Todo o Estado canadense, junto com seus aliados, se mantém em ataque contra os indígenas da nação Wet’suwet’en, no norte da Colúmbia Britânica. No dia 13 de janeiro, a Real Polícia Montada do Canadá (RCMP) iniciou seu ataque realizando um bloqueio em território dos Wet’suwet’en, impedindo a entrada da população, da mídia e de suprimentos no território. O governo canadense os enviou para defender uma liminar que proíbe interferências na construção do gasoduto Coastal GasLink em um território Wet’suwet’en não cedido. A situação se intensificou em 6 de fevereiro quando a RCMP invadiu um dos campos dos defensores da terra, prendendo seis ativistas indígenas. Enquanto este artigo é escrito, 21 pessoas já foram presas.
O motivo dos governos federal e provincial estarem tão interessados em ver esse projeto sendo concluído é que a construção do gasoduto é parte do maior investimento privado na história do Canadá – aproximadamente US$ 40 bilhões. A retórica hipócrita do primeiro-ministro Justin Trudeau sobre “reconciliação” com os indígenas foi desmentida pela sua defesa aos interesses corporativos com o auxílio do aparato estatal.
Até o Novo Partido Democrático (NDP) local, vergonhosamente, capitulou a esses interesses, alegando que o gasoduto será construído apesar da oposição indígena. O primeiro-ministro provincial John Horgan resumiu claramente sua posição no dia 13 de janeiro: “As regras da lei se aplicam a Colúmbia Britânica”. Isso é uma declaração ultrajante, vinda apenas algumas semanas depois do governo do NDP consagrar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) em lei! A UNDRIP foi adotada pela ONU, em 2007, e enfatiza o conceito de “consentimento livre, prévio e informado” para atividades em território indígena. O que vemos aqui é que, enquanto permanecermos em um sistema econômico dominado por interesses privados, a aplicação dos princípios da UNDRIP não será possível.
O quão longe o Estado está preparado para ir contra os indígenas foi demonstrado dezembro passado pelo jornal britânico The Guardian. Ele revelou que a RCMP estava pronta para enviar snipers e atirar em ativistas indígenas para esmagar a oposição ao projeto de gás quando o território indígena foi invadido em janeiro de 2019. O que podemos observar é a essência racista e repressiva do Estado canadense, sem o filtro liberal de “reconciliação”.
Contudo, a resistência heroica dos Wet’suwet’en continua e um movimento de solidariedade está crescendo pelo Canadá. Os trens da CN Rail foram bloqueados entre Prince Rupert e Prince George, na Colúmbia Britânica. Em Ontário, ativistas da nação Mohawk bloquearam os trens da VIA Rail entre Toronto e Montreal, apesar de uma liminar ordenando que fossem liberados. Além disso, os serviços da linha de trem exo4 em Candiac, Quebec, estão atualmente interrompidos devido à presença de manifestantes perto dos trilhos. Demonstrações de solidariedade estão aparecendo ao redor do país. Somente o Idle No More (Chega de Esperar, em tradução livre do inglês), de 2013, foi um movimento por direitos indígenas no Canadá comparável ao atual.
Os ativistas também começaram a atacar os capitalistas onde mais os machuca: em seus lucros. Desde 9 de fevereiro, ativistas do Red Braid Alliance for Decolonial Socialism organizaram um bloqueio do Deltaport [principal terminal de contêineres do Canadá – NdT] em Vancouver. Na manhã de 10 de fevereiro, ao menos 33 pessoas foram presas e o porto foi reaberto, após uma liminar obtida pela empresa.
O grupo que organizou o bloqueio disse “Mais de um bilhão de dólares em comércio viajam através do Deltaport todos os anos. Nós estamos fechando tudo isso. Não há tráfego comercial entrando ou saindo de Deltaport hoje”. Também aparenta que os trabalhadores apoiaram o bloqueio. Representantes do Sindicato Internacional Longshore e Warehouse Local 502, que representam 300 trabalhadores do porto, abordaram as barricadas com uma mensagem de solidariedade e disseram que não iriam cruzar a linha dos piquetes. A solidariedade dos trabalhadores é a chave para a vitória.
Um representante do porto declarou que “A perturbação nas operações portuárias nos últimos quatro dias tem um significativo impacto nos canadenses ao redor do país”. Por “canadenses ao redor do país”, ela quer dizer antes e acima de tudo os interesses das grandes empresas no país – e é exatamente isso que o movimento deve buscar. Apenas a ameaça de um movimento unido da classe trabalhadora pode forçar o Estado canadense a recuar. A luta dos Wet’suwet’en precisa se estender para camadas mais amplas da classe trabalhadora se quiser ter sucesso.
Esse conflito expõe o papel do Estado canadense. O Estado, sua polícia e seus tribunais são fundamentalmente uma ferramenta a serviço das grandes empresas, projetados para reprimir qualquer resistência aos seus interesses. A atitude correta a se adotar em frente às decisões dos tribunais capitalistas foi resumida pelos ativistas que estão bloqueando a ferrovia entre Montreal e Toronto:
No que diz respeito à “liminar” apresentada ao povo de Tyendinaga, nós recusamos que suas leis sejam impostas a nós. Nós temos e sempre tivemos nossas próprias terras e costumes, antes, durante e depois de suas tentativas de genocídio e assimilação. Um papel nos ordenando a sair de nossas terras, ou permitindo a passagem de mercadorias estrangeiras pelo nosso território é totalmente sem significado. Nós permaneceremos firmes e, como declarado, não sairemos até que a RCMP saia dos territórios tradicionais dos Wet’suwet’en.
Nessa luta entre capitalistas, seus tribunais e sua polícia, e o povo indígena de Wet’suwet’en, o Fightback (seção canadense da Corrente Marxista Internacional) oferece seu total apoio à resistência. Essa luta chega em um período em que trabalhadores do Complexo de Refinaria de Co-op, em Regina, também estão sofrendo com a repressão estatal, que busca proteger os interesses dos barões do petróleo. Para todos os trabalhadores e oprimidos, indígenas e não indígenas, o inimigo é o mesmo – os patrões, seu governo e seu Estado.
Pela solidariedade dos trabalhadores para com os indígenas de Wet’suwet’en!
Revolução, não reconciliação!
TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.
ORIGINALMENTE PUBLICADO EM MARXIST.CA