Com a crise do capital iniciada em 2008, os planos de austeridade e as contrarreformas entraram nas agendas de praticamente todos os governos do mundo. Essas medidas que destroem serviços públicos, retiram direitos, rebaixam salários e, consequentemente, jogam na miséria milhares de trabalhadores afetam com maior brutalidade uma importante camada da sociedade: a juventude.
Dados recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ilustram as consequências dessas medidas ao longo dos anos. O relatório1 sobre o desemprego na juventude na América Latina, divulgado em janeiro, mostra que:
“[…] a taxa de desocupação juvenil cresceu 0,3 ponto percentual em 2019, chegando a 19,8%, o triplo da média da população adulta (em outras palavras: 1 em cada 5 menores de 24 anos que procuram trabalho não encontra) e o máximo desde 2000, quando os dados agregados começaram a ser divulgados.”
A situação também se mostra ruim para aqueles que conseguem encontrar algum emprego:
“[…] a maioria dos que estão contratados enfrenta condições precárias: informalidade, salários baixos em relação ao custo de vida, escassa estabilidade no emprego e quase nula oferta de programas de formação por parte dos empregadores.”
Atualmente, na América Latina, vivem 110 milhões de jovens na faixa dos 15 aos 24 anos. Dos que trabalham, 6 em cada 10 atuam na informalidade e 22% nem estudam nem trabalham. O relatório ainda aponta que a situação das mulheres é ainda mais crítica e que, ao tratar da queda da renda dos jovens, os mais afetados são os que possuem a menor renda.
No Brasil, um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas2 (FGV) revela que “os jovens foram os maiores perdedores de renda do trabalho nos últimos cinco anos. […] Esta perda foi 5 e 7 vezes mais forte entre jovens de 20 e 24 anos e entre os jovens adolescentes, respectivamente. Há aumento de desigualdade de renda entre os jovens de 15 a 29 anos 41,2% maior que o marcado aumento observado para o conjunto da população.”
O estudo ainda explica que a perda de renda entre os analfabetos, negros e moradores das regiões Norte e Nordeste são duas vezes maior que a da média geral. Há um aumento também dos jovens, de 18 a 29 anos, que não estudam nem trabalham de “de 23,4% em 2014 para 26,2% em 2019.”
Entre os principais motivos da queda da renda estão o desemprego e gastos com educação.
A juventude também sofre com a falta de acesso ao ensino. No ano passado, mais de 1,1 milhão de jovens brasileiros de 15 a 17 anos pararam de estudar3. Atualmente “há mais de 1,7 milhão de mulheres que não terminaram o ensino médio e também não trabalham, enquanto esse mesmo índice para os homens é de 1,1 milhão.” (Exame, 8/3/2020).
Em muitos casos o problema da educação e do trabalho estão ligados um ao outro. Se por um lado, quem não conclui o ensino médio tem 50% de chance de não conseguir um emprego – entre as mulheres esse número é maior devido à discriminação –, por outro, quase 50% dos jovens deixam de estudar por trabalharem ou por estarem à procura de emprego. No caso das meninas, outros motivos somam-se aos impeditivos: gravidez precoce, o casamento infantil, prostituição, afazeres domésticos e o cuidado de pessoas.
Hipocrisia do capital
O relatório da OIT também alerta para a necessidade de “solucionar” o problema:
“Isto deve ser um sinal de alerta na medida em que ameaça o presente e o futuro de milhões de jovens que não encontram oportunidades de emprego e cujas aspirações de mobilidade social se veem truncadas […]. À luz da onda de protestos em diversas cidades da região, são necessárias ações imediatas e inclusivas. […] A crise de expectativas vislumbrada na região exige ações urgentes.” (El País, 29/1/20)
Aí está uma questão interessante. Não estamos diante de um documento que tem o objetivo de analisar as condições de vida de uma camada da população da América Latina e, a partir desses dados, propor saídas, etc. Trata-se da análise feita por um órgão burguês interessado em constatar que novos protestos como os do Chile, Equador, Colômbia, entre outros, podem acontecer.
O capitalismo não só é incapaz de resolver a questão do desemprego, como ele é o responsável por essa situação. Marx e Engels explicaram em suas obras sobre a criação de um “exército industrial de reserva” como consequência da própria anarquia da produção capitalista:
“[…] a implantação e o aumento quantitativo do maquinário trouxeram consigo a substituição de milhões de operários manuais por um número reduzido de operários mecânicos, o seu aperfeiçoamento determina a eliminação de um número cada vez maior de operários das máquinas e, em última instância, a criação de uma massa de operários disponíveis que ultrapassa a necessidade média de ocupação do capital, de um verdadeiro exército industrial de reserva, como eu já lhe chamara em 1845, de um exército de trabalhadores disponíveis para as épocas em que a indústria trabalha a pleno vapor. (Engels, Do socialismo utópico ao socialismo científico)4
Porém, se o capitalismo cria uma massa de trabalhadores que lhe é útil em períodos de crescimento, o que acontece nos períodos de recessão? Engels responde a essa questão logo em seguida:
“Exército que logo nas crises que sobrevêm necessariamente depois desses períodos, é lançado às ruas, constituindo a todo o momento um grilhão amarrado aos pés da classe trabalhadora na sua luta pela existência contra o capital e um regulador para manter os salários no nível baixo correspondente às necessidades do capitalista.”
Nesse momento, qualquer trabalhador que vê seus direitos sendo atacados terá que decidir entre aceitar a redução do seu salário ou correr o risco de perder o emprego, pois existe uma massa de desempregados dispostos a tomar o seu lugar, pois se trata de uma questão se sobrevivência. Essa lógica é extremamente útil ao capital, porém, ao mesmo tempo, evidencia que esse não é um regime econômico capaz de satisfazer as necessidades da sociedade ou de oferecer qualquer perspectiva de futuro à juventude.Por esse motivo que relatórios da OIT ou qualquer outro órgão semelhante não visa solucionar a situação da classe trabalhadora e da juventude.
Entretanto, a situação de miséria em que é jogada a maioria da população gera, ao mesmo tempo, um sentimento de revolta contra o próprio regime. Se em um primeiro momento essa raiva não pode ser sentida porque não se expressa na superfície, por outro, grandes explosões sociais ocorrem aos olhos mais desatentos como se fossem um raio em céu azul. Dados como esses da OIT nos ajudam a compreender por que não existe raio em céu azul na luta de classes.
Milhares de jovens são privados do acesso ao ensino, do emprego, são vítimas da violência policial, da discriminação e não irão ficar calados eternamente. Grandes explosões já ocorreram por toda a América Latina e novas irão acontecer. Cabe aos marxistas explicar o que está acontecendo e apontar a única solução real: a derrubada do capitalismo e, consequentemente, a construção de uma sociedade socialista.
Notas e referências:
1 El País. Estagnação na América Latina leva desemprego de jovens ao maior nível em 20 anos, 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-01-29/estagnacao-na-america-latina-leva-desemprego-de-jovens-ao-seu-maior-nivel-em-20-anos.html>. Acesso em 09 mar. 2020.
2 FGV. Juventude e Trabalho – Qual foi o impacto da crise na renda dos jovens? E nos Nem-Nem?. Disponível em: <https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/Pesquisa-Jovens_Crise_Trabalho_NemNem_Marcelo-Neri-FGV-Social.pdf>. Acesso em 10 mar. 2020.
3 EXAME. Gravidez, prostituição: evasão escolar de meninas traz perdas trilionárias. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/gravidez-prostituicao-evasao-escolar-de-meninas-traz-perdas-trilionarias/>. Acesso em 12 mar. 2020.
4 Essa obra de Engels é um compilado produzido pelo próprio autor dos três primeiros capítulos de “Anti-Dühring”, publicado em 1878. Outras obras importantes que tratam do exército industrial de reserva são “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, de Engels e “O Capital”, de Marx, no capítulo 23 do primeiro tomo.