Relato crítico do segundo dia do Conune Extraordinário
O Encontro de Assistência e Permanência Estudantil da UNE, que discutiu os 10 anos de lei de cotas e a permanência nas universidades, revela uma total adaptação das direções do movimento negro e do movimento estudantil ao sistema que vivemos, e por isso, se mostram direções incapazes de levar adiante a luta da juventude e dos negros.
O Encontro contou com falas de Angela Guimarães, presidente da Unegro, e de Iêda Leal, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), como de Taíres Santos, ex-diretora de combate ao racismo da UNE, e Fran Rodrigues, do Juntos! e do DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). As falas não tiveram divergências nas questões centrais, em unissom conclamavam a política de cotas como a grande política de combate ao racismo, e colocavam a luta em direção não de destruir a estrutura social e econômica em que vivemos que condena jovens e negros ao desemprego e à pauperização, mas em quem deve estar nos “espaços de poder”.
Ao fazer alusões como “negros na cadeira da reitoria”, “negros no Congresso” e onde quer que se entenda como “espaços de poder”, essa expressão vaga que não diz muita coisa, essas lideranças estudantis e negras mostram o objetivo pelo qual lutam, um objetivo oposto pelo qual os revolucionários lutam. Nosso objetivo é pôr abaixo todo o sistema capitalista junto com sua estrutura burocrática, pois a adaptação do discurso que pede “representatividade” já foi desmascarada com Obama na presidência na maior potência imperialista e que nada mudou na vida dos trabalhadores negros, inclusive foi sob seu governo que estouraram as manifestações do movimento Vidas Negras Importam, e de legisladores como Fernando Holiday no Brasil.
A política pequeno-burguesa dessas direções não está à altura das demandas da juventude e dos negros desse país, enquanto se defende a política de cotas como um passo rumo à emancipação de negros no Brasil, se ignora não só que o números de jovens que estão nas universidades é ínfimo, mas que a juventude, especialmente a negra, está posta na condição miserável do desemprego, do emprego informal, no crime e nas prisões. Apenas a luta pelo fim do vestibular, para que todos tenham acesso às universidades públicas e a luta pelo emprego pleno, aliadas à luta pela revolução e pelo socialismo, é que podem mudar radicalmente a condição dos negros e de todos os trabalhadores.
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Além da quantidade ínfima de jovens nas universidades públicas, a questão da permanência estudantil para os filhos de trabalhadores nas universidades se impõe e revela a impotência dessas lideranças. Ao não questionar a ordem vigente, essas direções mostram-se incapazes de apresentar medidas concretas para a permanência estudantil do pouco contingente universitário hoje, quem dirá para um ensino superior onde todos possam estudar sem a barreira do vestibular.
Não à toa a permanência não apareceu em quase nenhum momento do encontro, apenas de maneira muito vaga e passageira pela presidente da Unegro, ao abordar a necessidade de moradia estudantil e transporte. O primeiro passo é investigar as motivações pela qual existe a evasão no ensino superior, e não precisamos ir muito longe para ver a relação disso com a falta de renda para se manter durante a graduação ou pós-graduação e com o alto desemprego mesmo para formados. Diante disso, precisamos reivindicar seguro-desemprego para todos os jovens após o término da escola que não encontrarem emprego em suas áreas.
A questão de transporte e moradia também são cruciais, sabemos que no sistema capitalista as faculdades são concentradas geograficamente em poucos espaços, em geral nas capitais. Não só a construção de mais universidades públicas em todo país, mas que o estado garanta o transporte e a moradia para que os jovens possam ter acesso material às universidades é fundamental. Sobre as cotas raciais é importante salientar que em 10 anos da lei de cotas é uma verdadeira falácia dizer que negros são maioria nas universidades públicas, como anunciou o IBGE em 2019 e festejou toda a esquerda. Na verdade, em 10 anos de lei de cotas, a maioria esmagadora dos negros continuam fora das universidades e aqueles que acessam o ensino superior estão concentrados nas universidades privadas, beneficiadas pelas políticas de transferência de dinheiro público para o setor privado (PROUNI, FIES). Veja só:
“O meio de ingresso ao ensino superior público é o Sisu, que seleciona os alunos mais bem pontuados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). O número de inscritos em 2016 bateu os 9,2 milhões de alunos, enquanto 2017 teve 7,6 milhões, 6,7 milhões em 2018 e, por fim, 6,384 milhões em 2019. O número cada vez menor de inscritos, por si, já reflete um cenário de desânimo dos jovens ou mesmo a dificuldade de continuar os estudos em nível superior frente à crise econômica. Soma-se a isso os ataques dos diversos governos, desde Lula e Dilma até Temer e Bolsonaro, dos quais voltarei a falar mais a frente.
Apesar das baixas, essa demanda é espremida todos os anos em um funil que ofereceu 238.397 vagas em 2017 e 235.461 em 2019, por exemplo. Ou seja, apenas 3,1% e 3,6%, respectivamente, conseguiram acessar o ensino superior, empurrando 96,9% e 96,4% à desistência, ao emprego informal, à frustração ou à “máquina de moer pobre” do Fies operada por universidades privadas. Em números reais, estamos falando de 7,3 milhões (2017) e 6,15 milhões (2019) de jovens que tiveram seu direito ao ensino superior público negado pelo capitalismo e sua “Constituição Cidadã”. E o pior, por um critério meritocrático de competição, na concorrência de 27 jovens para cada vaga em disputa.
Os “volumosos” 50,3% incidem nessa pequena minoria que conseguiu se salvar da prensa. E é nessas pouquíssimas vagas que incide o critério das cotas sociais e raciais. Na prática, cria-se um recorte identitário para que os “melhores pobres” ou os “melhores negros e pardos” se matem para conseguir uma vaga. Considerando o número estatisticamente superior destes, o que se tem, na verdade, é um número ainda maior de candidatos por vaga, fazendo com que a nota de corte de cotistas chegue até a superar a de não cotistas em alguns casos.” (A falsa inclusão do jovem negro no ensino superior público sob o capitalismo)
A Liberdade e Luta defende o socialismo e a revolução. Sabemos que apenas numa sociedade em que os grandes meios de produção sejam de propriedade comum e controlados pelos trabalhadores será possível um lugar digno aos negros. E é na luta pela educação pública, gratuita e para TODOS, todo dinheiro necessário à educação pública, pleno-emprego, fim do pagamento da dívida pública, interna e externa, que é possível mobilizar o conjunto da classe trabalhadora contra o divisionismo das ideias identitárias que são verdadeiros agentes do capitalismo para nos dividir e seguir nos explorando e oprimindo!
* Marcos Andrade é estudante de Letras da USP e militante do Movimento Negro Socialista