A política do “quanto mais capitalismo melhor”
As teses da X Conferência da DS parecem uma caixa vazia que se pode encher com qualquer coisa, especialmente a demagogia.
A política do “quanto mais capitalismo melhor”
As teses da X Conferência da DS parecem uma caixa vazia que se pode encher com qualquer coisa, especialmente a demagogia. Vejamos: “Como socialistas democráticos, apoiando-nos nas tradições libertárias e emancipatórias que estiveram presentes desde o início da história da colonização, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo, a ser construída com o povo brasileiro, democraticamente, que esteja à altura da sua dignidade e esperança, que promova a liberdade como autonomia e autogoverno, que promova os direitos à igualdade na diferença, que saiba construir novos modos de organizar a vida social para além da mercantilização e da autocracia do capital”.
Que maravilha! Promover o “autogoverno” e uma vida social para além da “autocracia do capital” sem mexer nas relações sociais capitalistas é retomar as velhas concepções do socialismo utópico recheadas de boas intenções. Faz muito tempo que os fundadores do socialismo científico, Marx e Engels, demonstraram no Manifesto Comunista:
“Em resumo, os comunistas apoiam em todos os países todo movimento revolucionário contra a ordem social e política existente. Em todos estes movimentos, põe em primeiro lugar, como questão fundamental, a questão da propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou menos desenvolvida, de que esta se revista.”
Esta questão é a que separa os marxistas dos utópicos. Esta é questão fundamental da luta pelo socialismo. As teses da DS fazem todo tipo de malabarismo teórico para escapar desta questão chave, a saber: a abolição da ordem social existente. Falam em “democracia participativa”, “economia solidária” e outras formulas de compensação social para evitar ter que tomar posição sobre a questão da propriedade privada dos meios de produção. É a teoria reformista de que é possível melhorar o lado bom do capitalismo com o qual o “socialismo democrático” pode conviver pelos tempos futuros. Dessa forma não fazem nas teses uma analise consistente do desenvolvimento do capitalismo no Brasil nos últimos anos. Porque, do contrário, teriam que admitir, perante as suas próprias bases, a necessidade de “abolir a ordem existente”.
Mas eles têm que falar alguma coisa. Vejamos a seguir, nas teses da DS, uma verdadeira pérola que consiste em iludir, confundir e ofuscar: “31. Uma grande conquista dos governos Lula foi a de alterar qualitativamente a dependência do Estado brasileiro em relação ao capital financeiro, iniciada nos anos finais do regime militar com a dívida externa e aprofundada pelos governos FHC, construindo as bases, ainda iniciais, para um planejamento democrático da economia. Os governos Lula criaram as condições para uma saída do monitoramento do FMI em um quadro de aguda crise cambial, fortaleceram em um patamar histórico inédito as reservas cambiais (hoje em mais de 250 bilhões de dólares), diminuíram e estabeleceram uma diminuição virtuosa da dívida pública interna, fortaleceram em patamares inéditos os bancos públicos, em particular o papel de financiador dos investimentos do BNDES, reduziram qualitativamente o patamar ainda alto da Taxa Selic (de mais de 20 % reais em média nos anos neoliberais para cerca de 6 % reais ao fim de 2010), estabeleceram uma pressão de baixa para os ainda escandalosos juros internos, levando a uma forte evolução do crédito (como, por exemplo, o crédito imobiliário e para a agricultura familiar). A formação de uma inteligência desenvolvimentista no Ministério da Fazenda, articulada com novas diretrizes para estatais chaves, como a Petrobrás, restabeleceu, através do PAC, o início de um novo ciclo de planejamento do investimento e permitiu inaugurar um novo ciclo de crescimento sustentado com forte inclusão social. A constituição de uma política sistêmica para a agricultura familiar (crédito, seguro, assessoria técnica, políticas de incentivo às mulheres agricultoras e aos jovens) abriu um grande espaço histórico para recolocação dos temas do desenvolvimento agrário e da própria reforma agrária. Mesmo a grave crise financeira internacional de 2008, que provocou uma inflexão do crescimento em 2009, não minou, em função da forte intervenção anticíclica estatal, o ciclo de crescimento do salário e do emprego”.
De novo, é uma das características das teses da DS, estamos confrontados com a mais pura propaganda governamental. Que, aliás, tem pleno aval da direção do PT. É interessante notar que este discurso esconde o fato de que a via adotada pelos governos Lula-Dilma é a do “quanto mais capitalismo melhor”. Em um artigo publicado em 2008, Paulo Henrique Costa Mattos, presidente do PSOL de Tocantins toca na ferida da política econômica do PT, sem, no entanto, infelizmente, chegar às mesmas conclusões, que nós, marxistas, chegaríamos em relação a estas questões. Mas vejamos o que diz: “Este modelo econômico se subordinou ao grande capital, impondo privatização de estatais, abertura comercial sem salvaguardas nem contrapartida, desmantelamento dos serviços públicos. Nos últimos vinte anos ele agravou a violência e a crise de valores, a corrupção e a inércia da maioria dos movimentos sociais, inclusive o sindical, que virou um espaço de gangsterismo, carreirismo político e oportunismos. Colocou-nos em uma verdadeira encruzilhada histórica em que a perspectiva em médio prazo é uma profunda crise econômica e social com possibilidades de graves tensões sociais (…).
A crise financeira internacional, que estourou nos EUA, em meio à especulação imobiliária, ameaça o globo com a queda nas bolsas de valores, forte desvalorização do dólar, fuga de capitais que chegam aos países “em vias de desenvolvimento” como o Brasil. É por isso que Lula vem divulgando que a economia brasileira tem bases econômicas sólidas e que não seremos atingidos pela crise global. Essa é uma verdade maior do que aquela de que ele nada sabia sobre o mensalão e a compra de parlamentares. (…)”.
E sobre as reservas que o Brasil estaria protegido perante a continuidade da crise econômica mundial aberta em 2008, alardeado agora pelo governo Dilma, continua o autor: “Por trás deste acúmulo desenfreado de reservas cambiais na verdade há uma verdadeira farra dos especuladores nacionais e estrangeiros, que trazem seus dólares em massa ao Brasil para comprar títulos da dívida “interna”, em busca dos juros mais altos do mundo. O resultado disto é a explosão da dívida interna, que atingiu R$ 1,4 trilhão em dezembro de 2007, tendo crescido 40% em apenas 2 anos! Na verdade a dívida interna hoje é o principal problema do Brasil, ela está sangrando o país pela jugular. O Brasil gastou apenas em 2007 cerca de R$ 237 bilhões com juros e amortizações da dívida interna e externa, sem contar com a chamada “rolagem” da dívida. Mas enquanto bilhões vão parar nos bolsos de especuladores, capitalistas selvagens, banqueiros e toda sorte de parasitas financeiros o país chafurda nas doenças medievais (dengue, leishmaniose, hanseníase, tuberculose, hepatite, febre amarela, etc.), na destruição da Escola Pública, na concentração de terras, renda e falta de qualidade de vida. Os números são devastadores, enquanto gastou R$ 237 bilhões apenas com juros e amortizações da dívida interna e externa, sendo que foram gastos apenas R$ 40 bilhões com a saúde, R$ 20 bilhões com a educação e R$ 3,5 bilhões com a Reforma Agrária. Mas Lula ainda tem a falta de caráter de anunciar que a dívida não é mais um problema!” (…)
“A política econômica de Lula tem sido um desastre para o povo brasileiro, enquanto sobe o imposto de renda para os contribuintes faz isenção fiscal do mesmo imposto sobre os ganhos dos estrangeiros, estabelecendo e mantendo as maiores taxas de juros do mundo e dando total liberdade de movimentação de capitais ao agiotas internacionais. Essa política macroeconômica tem gerado as condições para um verdadeiro ataque especulativo contra o Brasil. Os investidores estrangeiros trazem seus dólares para investir na Bolsa e em títulos da dívida interna, e assim forçam a desvalorização do dólar frente à moeda brasileira (o Real). Os bancos e empresas nacionais também se aproveitam disso, tomando empréstimos no exterior (mais baratos devido às baixas taxas de juros lá fora) para emprestar ao governo brasileiro, por meio da compra de títulos da dívida interna, recebendo uma fortuna em troca disso, devido às altíssimas taxas de juros do Brasil”(A Globalização Neoliberal no Brasil:o avanço do agronegócio e o papel da administração pública, Paulo Henrique Costa Mattos, 25/05/2008, divulgado no site do PSOL)
Estamos de pleno acordo com essa análise. Ela desmente em linhas gerais o balanço feito pela DS em sua Conferência sobre a pretensa vitória sobre a política neoliberal no Brasil levada a cabo pelas políticas públicas do PT. É o resultado direto da aplicação da estratégia reformista das Frentes Populares (conclusão que o autor acima não incorpora em sua análise), políticas de colaboração com a burguesia, que levou os dirigentes petistas a se subordinarem aos interesses das classes dominantes.
Assim como no passado, esta política de herança stalinista visa a domesticação do movimento operário e popular face aos interesses de preservar o regime de propriedade privada dos meios de produção. Conforme Trotsky dizia, é “o braço esquerdo da burguesia” tentando conter a necessidade de uma revolução socialista. Essa política foi aplicada sucessivamente nas administrações municipais geridas pelo PT (prefeitura de São Paulo com Luiza Erundina tida como opção à esquerda do partido, em governos estaduais (Benedita da Silva no Rio de Janeiro, por exemplo) e com poucas exceções na atividade parlamentar.
Assim que chegaram ao Palácio do Planalto, em Brasília, com a vitória de Lula, os dirigentes petistas constataram que tinham o governo, mas não o poder. Para governar tiveram que fazer concessões e mais concessões aos proprietários do poder, com a representação majoritária no Congresso Nacional. Assim, em nome da “governabilidade” fizeram a clara escolha de proteger o Capital em detrimento do Trabalho. Prisioneiros de alianças com os partidos burgueses enveredaram pelo caminho da intensificação da exploração capitalista no contexto de uma ordem mundial hierarquizada pelas potencias imperialistas as quais se submeteram docilmente. Foi assim que chegaram a uma maravilhosa conclusão em termos de política econômica e social: “vamos entregar tudo, vamos vender tudo, quem sabe, possamos ganhar algumas migalhas para fazer pequenas reformas que garantam um apoio para ficarmos para sempre no Palácio do Planalto”. Exagero? Esse foi o tom do discurso de Lula por ocasião em que o governo federal anunciou a descoberta das jazidas de petróleo do pré-sal. Nasceu a teoria de expandir o capitalismo ao máximo! O fim da linha da estratégia “democrático-popular”, o beco sem saída do reformismo adotado oficialmente pelo PT a partir do 5º ENPT.
Commodities mais desindustrialização
A DS propaga que “através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o início de um novo ciclo de planejamento do investimento e permitiu inaugurar um novo ciclo de crescimento sustentado com forte inclusão social” acompanhando assim o mesmo tom do discurso governamental.
Toda a mídia, inclusive a internacional, exalta o crescimento econômico do Brasil, um país emergente, com taxas que ficaram em 7,5% em 2010, segundo dados oficiais. Fala-se de uma “nova classe média emergente”, Os brasileiros abarrotam as ruas, avenidas e estradas de carros. Entopem os shopping-centers para se comprar de tudo. Compram casas e esgotam as passagens aéreas em viagens pelo exterior. Crédito fácil em todo lugar, os brasileiros estão ficando ricos. É o que a propaganda oficial diz, como resultado de uma política econômica bem sucedida. É o País das Maravilhas dos endividados em que só falta a Alice.
Mas a realidade que encontramos pela frente é outra. Mas continuamos com o artigo citado acima que questiona o modelo econômico do governo Lula: “Mas nós não podemos esquecer também que para garantir a continuidade do modelo econômico neoliberal Lula não hesitou em coagir o poder legislativo pressionando e cooptando parlamentares para votar nas reformas econômicas e políticas. Assim como o poder judiciário sofreu pressões continuadas e os movimentos sociais, sindicais e populares tiveram inúmeras de suas lideranças cooptadas e caladas pelos “benefícios” do poder. O resultado direto disso foi que o país consolidou uma situação de ilhas de desenvolvimento cercado por um enorme mar de atraso econômico e barbárie social.
O segundo governo de Luís Inácio da Silva ao continuar a implementação da liberalização da economia como condição de suposta modernização do Brasil e a praticar uma inserção nacional na globalização neoliberal de forma dependente e subordinada impõe ao país um modelo econômico com forte predomínio da produção agrária para exportação e sob o comando de agroindústrias nacionais e multinacionais, que tendem a forçar cada vez mais a desorganização da agricultura familiar e a trazer sérias implicações sociais para a realidade social brasileira.
O governo federal do ex-operário Lula da Silva continua iludindo milhões com a transformação do Brasil num cassino global e com a afirmação de que é capaz de resolver os principais problemas do país, sem alterações estruturais, inclusive da questão da reforma agrária e da concentração de terras, que tendem a ser cada vez maior no país. Assim: não há dúvida de que a globalização neoliberal da economia brasileira está condenando o país a uma situação de país periférico, com uma inserção cada vez mais subordinada ao capitalismo e num processo amplo de barbárie social, econômica e política, incapaz de desenvolver o país e inseri-lo soberanamente no mercado internacional” (A Globalização Neoliberal no Brasil: o avanço do agronegócio e o papel da administração pública, Paulo Henrique Costa Mattos, 25/05/2008, divulgado no site do PSOL).
O “boom” econômico brasileiro está assentado na exportação de matérias primas, produtos agrícolas, commodities, petróleo e minérios, que combinados com a crescente entrada de capitais especulativos, determinam uma inversão no modo como o capitalismo se desenvolve. É o que explica o frenesi das “ilhas de desenvolvimento” em um oceano de miséria, com índices do crescimento de emprego em função da venda de commodities. Não esquecer que em 2008 as empresas demitiram por conta da crise econômica milhares de trabalhadores e que estes índices podem conter na realidade reposição de mão de obra. O caso da produção de petróleo nas plataformas marítimas, no Estado do Rio de Janeiro é um exemplo típico. Temos também as chamadas “bolhas de crédito” onde a maioria do povo brasileiro está se endividando de forma crescente, em um processo de transferência de renda para o setor dos grandes bancos, os grandes agiotas da economia brasileira.
Ao mesmo tempo, assistimos a um brutal processo de desindustrialização. Um dos diretores da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), Roberto Giannetti da Fonseca aborda a questão em um artigo publicado no Estado de São Paulo: “A palavra desindustrialização é a antítese de industrialização, o que nos leva a, primeiro, tentar entender o que é a industrialização de um país. Bem, parece mais fácil e óbvio explicar que industrialização é o processo evolutivo de uma economia que consegue, ao longo do tempo, produzir localmente as manufaturas que são demandadas por sua população, tais como roupas, calçados, automóveis, alimentos, etc. Essa produção, num primeiro momento, normalmente substitui produtos importados, ou ainda cresce simplesmente para satisfazer à demanda marginal que aumenta ano após ano naquela economia, para, em seguida, vir a exportar a produção excedente para outros mercados no exterior. No Brasil foi notória a fase de substituição de importações por produção local, que ocorreu principalmente de 1930 até 1990. Podia-se mesmo afirmar no final dos anos 80 que a economia brasileira, de tão fechada, era praticamente autossuficiente em quase tudo. Podemos, agora por antítese, afirmar que desindustrialização é o fenômeno de substituição de produção local por produtos importados, o que resulta no aumento do coeficiente de importação de uma determinada economia. O coeficiente de importação nada mais é do que a relação da importação de manufaturados sobre o consumo aparente doméstico de manufaturas (produção local – exportações + importações).
É isso que se observa hoje em dia na economia brasileira. Vamos aos fatos e dados: segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o coeficiente de importação da indústria brasileira subiu de 16,9% no 2.º trimestre de 2009 para 22,7% no 3.º trimestre de 2010, portanto um salto espetacular em pouco mais de 12 meses. Estima-se que no final de 2010 poderá estar próximo de 25%. Outro fato a ser observado é a substituição de matérias-primas e máquinas locais por importadas, na indústria de transformação. Vejam só, os carros aqui produzidos continuam sendo Made in Brazil, mas seu conteúdo importado, em muitos casos, subiu mais de 50% nos últimos dois anos. Até o aço utilizado na indústria brasileira é crescentemente importado. O coeficiente de importação setorial subiu de 8,6% para incríveis 17,3% no mesmo período acima observado. Quantos industriais brasileiros nós conhecemos que, sem outra alternativa, reduziram suas linhas de produção ou mesmo fecharam suas fábricas no País e terceirizaram sua fabricação na China, tornando-se agora prósperos importadores e distribuidores de seus próprios produtos e marcas, em vez de permanecerem como industriais deficitários?
Se com estes fatos e dados não identificarmos o cerne e as causas do preocupante processo de desindustrialização precoce no Brasil, então estaremos cometendo um autoengano fatal, um quase suicídio econômico de nossa emergente nação“ (Desindustrialização no Brasil – ser ou não ser? www.estadao.com.br em 06/12/2010).
Essa é a opinião de um diretor de mais importante associação empresarial do país. Um outro analista, em seu blog na internet, no mesmo tom, diz o seguinte: “Estamos vivendo um processo de recrudescimento da inflação. Porém, ao contrário do que dizem aqueles brasileiros que torcem para o país ir mal porque querem que os conservadores voltem ao poder na esteira da desgraça nacional, a inflação é temporária. O algoz da indústria verde-amarela tratará de fazê-la baixar. Quem é esse algoz? O câmbio.
Eis o problema do país. Como o Brasil precisa exportar e não consegue vender produtos industrializados ao exterior, ampara-se nos produtos básicos supramencionados. Dessa exportação de matérias-primas decorre a entrada massiva de dólares no país. E, dela, a valorização do real.
Com o mercado interno encharcado de dólares, cai o preço da moeda americana. Caindo, o produto manufaturado brasileiro se torna mais caro. E, cedo ou tarde, o similar estrangeiro terá que entrar ainda mais do que já vem entrando. Então, o problema não é só o comércio exterior.
Neste momento, devido às barreiras alfandegárias ainda é possível a indústria brasileira se manter diante da estrangeira. A economia superaquecida gera uma demanda por produtos de tal ordem que cede espaço para que produtos caros subsistam. Com o tempo, porém, essa vantagem deve desaparecer. O mundo caminha para derrubar as barreiras tarifárias.
Proximamente, com o pré-sal fazendo jorrar dólares – esse petróleo destinar-se-á exclusivamente à exportação, pois o Brasil já produz tudo de que precisa –, o percentual de manufaturados na pauta de exportações deve diminuir ainda mais e o real cada vez mais valorizado continuará encarecendo os industrializados brasileiros.
No começo, serão as pequenas indústrias. Depois, as médias. Por fim, as grandes perderão o interesse em produzir no Brasil. Muitas, sobretudo as pequenas, quebrarão por falta de mercado”.(A Desindustrialização no Brasil, Eduardo Guimarães, 28/04/2011).
As citações acima foram coletadas de artigos publicados na internet, onde sem grande esforço de pesquisa, encontramos farto material de análise que atestam uma situação alarmante. E a maioria dos artigos, da mesma forma que os citados acima, defendem os interesses da burguesia e estão a milhões de anos luz da defesa dos interesses da classe operária, que para nós é o centro da questão.
Mas continuando, a situação da indústria siderúrgica e a da metalurgia são indicadores do grau de industrialização do país. Vejamos o que os empresários do setor têm a dizer: “Em meio a discussões com o governo sobre medidas de defesa comercial, a indústria siderúrgica divulgou hoje números que mostram queda da participação do setor manufatureiro na economia, forte penetração das importações – sobretudo de produtos chineses – no mercado doméstico e peso crescente das matérias-primas na pauta de exportações brasileira.
Na avaliação do Instituto Aço Brasil (IABr), entidade que abriga as siderúrgicas brasileiras, o cenário indica um processo de desindustrialização no país.
Conforme estudo envolvendo quatro países – Brasil, Argentina, Colômbia e México – coordenado pela Funcex a pedido do Instituto Latino Americano de Ferro e Aço (Ilafa), a participação da indústria manufatureira na economia brasileira, que chegou a ser de 19,2% em 2004, caiu para 15,8% no ano passado.
Concomitantemente, a participação dos manufaturados nas exportações cedeu de 55% para 39% de 2005 para 2010, dando lugar a uma crescente presença de produtos básicos – um movimento chamado de “primarização das exportações brasileiras”.
O balanço mostra ainda que os produtos metalmecânicos – que têm forte conteúdo siderúrgico – respondem por 62,7% das exportações da China ao Brasil. Também revela que as importações totais estão avançando nos mercados de grandes clientes da indústria siderúrgica. No consumo de máquinas e equipamentos, por exemplo, chegaram a 26,4% no ano passado, e nas compras de veículos automotores, a 18,3%”. (Siderúrgicas apontam desindustrialização no Brasil, Valor On-line,12/09/2011).
A questão central a qual estamos confrontados aqui é a defesa da classe operária, das suas reivindicações, das suas conquistas sociais. Aceitar a anarquia destruidora do capitalismo, das leis do mercado, que fecha fábricas e destrói empregos, é aceitar a destruição física do proletariado como classe. Esta é a principal consequência da dependência da economia brasileira aos interesses estratégicos do grande capital internacional. Que modelo que desenvolvimento econômico é esse, defendido pela DS, que ao invés de iniciar um processo de ruptura com a ordem internacional, aprofunda a dependência? Mas as teses da DS, aprovadas em um encontro “democrático”, representando 5000 militantes e outros proselitismos, passam ao largo dos problemas fundamentais da situação nacional. Eis o que dizem: (…) “o desenho de um modelo de crescimento sustentado que seja assentado em uma economia ecológica; a expansão para um campo macro-econômico das formas de economia solidária, capazes de construir alternativas à propriedade privada dos meios de produção; a definição de um programa estratégico para a produção agrária brasileira” (…).
Qual o “programa estratégico” para a produção agrária? O agronegócio e a expulsão dos pequenos proprietários rurais de suas terras! Quanto à desindustrialização em marcha? A “economia solidária” ecológica para que a propriedade privada dos meios de produção fique intacta! Repetimos mais uma vez: essa gente se acha defensora do legado do marxismo revolucionário.
A questão da “economia solidária” nós vamos abordar detalhadamente em outra parte deste texto, junto com a chamada “democracia participativa”, mas por ora o que temos a dizer é que denunciamos essas posições (ou omissões) como decorrentes de uma política reacionária em toda a linha aplicada pela DS em conjunto com o governo PT. É uma política de economia solidária com o Capital e que visa atacar a classe trabalhadora como um todo, na cidade e no campo, confiscar seus direitos, derrubar “democraticamente” suas conquistas e finalmente rechaçar as suas reivindicações.
Este é o papel sujo reservado a tendências como a DS que, sob a capa do marxismo revolucionário, dão uma face “socialista” a uma política de governo que aplica os planos do imperialismo.
O agronegócio espalha a barbárie pelo campo
De todos os aspectos da política pró-capitalista da tendência Democracia Socialista, o mais grave é sem dúvida a aplicada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a gestão de Miguel Rossetto e continuada por Afonso Florence (PT-BA). O maior absurdo é que as resoluções da X Conferência da DS não contém uma linha sequer sobre a questão agrária no Brasil. Um silêncio total, constrangedor para a própria base militante da DS, aponta plena cumplicidade com o avanço do agronegócio pelo campo, destruindo florestas, o ecossistema do cerrado do centro oeste brasileiro, com a expulsão da agricultura familiar e assassinato de líderes camponeses. É essa a economia ecológica autossustentável que a DS defende?
O governo PT atua com dois ministérios para a questão agrária. O da Agricultura cuida do agronegócio. O do Desenvolvimento Agrário cuida, por sua vez, da agricultura familiar. Mas o que acontece é que a parte do governo que deveria em tese promover a reforma agrária dá cobertura à política de favorecimento ao monopólio da terra, nas mãos dos latifundiários associados com a grande agroindústria. Aqui se abre uma questão polêmica: “Dado que atualmente o poder maior no campo está em mãos das agroindústrias, que são totalmente apoiadas pelo governo federal, a ponto do presidente da República chamar os usineiros e outros agentes do agronegócio de “Heróis”, percebe-se que a reforma agrária, enquanto política que consiste essencialmente na distribuição entre a população rural de terras concentradas em mãos de um reduzido número de grandes empresas agrícolas, não está avançando de forma intencional e proposital.
A concentração da propriedade da terra está na base do sistema de dominação cuja cúpula são a grande agroindústria, os usineiros, os produtores de grãos e de carne para exportação. A extraordinária concentração da propriedade da terra gera uma população destituída de qualquer possibilidade de sobrevivência sem depender dos favores dos mesmos que controlam a vida econômica e política. Dos mesmos segmentos que hoje impõe ao governo Lula sua vontade e projeto de sociedade.
A força do agrobusines é hoje o motor da vida rural no Brasil, alterando substancialmente o atual perfil de distribuição da propriedade da terra. Essa relação econômica de caráter conservador e predatório gera uma inércia que bloqueia todo e qualquer esforço de melhorar o padrão de vida da população e de aproveitar todas as possibilidades de criação de riqueza que o desenvolvimento das forças produtivas no campo já permite” (A Globalização Neoliberal no Brasil: o avanço do agronegócio e o papel da administração pública, Paulo Henrique Costa Mattos, 25/05/2008, divulgado no site do PSOL).
Inácio José Werner, cientista social ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT), em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, divulgada no site do MST, comenta a estrutura política do Estado do Mato Grosso e fala das articulações entre o Partido dos Trabalhadores e o ex-governador Blairo Maggi (PR) que está na linha de frente do agronegócio: “O latifúndio se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a produção. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras (…).
(…) A concentração das terras traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso esta fatia cai para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo ficam com a agricultura empresarial.
Dom Pedro Casaldaglia, em Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, documento que completa 40 anos no dia 9 de outubro, já denunciava o conflito estabelecido pela ganância do latifúndio, que assalta e expropria comunidades e povos que viviam por gerações em sua terras, destacando as populações tradicionais como quilombolas, retireiros e povos indígenas (…).
(…) A principal causa de ameaça é a resistência na terra ou a luta pela conquista de um pedaço de chão. Também temos ameaças pela denúncia de venda de lotes destinados à reforma agrária, a denúncia de trabalho escravo, desmatamento ou venda de madeira, além do uso abusivo de agrotóxicos
Segundo o caderno Conflitos da Comissão Pastoral da Terra, em Mato Grosso, entre 2000 e 2010, 114 pessoas foram ameaçadas, algumas mais de uma vez. Uma mesma pessoa chegou a ser ameaçada seis vezes. Deve-se ressaltar que, destas 114 pessoas, seis foram assassinadas. Nos últimos três meses recebemos mais cinco denúncias de ameaças de morte por lideranças ligadas à luta do campo” (A renovação do latifúndio e seu novo sistema: o agronegócio, 02/08/2011, site do MST).
Continuando o depoimento, o autor destaca o apoio de Blairo Maggi ao governo petista: “Blairo é da linha de frente do modelo do agronegócio, alguém que passou a ser porta voz de uma classe, captando muito bem o anseio dos latifundiários que, em vez de escolherem representantes, apostaram em quem era “um” dos seus (…).
A aliança entre PT e PPS e, depois, PR foi costurada em nível nacional e repetida no estado com pouca resistência; houve reações de setores minoritários”.
Segundo dados da Pastoral da Terra, nos últimos 25 anos 115 pessoas foram assassinadas em conflitos do campo só no Estado do Mato Grosso. Apenas 3 casos foram julgados. Segundo o jornal Folha de São Paulo: “Um levantamento inédito do governo federal mostra que quase 98% dos casos de assassinatos no campo do Pará ocorridos nos últimos dez anos ficaram impunes. Foram analisadas 180 situações que resultaram em 219 mortes no Estado, entre 2001 e 2010.
O trabalho, desenvolvido pela Ouvidoria Agrária Nacional e Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, mostra também que a maioria dos assassinatos no campo paraense (61%) não chega à Justiça. Dois em cada dez casos nem foram investigados.
O levantamento indica que a maioria das mortes (162) tem relação com disputas por terras e recursos naturais, como madeira.
Além do Pará, as ouvidorias analisaram também as mortes ocorridas no campo de Mato Grosso e Rondônia.
Na zona rural de Rondônia foram 47 situações, em que 71 pessoas foram mortas. Quase a metade (45%) gerou processos e em apenas 13% delas houve condenação. No Mato Grosso, foram 50 mortes em 31 casos –58% chegaram à Justiça, mas 90% continuam impunes.” (Folha de São Paulo, 07/06/2011).
A justiça do “socialismo democrático” não condena quem tem influencia política e dinheiro. O objetivo desse terrorismo rural, que avança junto com o agronegócio capitalista, e com total impunidade em formar bandos armados, é ameaçar e destruir todas as organizações, sindicatos e instituições que estão na linha de frente do combate contra o monopólio da terra, pela reforma agrária, pelo direito a terra para quem trabalha, por outra alternativa para a questão agrária no Brasil.
O INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário apresenta em seu jornal, datado de dezembro de 2010, dados informativos totalmente otimistas:
“A política agrária brasileira deu um salto significativo nos últimos anos. Para se ter uma ideia, a área incorporada ao programa de reforma agrária saltou de 21,1 milhões de hectares de terras obtidos entre 1995 e 2002 para 48,3 milhões entre 2003 e 2010, um aumento de 129%. A aquisição de áreas pelo Incra é feita por meio de desapropriação, compra direta para implantação de assentamentos de trabalhadores rurais ou por meios não onerosos, como a destinação de terras públicas e o reconhecimento de territórios.
O número de famílias beneficiadas também aumentou ao longo de oito anos, chegando às atuais 614.093. No mesmo período, foram criados 3.551 assentamentos. Atualmente, o Brasil conta com 85,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária, 8.763 assentamentos atendidos pelo Incra, onde vivem 924.263 famílias”.
Estes dados analisados isoladamente podem parecer espetaculares. Mas confrontados com o avanço do agro capitalismo associado ao latifúndio, os assentamentos rurais patrocinados pelo Incra não conseguem inverter a tendência à concentração da terra e todas as suas consequências sociais abordadas acima. É preciso que se diga que assentamentos em pequenas propriedades rurais, por mais importantes que sejam, não são reforma agrária, pois o INCRA já fazia assentamentos antes do PT chegar ao Palácio do Planalto. É política de compensação social perante a opção feita pelos governos Lula-Dilma de darem as costas à reforma agrária, em favor de um agronegócio voraz e destruidor, um mecanismo de exploração que concentra riqueza e distribui miséria e barbárie. Este modelo econômico para a agricultura no país segue a linha do “quanto mais capitalismo melhor” na completa contramão da necessária abolição de todas as formas de exploração do homem pelo homem, da preservação dos recursos naturais não renováveis e na implantação de uma agricultura voltada para a satisfação das necessidades humanas e não em função dos interesses do lucro capitalista.
O que estamos assistindo é uma verdadeira traição ao programa histórico do Partido dos Trabalhadores, desde a sua fundação, que colocou a luta contra o latifúndio, a exploração capitalista no campo e a defesa da reforma agrária como uma de suas principais bandeiras. A DS, ao acompanhar este vôo oportunista e irracional do governo petista, torna-se cúmplice dessa traição, contra as bandeiras históricas do PT, mas também contra a grande massa de trabalhadores rurais e camponeses que lutam pela transformação social no campo.
Eis o que diz o Programa do PT, aprovado por ocasião da sua fundação, em 1980: “O PT defenderá uma política agrária que objetive o fim da atual estrutura fundiária. Esta estrutura é pautada na grande empresa capitalista e nos latifúndios, que mantém as terras improdutivas que servem à especulação imobiliária. Combaterá também o fim da expropriação das terras pelas grandes empresas nacionais e estrangeiras e incrementará pela nacionalização da terra, permitindo assim, o aproveitamento dos recursos humanos e das potencialidades econômicas existentes no solo e no subsolo, segundo os interesses dos trabalhadores rurais e do conjunto da sociedade brasileira.
O PT defenderá ainda a exploração imediata de toda terra disponível, inclusive a que é de responsabilidade do Estado – as terras devolutas, as terras do INCRA e das terras da faixa de fronteira – que deverão ser usadas pelos trabalhadores sem terra, ocupando-as permanentemente, de maneira a que sejam atendidos os seus interesses e as suas necessidades. Mas para o PT não basta a simples distribuição da terra. Como exigência fundamental para o êxito dessa nova política agrária postula a criação de instrumentos econômicos e financeiros como forma de apoio indispensável à exploração da terra, segundo as peculiaridades geográficas e humanas regionais”.
O texto acima, com exceção de pequenos pontos aqui e ali que estão imprecisos e genéricos (como a questão da nacionalização), no geral está correto. Implementar essa diretriz, a nível de governo, permitiria o PT abrir um processo de ruptura com a ordem burguesa no país. Mas escolheu o outro caminho, justamente o contrário do que diz o Programa, o caminho de defesa do capitalismo em toda a linha.
A DS também seguiu este curso, que girou em 180° a sua antiga orientação, que dizia o seguinte em 1980: “Luta pela reforma agrária radical, com a nacionalização de toda a terra e a sua utilização segundo os interesses dos trabalhadores rurais e pequenos produtores” (A conjuntura e as nossas tarefas atuais, março de 1980).
O que a DS tem a dizer sobre estas questões? Nada! E esta gente está à frente de um Ministério do governo federal que deveria cuidar da reforma agrária! Iludir, confundir, ocultar a verdade. É o que sabem fazer.
A questão agrária no Brasil de hoje, 30 anos depois, principalmente após os dois mandatos do governo Lula, implica em novas reflexões programáticas. O latifúndio mudou. Está associado ao agronegócio. A concentração de terras aumentou drasticamente. O que se coloca hoje é a necessidade de, não apenas “nacionalizar” ou “estatizar” o latifúndio, mas também o agronegócio. E mais do que isso, implica em ir adiante, socializar a empresa capitalista agrária junto com o latifúndio, colocando-os sob gestão dos trabalhadores combinando com uma política de distribuição de terras para quem trabalha (a agricultura familiar) que devem dar uma nova dimensão de “produtores associados” no campo, criando assim um novo tipo de agricultura, planejada, orgânica, livre dos agrotóxicos, voltada para a satisfação das necessidades da população, gerando trabalho e empregos, interagindo com os ecossistemas e fazendo a necessária troca com a produção industrial dos centros urbanos. Essas são as medidas necessárias para uma verdadeira reforma agrária, um importante passo, junto com outros, na direção de uma efetiva transição ao socialismo no Brasil.
Fim da 4ª Parte