Imagem: Marcelo Camargo, Agência Brasil

O pacote de Lula/Haddad: Arrocho para o proletariado

Os números divulgados pelo governo mostram o central: dos R$ 72 bilhões de “cortes” anunciados para 2025/2026, R$ 49 bilhões virão de arrocho no salário mínimo, nas aposentadorias, no BPC, na Bolsa Família, no 14º salário, na educação, na saúde, na previdência e assistência social. Militares? Menos de R$ 2 bilhões de corte. Subsídios para a burguesia e agronegócio? Menos de R$ 4 bilhões. O pacote corta dos pobres e doa aos ricos via pagamento de juros da dívida interna e externa!

Na noite de quarta-feira (27/11), o ministro Haddad fez um pronunciamento sobre o pacote que não explicou quase nada, só destacou que iria aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda e cobrar uma taxa suplementar dos “super-ricos”. Na manhã seguinte, o “detalhamento” aumentou, mas ainda não se conhecem todos os itens embutidos no pacote. Mas, desde já, e vamos demonstrar isso, a mudança vai atingir particularmente o proletariado. Entretanto, é necessário explicar um pouco em qual situação política esse pacote foi lançado e quais as condições para a sua implementação.

De 15 de novembro para cá, o mundo (ou mais precisamente o Brasil) vive de notícias impactantes e suas repercussões na internet. Após a explosão nas redes, o Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) contra a escala 6×1 chamou uma manifestação de um dia para outro e dezenas de milhares se manifestaram durante um feriado no Brasil inteiro. Independente das falas nos atos, do que se falou em caminhão de som ou alto-falantes, a realidade é que a raiva contra a jornada atingiu setores que estavam “parados” e saíram das sombras para mostrar o seu descontentamento com a situação atual.

Se o Movimento VAT saiu de pouco mais de 1 milhão de assinaturas para mais de 3 milhões em poucos dias, a pressão se sentiu dentro do congresso e a PEC de Erika Hilton (sem aqui discutir o seu conteúdo) ultrapassou e muito o número de assinaturas para tramitar.

E, depois do homem-bomba ter se explodido em frente ao STF no dia 13 de novembro, depois da manifestação contra a escala 6×1, a Polícia Federal encaminhou no dia 21 de novembro o relatório sobre a tentativa de golpe acontecida pouco antes da posse de Lula. O tempo foi perfeito em termos políticos e a discussão sobre a jornada 6×1 foi deslocada pelo debate sobre a tentativa de golpe.

Infelizmente, para a burguesia, “a história de toda a sociedade até aqui tem sido a história da luta de classes” e se ela tentava sufocar o debate sobre a jornada de trabalho, os operários da PepsiCo resolveram que a coisa não era bem assim: Decididos por não continuar aguentando essa jornada desumana, decidiram entrar em greve.  No Rio de Janeiro, depois de ter sido eleito à prefeitura por mais de 60% dos votos válidos, Eduardo Paes resolveu aplicar a máxima de fazer a maldade de uma vez e encaminhou projeto para aumentar a jornada de trabalho dos professores sem aumentar os salários. Conseguiu provocar uma greve de professores. Sim, a boa e velha luta de classes vem à tona e assusta a burguesia.

Mas o que movimenta a burguesia é o seu desejo de lucro. Assanhada com a derrota da esquerda parlamentar nas eleições, ela segue firme exigindo um pacote e Lula, depois de um período intenso de discussões no governo, dá a luz ao novo projeto. Conseguiu duas façanhas com esta divulgação: a primeira, descontentar a burguesia, que ficou insatisfeita com o tamanho do arrocho contra o proletariado e a segunda, querendo ou não querendo, salvar Bolsonaro de ser o homem mais xingado do Brasil, bem como dos pedidos de prisão a ele e os outros golpistas.

A Auditoria Cidadã da Dívida Pública divulgou uma nota analisando o pacote com dados muito precisos sobre o que já foi divulgado:

“Hoje, o governo federal divulgou o pacote de cortes de gastos exigido pelo ‘mercado’ (ou seja, pelos rentistas da dívida pública), que inclui a limitação do crescimento do salário mínimo a ínfimos 2,5% reais, em grave ataque a dezenas de milhões de trabalhadores, aposentados e beneficiários assistenciais. Caso essa regra estivesse em vigor desde o início do Plano Real (julho de 1994), o salário mínimo atual seria de apenas R$ 1.095,10, ao invés dos R$ 1.412 definidos em janeiro/2024.”

Apesar do cálculo preciso, devemos lembrar que a regra atual do salário mínimo foi um dos poucos frutos positivos da derrota de FHC, que só foi aplicada a partir de 2004, um ano após a vitória do PT nas eleições presidenciais. O valor do salário mínimo em 2003 era de R$ 240 que, corrigidos pelo INPC, equivalem a R$ 762 hoje! A atual regra trouxe esse valor para R$ 1.412 (ela não valeu durante os seis anos de governo de Temer/Bolsonaro) mas se fosse a proposta por Lula/Haddad, ele seria de pouco mais de R$ 1.000. Uma corte de R$ 400 ao mês para os mais oprimidos desse país (trabalhadores sem qualificação, aposentados em sua maioria, beneficiários do BPC etc.).

Poderíamos seguir explicando a cada um dos detalhes sobre o pacote. Mas preferimos dar a palavra (ou melhor, mostrar a tabela) ao ministro Haddad que, sob as ordens de Lula, preparou o pacote. Logo após a tabela explicamos o que está aí dentro e também o que o ministro não destacou.

Fonte: https://static.poder360.com.br/2024/11/plano-cortes-governo-28-nov-2024.pdf

O abono salarial é o chamado “14º salário pago a todos que recebem menos de dois salário mínimos. A proposta do governo é alterar para pagar no máximo 1,5 salário mínimo. Ou seja, rebaixa o salário mínimo e depois rebaixa o número de salários mínimos que os mais pobres recebem. O “andar de baixo” foi bem atingido.

As mudanças no Fundeb, apresentadas como “melhor direcionamento”, representam na verdade um corte na educação (que “não foi atingida”, segundo os jornais mentirosos da imprensa burguesa). Este corte representa mais de R$ 10 bilhões  dos R$ 70 bi previstos por Haddad. Acrescente-se a pequena “mudança” no orçamento em que o valor do chamado Programa Pé-de-Meia sai do orçamento da Assistência Social e vai para o de Educação! Ou seja, menos dinheiro disponível para a educação.

A Desvinculação das receitas da União (DRU) é um corte direto no orçamento da educação, da saúde e da previdência social (uma parte do que fabricou o déficit da previdência vem do DRU, que foi inventado por FHC e continuado em todos os governos até agora). O valor previsto é de R$ 7,4 bilhões e mais de 10% do pacote!

O corte no salário mínimo será de R$ 12 bilhões! No Bolsa Família, a menina dos olhos de Lula, R$ 5 bilhões! No BPC, R$ 4 bilhões! No abono salarial, R$ 700 milhões. Com a “biometria” (leia-se, dificultar os beneficiários da aposentadoria, do BPC e da Bolsa Família) prevê-se cortar R$ 5 bilhões! Ou seja, exatamente no proletariado mais sofrido, mais pobre, o corte atingirá o valor total de R$ 27 bilhões, quase 40% do pacote.

E para homenagear Aldir Blanc, R$ 3 bilhões na cultura! E mais na ciência e tecnologia (não explicitado). E a burguesia? Os cortes tão alardeados para os militares representarão 2 bilhões. Para subsídios e subvenções 4 bilhões.

Para simplificar: cortar R$ 27 bilhões do proletariado, o que somado à educação, cultura, saúde e previdência (mais R$ 20 bilhões), salário de servidores etc.  dará um total de R$ 49 bilhões (bingo, quase o número mágico previsto pelos jornais de R$ 50 bilhões).

E o restante para chegar aos R$ 70 bilhões? Ah, vai depender do congresso renunciar a R$ 15 bilhões em emendas parlamentares, as verbas que servem para a corrupção e para a reeleição de prefeitos, governadores, deputados e senadores! Alguma pobre alma penada acha que isso é possível?

Sintetizando:

É importante lembrar que só de subvenções e subsídios, de acordo com o Instituto Justiça Fiscal (IJF), a burguesia recebe por ano algo em torno de R$ 600 bilhões e ainda recebe, também anualmente,  cerca de R$ 1,9 trilhão de juros e serviços da dívida (43% do orçamento público federal!), mais do que o dobro que se gasta com previdência e assistência social. Aliás, somados os gastos com previdência, assistência social, trabalho, saúde, educação, ciência e tecnologia, não ultrapassam 37% do orçamento

A Folha de São Paulo expõe a posição da maioria da burguesia:

“O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu a proeza de decepcionar com o anúncio de um pacote de controle de gastos do qual já não se esperava grande coisa. (…) De maior impacto a médio prazo é a mudança no reajuste do salário mínimo, que ao menos mitiga a expansão forte e contínua das despesas previdenciárias.”

Mais crítico, O Globo escreve:

“Mas a proposta é tímida demais, insuficiente para deter o crescimento da dívida pública. Contrariando a lógica exposta pelo próprio Ministério da Fazenda, não conterá significativamente as despesas, apenas mudará sua composição. Depois de tanto mistério e expectativa, foi uma decepção.”

O Estadão foi mais preciso na crítica:

“Causou incômodo que Haddad não tenha usado a palavra ‘corte’ uma única vez em seu pronunciamento de pouco mais de sete minutos, mas o fato é que ele, a rigor, não mentiu. Num esforço para tornar o Brasil ‘mais justo e eficiente’, o governo atrelou o reajuste do salário mínimo ao arcabouço fiscal, o que permitirá que o piso continue a aumentar acima da inflação.”

A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) foi bem mais comedida que a imprensa:

“(…) o Pacote Fiscal está na direção correta. Ele indica a urgência da adoção de medidas adicionais ao arcabouço fiscal (…) Destaca-se, por exemplo, a positiva mudança na regra de reajuste do salário-mínimo, com impacto relevante em despesas muito representativas, em especial da Previdência Social. (…) As mudanças nas regras de acesso ao abono salarial, ao BPC e o maior rigor nas regras de concessão e acompanhamento do Bolsa Família também podem ser consideradas medidas importantes na busca da contenção de gastos. (…) o pacote fiscal não deveria perder a oportunidade de incluir a revisão dos pisos dos gastos com saúde e educação, que tem tido crescimento acima dos limites do arcabouço.”

Enfim, a burguesia tomou nota do pacote e quer mais. Quer mais suor e sangue do proletariado. Essa é a essência da coisa. As medidas de corte nos militares, emendas e subsídios foram todas tratadas como supérfluas, que não influem em nada. Nessa situação, como reage a direção do proletariado?

O PT aplaudiu de pé o pacote, segundo relatos. “Foi o maior gol político recente de Lula”, afirma Lindbergh Farias (PT-RJ), futuro líder da bancada da sigla. O ministro foi aplaudido de pé, segundo relatos de petistas presentes ao encontro na sede nacional do PT em Brasília, e foi elogiado pela presidente Gleisi Hoffmann, uma das principais críticas de tentativas de enxugamento de gastos por parte do governo. 

A direção da CUT soltou uma nota oficial em que aplaude o pacote:

“Reconhecemos como medidas importantes apresentadas na proposta  que atendem  reivindicações históricas do movimento sindical e popular, como:

A isenção do imposto sobre a renda para trabalhadores e trabalhadoras que recebem até R$5.000,00 (…)

A tributação dos rendimentos superiores a R$50.000,00 (cinquenta mil), é um passo necessário para enfrentar a desigualdade social no Brasil, assim como a trava nos benefícios fiscais, que em caso de déficit primário nas contas do governo, proíbe a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários.

As alterações nos benefícios previdenciários dos militares vão em direção de uma maior justiça e igualdade (…)

A obrigatoriedade de metade das emendas parlamentares para recompor o orçamento da saúde, direciona o orçamento para uma área fundamental das políticas públicas, contudo essa proposta não pode, em hipótese alguma, atacar os pisos da saúde e educação.”

Ao escrever isso, a CUT confunde deliberadamente o pacote com a proposta do Imposto de Renda (que não analisaremos aqui, mas vai pesar fortemente sobre o bolso dos trabalhadores que ganham mais de cinco salários mínimos) e confunde uma pequena isenção para os trabalhadores acima da miséria como uma vitória histórica. Lembremos que a posição da CUT votada em congresso era isenção do Imposto de Renda para todos os trabalhadores que ganham abaixo de dez salários mínimos (hoje, R$ 14 mil) e a extensão da tabela progressiva com alíquotas maiores para trabalhadores e executivos que ganham mais, além da tributação pela tabela progressiva de rendimentos outros (como dividendos e distribuição de lucros que hoje são isentos).

Além disso, ignora que a maior tributação sobre o proletariado, os trabalhadores, são de impostos indiretos, que vão aumentar com a reforma tributária de Lula! Ou seja, vale tudo para esquecer que Lula aplica agora a mesma política de FHC!

A trava em benefícios fiscais renderá no total do pacote o valor de R$ 4 bilhões, sendo que o corte em outras áreas que atingem o proletariado somará R$ 49 bilhões! Só o corte em salários de servidores é metade do que se cortará em subsídios! Realmente parece que os dirigentes da CUT desaprenderam a somar ou, o que é mais provável, pelegaram de vez!

A crítica ao pacote é tímida e não propõe nenhuma forma de luta capaz de enfrentar o governo e esse congresso reacionário:

“Para a CUT, é importante que seja revisto o estabelecimento de teto ao aumento real do salário mínimo em 2,5%, pois essa medida reduz o impacto da política de valorização do salário mínimo nacional, que é uma das principais conquistas do movimento sindical e atinge milhões de brasileiros, em especial categorias como rurais e comércio e serviços, que tem como referência o salário mínimo. Da mesma forma, é necessário rever a redução do alcance do abono salarial, ao reduzir o valor de referência, pois este benefício era destinado à parcela dos trabalhadores formais de menores salários, ou seja, os mais pobres.

A nossa luta será dentro e fora do Congresso Nacional. Reconhecemos que dentro do pacote apresentado pelo ministro há avanços para a classe trabalhadora, que devem ser mantidos; mas a CUT estará vigilante neste processo para que não soframos perdas. Este é um momento decisivo para o Brasil. É hora de união, luta e resistência. Não permitiremos que o mercado e seus aliados destruam os direitos conquistados com tanta luta. Em defesa de um Brasil mais justo e igualitário, seguimos firmes!”

Sobre os cortes no BPC, no Bolsa Família, sobre o DRU, cortes nas verbas para educação, saúde, salário de servidores etc. nem uma palavra sequer! Pior que isso, a CUT “estará vigilante” mas não propõe nenhuma forma de luta, apesar de ser a hora de “luta e resistência”. E os ataques que estão vindo são “do mercado”, mas eles foram assinados por Lula e Haddad! Então a CUT “descobriu” que Lula e Haddad se renderam ao mercado ou ela quer encobrir o que Lula está fazendo? Apostamos mais na segunda alternativa.

O tamanho dos comunistas, embora pequeno, determina a forma que podemos fazer e ajudar ao proletariado a reagir a tamanho ataque quando a direção majoritária de sindicatos e partidos que se identificam com o proletariado trai deliberadamente a sua causa.

Em primeiro lugar apoiamos e divulgamos todas as formas de resistência que toma o proletariado contra os ataques do governo, em particular as greves que surgem contra a escala 6×1. Nestes lugares, de forma apropriada, introduzimos a discussão sobre o pacote e a necessidade de luta contra sua totalidade, inclusive propondo moções a direção da CUT pedindo que ela convoque urgentemente um encontro de luta contra a escala 6×1 e contra o pacote.

Em segundo, construímos, com todas as forças que for possível, comitês de luta contra a escala 6×1 e, da forma apropriada, introduzimos a discussão que estes comitês têm que se pronunciar desde o seu início contra o pacote do governo!

Na juventude, ligamos a luta contra a guerra e nas panfletagens e colagens, em passagens em salas de aula, denunciamos o pacote e exaltamos a luta do proletariado, das greves contra a escala 6×1.

Vamos à luta camaradas!

A toda a juventude e aos trabalhadores que querem lutar contra a burguesia, contra esse governo de união nacional, convidamos a se juntar aos comunistas! Venha para a OCI!