O governo do Partido Colorado impôs, faz um ano, medidas restritivas e ajustes econômicos visando conter os efeitos da pandemia e proteger os interesses da sua base de apoio oligárquica e parasita. Passado apenas um ano destas medidas, o povo saiu às ruas pedindo “fora todos”.
Cabe assinalar que o período presidencial de Mario Abdo Benítez ainda não chegou aos três anos de governo e já foi alvo de dois pedidos de impeachment. O primeiro foi consequência de um acordo espúrio sobre recursos da Hidrelétrica Itaipú entre personagens – como Major Olímpio – vinculados a Jair Bolsonaro.
O Partido Colorado tem 134 anos de existência, dos quais 70 anos governa o Paraguai. Fundado por um prisioneiro de guerra da tríplice aliança pelo Brasil, caracteriza-se por uma política econômica submetida aos interesses latifundiários do Brasil, à política financeira dos EUA, ao uso de recursos públicos para manter uma base oligárquica de apoio e por instituições trabalhistas que impedem qualquer tipo de organização autônoma dos trabalhadores do campo e da cidade.
Então, contar com um sistema de saúde robusto e de qualidade, um sistema de segurança social eficiente e abrangente para toda a força de trabalho; um sistema educativo que garanta acesso a toda população trabalhadora, uma reforma agrária que garanta o abastecimento de nossas cidades e uma indústria que ocupe a população historicamente expulsa do campo orientada às necessidades básicas de serviços públicos batem de frente com os interesses da oligarquia parasitária ligada ao partido governante, o Partido Estado.
O mundo vem passando por uma crise capitalista mundial. O surto da pandemia catalisou esta crise e atualizou a luta de classes no mundo todo. O governo Colorado teve que tomar medidas para fazer frente a estes problemas que se mostram como sanitários, mas que são econômicos.
A política emergencial escolhida por Mario Abdo e seus parlamentares foi continuar com a mesma política: aumentar a dívida. Em março de 2020, o parlamento paraguaio aprovou a licença ao Executivo de ir atrás de US$ 1,6 milhão de dólares em empréstimos – um número que representa 7,5% do PIB – e fez subir a dívida pública de 17% (período 2013-2018) a 30% do PIB, sem nenhuma outra modificação substancial na política econômica e institucional.
A desculpa utilizada para conseguir acalmar os ânimos da população e conseguir simpatia para o endividamento foi que era necessário preparar o sistema de saúde para a explosão de números de contágios. Toda a mídia empresarial esteve alinhada ao governo neste sentido, chamando o povo para “ficar em casa”.
O dinheiro de emergência emprestado foi usado para pagar dívidas por uma parte, por outra parte para pagar salários de trabalhadores (com carteira assinada, o que representa apenas 20% dos trabalhadores paraguaios) de empresas com atividades suspensas, uma ajuda emergencial de R$ 450 (aproximadamente), repasses feitos nos primeiros seis meses. Outra parte importante do empréstimo foi colocado nos bancos privados sob o argumento de resgatar pequenas, micros e médias empresas, porém, o dinheiro não saiu dos bancos, pois eles não flexibilizaram critérios empréstimos
Com a velocidade imposta no contexto da pandemia, ficou visível a inoperância do governo colorado para administrar os problemas básicos da população e de gestão de suas próprias disputas internas: o sistema de saúde não conseguiu contar com infraestrutura básica durante todo este ano por causa da guerra desatada entre empresários que queriam sugar parte desses US$ 1,6 milhão destinados ao sistema sanitário; ficando, assim, as partes em guerra com a máxima “se eu não como, ele também não come”.
A atual crise no Paraguai não tocou ainda a política institucional, mas a condensação acelerada de vários problemas de gestão da sociedade e de gestão da luta entre frações da oligarquia fez com que o partido colorado não conseguisse estabelecer medidas que acalmem o povo e deixem contentes as diferentes frações.
A oligarquia paraguaia é consciente que o Partido Colorado é uma peça necessária para o consenso de manutenção de suas riquezas as custas da maioria. Por isso é importante compreender que os pedidos de impeachment e as ameaças de novos pedidos respondem somente aos jogos de interesses das diferentes frações da classe dominante.
O que vem acontecendo desde março de 2021 no Paraguai é completamente novo, há peculiaridades qualitativas que precisamos destacar: primeiro, é a inédito em todo este século 21, mobilizações intensas que duraram mais de duas semanas; segundo, as mobilizações não se concentraram somente na capital do país senão também em várias cidades do interior, a ira e o ódio está exclusivamente inflamado contra o Partido Colorado (não há memória disso em toda a democracia); e por último, o principal mal estar era a situação econômica.
A explosão social se deu logo que ocorreu a explosão de contágios. A necessidade de internamento e a incapacidade do Estado de oferecer isso fez com que as massas percebessem o que 70 anos de governo colorado fez: com a privatização do serviço público de saúde (o único serviço garantido é a atenção do médico, da enfermeira, o resto deve ser comprado nas farmácias), as famílias começaram a gastar cerca de mil dólares por dia de atendimento, muitos perderam suas propriedades para salvar os seres queridos, todos passaram a ser pobres em um lapso curto de tempo — menos os empresários ligados as oligarquias locais. O medo e pânico de ficar doente e ter que ir ao hospital com a consequência segura de ficar pobre para salvar a vida se converteu em raiva e ira contra o Partido Colorado.
As esquerdas no Paraguai ainda não conseguiram ajudar a organizar a massa de descontentes que se foi às ruas. E isto precisa ser corrigido de forma urgente. Mas, também, a mídia empresarial não conseguiu instalar suas consignas e um comportamento alinhado ao status quo. Quando uma sede do partido colorado foi queimada e a mídia tentou mostrar as mobilizações como atos “vandálicos”, a população começou a mostrar, pelas redes sociais, os atos vandálicos do Partido Colorado durante os 70 anos dos seu governo. Toda vez que a mídia empresarial tratou de afirmar que “todos os políticos são iguais” (operativo ideológico para não colocar o partido do governo no centro), a resposta foi que “o Partido Colorado, sozinho, vem nos governando”.
Houve mobilizações intensas, porém, muita dispersão, muitas consignas, muitos atos paralelos e não há uma direção clara. A direção dos partidos tradicionais não está conseguindo influenciar os manifestantes.
Há uma raiva popular no ar. A reivindicação de derrubar o governo colorado e convocar novas eleições ainda não foi acalmada; os problemas de gestão sanitária e econômica ainda estão começando para o governo. Os problemas nas UTIs não se resolvem colocando mais camas. É preciso mais profissionais e, por conseguinte, isto só é possível conseguir pelas alianças com países que se deram melhor no combate à pandemia, e estes países têm o veto dos EUA, que determina a política exterior do Partido Colorado.
O problema da paralisia econômica vai continuar. Oferecer mais empréstimos para acalmar a classe trabalhadora só trará mais problemas, pois a dívida será paga com desemprego e estrangulamento dos serviços públicos.
Não se vê no horizonte a possibilidade de uma volta da normalidade no fornecimento de vacinas no Paraguai, os EUA bloqueiam qualquer chance de negociação do Paraguai com a China ou Rússia, mas não oferece nem um lote do imunizante.
Uma segunda onda de protestos será impossível de conter, e os partidos de centro não terão margem de manobra para uma saída com o partido de governo. A esquerda terá que colocar um programa político que, obrigatoriamente, deve combater os interesses da oligarquia, no plano da política exterior e precisará da pressão popular para conseguir essas conquistas.