Durantes os quatro dias da Universidade Marxistas Internacional 2020 os militantes da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) estão empenhados em disponibilizar em nossa página breves relatos dos 16 temas tratados na Escola. O objetivo é estimular nossos leitores a aprofundar o conhecimento sobre nossas posições e a juntarem-se a nós na construção da CMI. Para sua localização procure pelo dia e o tema que deseja fazer a leitura.
Relato do informe “Luta de classes e a mentalidade de pequenos círculos: Marxismo x sectarismo”, apresentado no segundo dia da Universidade Marxista Internacional (26/7), por Claudio Bellotti, militante de Sinistra, Classe Rivoluzione, seção italiana da CMI.
O sectarismo é um dos problemas fundamentais com os quais os marxistas tiveram que lidar ao longo de sua história. Desde a Primeira Internacional, fundada por Marx e Engels para organizar a luta de classes em toda a Europa e substituir as pequenas frações socialistas espalhadas pelo continente, a disputa com os anarquistas já mostrava o quanto o pensamento sectário podia ser nocivo ao movimento dos trabalhadores.
Lenin e Trotsky também lidaram com o sectarismo nos primeiros anos da Terceira Internacional. Essa tendência era forte principalmente nas seções italiana e alemã, mas também podia ser vista entre os britânicos. Naquele momento, o sectarismo era uma expressão da profunda decepção que a vanguarda revolucionária sentia após a traição dos partidos social-democratas da Segunda Internacional e refletiam a radicalização na vanguarda dos trabalhadores. Parafraseando Lenin, tratava-se da doença infantil do comunismo e era possível corrigi-la.
No entanto, isso jamais intimidou os bolcheviques. Na verdade, houve até mesmo apelos diretos a grupos ultraesquerdistas ou semianarquistas para que se juntassem à Terceira Internacional. Tal atitude estava fundamentada na certeza de que as características sectárias poderiam ser superadas com a discussão correta e a experiência viva no movimento revolucionário que se desenvolvia.
As resoluções da Terceira Internacional e textos clássicos de Lenin mostram o teor e o processo desse debate. Naquele período, uma grande ênfase era dada na necessidade de fincar raízes nos sindicatos como forma de ganhar a maioria da classe trabalhadora para o programa revolucionário e fazer uso de todas as formas de atividade para construir o partido revolucionário. Na discussão, era central a defesa da frente única, juntamente com o governo dos trabalhadores.
Em resumo, para atingir as massas que ainda seguiam os líderes social-democratas e sindicalistas reformistas não bastava chama-los para sair de suas organizações e se juntar ao partido revolucionário. Era preciso lançar a questão da ação conjunta e se dirigir aos membros para alcançar as massas.
Um exemplo disso são as experiências de 1917. Quando os bolcheviques ainda eram poucos, chamaram os líderes social-democratas para que tomassem o poder. Da mesma forma, diante da tentativa de golpe de Kornilov, usaram a tática da frente única para combatê-lo.
Ao construir a Quarta Internacional, Trotsy também teve que lidar com tendências sectárias das forças que a formavam. Em um de seus escritos, ele explica que todo partido da classe trabalhadora passa por um período inicial de pura propaganda, no qual seus quadros são treinados. Essa fase de pequenos círculos sempre leva a abordagens abstratas sobre a luta da classe trabalhadora. Aqueles que não são capazes de superar essa fase se tornam sectários conservadores, pois o propagandismo abstrato se torna reacionário a partir do momento em que passa a ir contra a dialética.
O sectarismo pode não ser hostil à dialética com palavras, mas o é através de suas ações, uma vez que é contra o desenvolvimento real da luta de classes. Isso se manifesta, entre outras coisas, pela demonização de certas formas de luta. Alguns grupos sectários consideram somente a greve como uma forma legítima, outros somente a propaganda. Em todos os casos há a ideia errada de que se houver um distanciamento de certas formas de luta, como a parlamentar, por exemplo, é possível ficar longe dos perigos do oportunismo e da degeneração.
Tais erros mostram um pensamento idealista e subjetivista, e os partidos que incorrem neles tentam construir sua própria classe trabalhadora, seu próprio movimento proletário, em vez de intervir na luta de classes real. É preciso entender o processo para saber identificar os problemas em cada um dos cenários em que eles surgem, uma vez que não há uma regra fixa para identificar o sectarismo em todas as situações.
Em alguns casos, a pressão de outras classes e a própria situação do período pode levar os trabalhadores a acreditar em milagres fáceis em vez de suas próprias forças. É bastante comum que movimentos pequeno-burgueses mais ou menos à esquerda tenham influência sobre as massas. Isso pode levar setores da classe trabalhadora a agir de forma independente do restante do movimento.
Nos sindicatos as tendências sectárias estão muito presentes, muitas vezes fazendo com que surja um movimento ultraesquerdista que leve ao rompimento com os sindicatos de massa. Isso se dá porque a burocracia sindical costuma agir como freio para as lutas de algumas camadas dos trabalhadores, principalmente as mais oprimidas e exploradas. No entanto, a separação dessas camadas mais conscientes facilita a repressão da burocracia, dos patrões e do próprio sistema.
Isso não significa que não haja momentos em que criar um sindicato independente não seja uma possibilidade, desde que a política de frente única seja aplicada em direção aos sindicatos majoritários. O erro está em acreditar que tais sindicatos podem substituir os partidos políticos, como pensam os anarconsidicalistas e até mesmo organizações de base marxista ou semimarxista.
Nos anos 1960 e 1970 isso pôde ser visto em países como Itália e Argentina. De modo geral, boa parte desses grupos teve origem entre os estudantes, uma vez que a radicalização da juventude antecipou processos profundos que se davam entre a classe trabalhadora. Esse também foi o caso no período anterior à Revolução Russa de 1905.
O trabalho dos estudantes desempenhou um papel importante na organização de greves na Itália, por exemplo. Paradoxalmente, o sectarismo deu a esses grupos uma vantagem contra a burocracia sindical e suas ideias tiveram impacto sobre as camadas da classe trabalhadora que eram negligenciadas pelos sindicatos. No entanto, a falta de teoria condenou esses movimentos a um curto período de vida.
Atualmente, o cenário das seitas sectárias é de total crise. No entanto, nossa relação com elas é a mesma que tivemos no passado: ignoramos o sectarismo e continuamos nos dirigindo às massas da classe trabalhadora.