras que foi derrotada.
De qualquer forma, a destruição das travas feudais (as barreiras alfandegárias e as proibições para a indústria nascente) permitiram o rápido desenvolvimento da Inglaterra como a maior potência capitalista dos dois próximos séculos, com um desenvolvimento industrial sem comparação neste período. Isto levou à construção de colônias no mundo inteiro, derrotando os países ainda feudais onde foi necessário (França, nos EUA e Canadá, e Portugal na Índia etc).
Os próximos movimentos políticos da burguesia vão acontecer no final do século 18, com a Independência dos EUA e a Revolução Francesa.
Não vamos nos estender sobre a Independência dos EUA, que foge ao escopo deste trabalho. Apenas lembramos que ela permitiu a construção de um novo país que será depois a maior potência imperialista do mundo. Por outro lado, a Revolução Francesa traz já alguns detalhes muito interessantes para o nosso estudo.
A revolução que tem uma data de ínicio (1789), ano da queda da Bastilha, tem sua origem numa crise econômica e na disputa política de como resolvê-la. O rei (Luís XVI) convoca os “Estados Gerais”, uma espécie de assembleia com a presença de três “Estados”, a nobreza, o clero e a burguesia. Com a crise e a disposição revolucionária da burguesia, que se expressava politicamente através de “clubes” e de movimentos “filosóficos” como os enciclopedistas, que questionavam inclusive o caráter de um Estado religioso e a própria religião, vários representantes do baixo clero e da pequena nobreza se passam para o lado da burguesia. A tentativa do rei de dissolver a assembleia, tal qual na Inglaterra, leva o “Terceiro Estado” com os apoios já citados a se declarar Assembleia Nacional e depois Assembleia Constituinte.
A tentativa de fuga do rei, suas alianças com nobres estrangeiros, enfim, a tentativa de uma contrarrevolução, leva a uma radicalização da revolução, a proclamação da República (1792) e ao guilhotinamento de Luís XVI em janeiro de 1793. Se é verdade que existia esta radicalização, é necessário lembrar, entretanto, que o proletariado já não era o mesmo proletariado incipiente da Revolução Inglesa. Assim, a burguesia em 1791, ainda no período de “calma” da revolução, faz passar uma lei que proíbe greves e inclusive pune com a morte quem promovê-las. Vê-se que o medo do proletariado já existia. A Igualdade prometida na Constituição era a igualdade política e não a igualdade econômica. A liberdade, como se via, era limitada para os operários que não podiam fazer greves e nem constituir sindicatos (Lei de Le Chapelier, de defesa da propriedade privada, de 1791 que só foi revogada em 1864). A fraternidade, é claro, acabou sendo a fraternidade dos burgueses.
A radicalização levou a nacionalização dos bens do Clero (1791) mas manteve, como era do interesse da classe que dirigia a revolução, a propriedade privada. A decapitação do rei e a guerra contra a Áustria levaram a mobilização revolucionária de todo o povo, dirigido pela burguesia. Os privilégios feudais não são abolidos, como resposta, o campesinato passa à ação expropriando a propriedade dos nobres. A nível político existe uma caça à nobreza, com a execução (estimada) de 30 a 40 mil nobres no período chamado de “Terror”. Neste período foi decretado o fim do escravagismo nas colônias, a reforma agrária com o confisco das terras dos nobres e da igreja, o sufrágio universal.
Os principais partidos políticos eram os jacobinos (liderados por Robespierre), que se situavam mais à esquerda e os girondinos (direita). Em termos de classe, confundiam-se no partido de Robespierre os interesses da pequena e média burguesia, tanto da cidade quanto do campo, assim como as manifestações iniciais independentes do proletariado (representados por Jacques Hébert). No partido dos girondinos concentrava-se a grande burguesia e alguns extratos da média burguesia.
A pequena e média burguesia, entretanto, representadas por Robespierre e por Saint-Just (jacobinos), tentavam se manter no poder a qualquer custo, golpeando a direita e a esquerda. Danton foi executado , assim como Hébert (ala esquerda, que organizava as massas operárias) em 1794. Após a derrota da contrarrevolução e da coalizão de países que queria restaurar a monarquia, a grande burguesia organiza um golpe que derrota Robespierre e os faz executar. Depois de ter derrotado sua ala mais à esquerda e desarticulado as massas operárias (lembremos que apesar de todos os avanços nunca revogaram a Lei de Le Chapelier) e de ter conquistado aquilo que mais os camponeses queriam, que era a propriedade da terra, chegou o momento de deixarem o campo livre para os que queriam a “normalização” da revolução.
A reforma agrária e o fim do escravagismo foram mantidos, mas o voto deixou de ser universal e passou a ser censitário, dependente da propriedade. Apesar desta reação, é importante ressaltar que começava a existir uma tentativa de um movimento operário que atinge seu apogeu com a “Conspiração dos Iguais”, onde Babeuf defende que é necessário o fim da propriedade privada para se chegar a uma verdadeira igualdade. A conspiração, entretanto, tal qual a inconfidência mineira, nunca passou de planos míticos, que não tinham uma base social real e, quando descoberta, Babeuf e os seus seguidores foram executados (1797). É interessante notar que Babeuf defendia o direito das mulheres de fazerem parte dos clubes políticos, que foi algo extremamente avançado para a época. Foi a primeira expressão política do proletariado que se diferenciava da burguesia não só pela radicalização (Hébert), mas também por um programa político diferente que depois vai ser assumido pelos marxistas.
Cronograma com datas importantes:
Data
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Revoluções burguesas
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Comentário |
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1640 | Revolução Inglesa (dita Puritana) |
Primeira Revolução burguesa no mundo. Começa em 1640 com o parlamento estabelecendo que ele ditava as leis, passa pela guerra contra os nobres organizados pelo Rei, pela vitoria do Exército do parlamento dirigido por Cromwell e a decapitação do rei em 1649.
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1649-1658 | Ditadura de Cromwell |
Republica Inglesa, com Cromwell como ditador. esmagamento dos “verdeiros niveladores”, precursores do comunismo, em 1653. Com a morte de Cromwell, foi restaurada a realeza com o Parlamento decretando a sua supremacia diante do rei que passa a ter funções de “representação” mas que não governará mais de fato.
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1650-1800 | Iluministas e Enciclopedistas |
Agitação política da burguesia francesa, contra o feudalismo. Defesa do materialismo contra o idealismo. Ataque as religiões. Iniciado por volta de 1650, seguiu até a revolução francesa.
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1775-1783 | Independência dos EUA |
Começou com a revolta das 13 colonias. A expansão destas colônias em direção ao oeste (oceano pacifico) vai constituir a maior nação burguesa do mundo.
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1789 | Revolução Francesa |
Clássica revolução da burguesia. Junto com a independência dos EUA, abriu caminho para a instalação do capitalismo em todo o mundo.
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1792-1795 | Época do Terror |
A pequena burguesia força a revolução a avançar. Robespierre dirige a revolução.
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1796 | Conspiração dos Iguais |
Dirigida por Babeuf, defende que os direitos dos trabalhadores e uma igualdade “real”. Pela propaganda em torno destes objetivos Babeuf foi preso e executado.
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1795-1799 | Diretório e Império |
Robespierre é guilhotinado. Termina a marcha em direção a esquerda. Napoleão sobe ao poder e expande a revolução com suas guerras de conquista.
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