Este artigo tem como objetivo discutir uma linha de pensamento comum na “esquerda” atual: a crença de que é mais fácil haver um fascismo do que uma revolução.
Nós discordamos frontalmente desta interpretação. Para nós, o que ocorre é que um desânimo profundo contaminou a “esquerda” (mesmo aqueles que se declaram marxistas) e esse desânimo é, em última análise, fruto de uma visão míope da realidade; a falta de uma compreensão materialista dialética da sociedade.
Essa leitura catastrófica da realidade, baseada no pessimismo, toma mesmo os militantes mais valorosos e valentes, de modo que só conseguem enxergar o problema, e não a solução. Na prática, ao acreditarem na falácia de que uma onda conservadora domina o mundo, de que há um aumento da “ultradireita” e de que há um plano de fascismo em curso, em vez de darem uma reposta à altura do cenário que afirmam existir, o que fazem é justamente recuarem ainda mais. Enxergam um cenário de fascismo, mas, em vez de radicalizarem a luta e derrubar o líder desse movimento (Bolsonaro), aceitam a ideia de que devemos esperar até 2022, para “vencer o fascismo nas urnas”.
Este artigo, portanto, busca explicar por que essa análise está totalmente equivoca. E, para isso, explicaremos o que caracteriza o fascismo e qual o cenário necessário para que ele seja implantado, para deixar bem evidenciado que não há um fascismo em curso hoje. E, explicaremos também, porque para nós marxistas o que há no Brasil hoje é uma tentativa de bonapartismo, bem como esmiuçar suas características.
Por fim, esse artigo tem o objetivo de tornar evidente que o cenário atual está mais inclinado para o surgimento de movimentos insurrecionais e revolucionários. Contudo, esses elementos ou são ignorados pela militância dita de esquerda, porque está cega, tamanho é o pessimismo, ou, porque as direções traidoras de esquerda jogam baldes de água fria sobre o ânimo da militância, justamente para frear esse ímpeto revolucionário que toma a classe trabalhadora em todo o mundo, sobretudo a juventude.
Assim, espalham o medo e abandonam a classe no pessimismo, em vez de combater o tal fascismo de frente, o que favorece tão somente a classe dominante e, em última análise, defendem o “Fica Bolsonaro”, em vez de derrubar esse governo assassino.
O que é uma situação revolucionária?
No exato momento em que este artigo está sendo escrito uma onda insurrecional está dominando vários países no mundo: No Paraguai, milhares de pessoas se mobilizam para derrubar o presidente que não consegue dar uma solução para a pandemia de Covid-19. No Senegal, os jovens e trabalhadores tomaram as ruas. Na Índia, os camponeses estão há meses em luta contra três novas leis agrícolas aprovadas pelo parlamento. Na Rússia, explodiu em janeiro uma onda de protestos contra a repressão e a corrupção do governo. Em Mianmar, as massas entraram em luta com greves e protestos contra o golpe militar dado em 1º de fevereiro.
Estamos apenas falando de insurreições desde o início deste ano. Mas, podemos destacar as manifestações ocorridas no ano passado nos EUA, contra os assassinatos racistas realizados pela polícia – em maio, Jorge Floyd foi enforcado pela polícia e, em agosto, Jacob Blake foi alvejado pelas costas. Nelas, milhões de pessoas foram às ruas, atacaram prédios da polícia e gritaram: “Vidas negras importam!”. Tudo isso em meio a uma pandemia, em que as pessoas deveriam estar em isolamento social. Ou seja, mesmo com o medo de contrair essa cruel doença, os trabalhadores decidiram ir às ruas, vencer o temor da morte para lutar contra o racismo, que mata milhares de negros nos EUA todos os anos.
Aqui no Brasil também tivemos várias demonstrações de indignação organizada, por parte do trabalhadores: manifestações do movimento negro contra os assassinatos racistas nos EUA; contra o assassinato de João Alberto, espancado em um Carrefour em Porto Alegre, em novembro do ano passado; a greve dos entregadores de aplicativos em julho. Além do incontáveis panelaços e gritos de Fora Bolsonaro, que ocorrem incansavelmente por todos país.
Ou seja, é possível ver uma disposição de luta por parte da classe trabalhadora em todo o mundo. Em alguns locais ela se expressou como uma luta aberta contra as forças militares, como em Mianmar, em outros, tratam-se ainda de expressões localizadas de insatisfação da classe. Mas, em ambos os casos, o que percebemos é que nenhuma dessas demonstrações estão sendo organizadas pelas direções de esquerda, muito pelo contrário; elas ocorrem apesar das direções fazerem de tudo para impedir as massas de lutarem por uma vida digna em meio à pandemia.Leon Trotsky escreveu um importante texto em 1930: O que é uma situação revolucionária. Neste curto, mas afiado, texto ele explica as condições necessárias para uma situação revolucionária:
As condições econômicas e sociais de uma situação revolucionária ocorrem, falando em geral, quando as forças produtivas de um país estão em decadência; quando diminui sistematicamente o peso do país capitalista no mercado mundial e as rendas das classes também se reduzem sistematicamente; quando o desemprego já não é simplesmente a consequência de uma flutuação conjuntural, e sim um mal social permanente com tendência a se incrementar.
Todas essas condições estão presentes hoje no Brasil, bem como em várias outras partes do mundo. Contudo, além das condições “sociológicas”, são necessárias também as condições políticas, que dizem respeito ao “fator subjetivo”, que é “quando as condições econômicas e sociais que permitem a revolução provocam mudanças bruscas na consciência da sociedade e de suas diferentes classes”, em especial três delas: a capitalista, a classe média e o proletariado. Assim, o revolucionário resume esses elementos chaves em três:
1. Que o proletariado deve perder sua confiança não somente nos conservadores e nos liberais, como também no Partido Trabalhista. Tem que concentrar sua vontade e sua coragem nos objetivos e métodos revolucionários.
2. Que a classe média deve perder sua confiança na grande burguesia, nos lordes, e voltar os olhos para o proletariado revolucionário.
3. Que as classes possuidoras, as camarilhas governantes, rechaçadas pelas massas, percam sua confiança em si mesmas.
Trotsky se refere à situação da Grã-Bretanha, um ano após a crise de 1929, mas, queremos trazer essa formação para nosso contexto.
O terceiro elemento é uma realidade no Brasil hoje: há uma guerra entre “os de cima”, a burguesia está se engalfinhando. Moro, que tinha sido erguido ao lugar de paladino da justiça, já rompeu com Bolsonaro e, no dia 23 de março, a 2ª turma do STF declarou que o ex-juiz foi parcial nas decisões sobre Lula no âmbito da operação Lava Jato. Além de Moro, vários juízes já abandonaram o barco de Bolsonaro. O próprio Bolsonaro anunciou a saída do PSL e fracassou em fundar seu próprio partido. A rede Globo que sempre atacou Lula e o PT, agora ataca Bolsonaro.
A verdade é que Bolsonaro só foi eleito “por acidente de percurso”, já que a burguesia não tinha um nome que conseguisse unificar o país e não confiava mais no PT para controlar a classe trabalhadora, como conseguiu fazer nos primeiros mandatos. Mas, como Bolsonaro é imprevisível e pode sempre colocar a pouca estabilidade em risco, a burguesia decidiu soltar Lula e colocar ele de volta no jogo, para acalmar o mercado e garantir que as massas esperem até 2022 para retirar Bolsonaro, enquanto ele assassina em massa os mais pobres.
O segundo elemento se desenha cada vez mais nitidamente: as classes médias começam a perceber que Bolsonaro não é capaz de resolver os problemas que ele prometeu. Os impostos seguem altos, o dólar aumenta todo dia e várias empresas pequenas quebraram em virtude da pandemia. Cada dia que passa, esses pequenos empresários começam a perceber que estão mais próximos da condição da classe trabalhadora (que vive só de seu salário) do que da grande burguesia (que vive de heranças e de explorar a classe trabalhadora). A pequena burguesia abandonou seu “patriotismo” e hoje só pensa em sair do país. Para ela, o Brasil não tem mais jeito, está afundando na lama.
O primeiro elemento está presente apenas parcialmente: os “de baixo” não se reconhecem e não veem saída através dos “de cima”, e buscam uma saída revolucionária para a crise social. Por um lado, as massas odeiam os partidos, seja os de direita ou os que se dizem de esquerda. E esse ódio é compreensivo, os políticos agem mais contra o povo, do que a favor deles. Se dependesse dos trabalhadores, que vivem no mundo em que se pega um ônibus ou trem lotado que sempre quebra, eles jogavam todos os políticos em alto mar. Em verdade, as massas vivem um processo de total descrença em todos as instituições burguesas: Congresso, Polícia, as ONGs, Judiciário, Forças Armadas etc.
Só não há uma revolução de massas é porque não há uma direção de esquerda que organize essa indignação. Ou seja, não há um partido revolucionário que catalise toda essa insatisfação e eduque as massas nos métodos operários de luta. Esse não é um detalhe qualquer, é um elemento central que explica essa “calmaria”. Porém, isso não quer dizer que uma revolução está descartada, muito pelo contrário. A dialética nos mostra que as condições objetivas podem disparar as condições subjetivas, uma pequena faísca na condição econômica-social pode incendiar os fatores subjetivos. Assim, mesmo sem um partido revolucionário é possível um processo revolucionário, como estamos vendo em vários países ou como aconteceu na Primavera Árabe, iniciada em 2010, na qual a classe trabalhadora derrubou: o ditador Bem Ali, na Tunísia (2011); derrubou o ditador Muammar Kadhafi, na Líbia (2011); derrotou o ditador Hosni Mubarak (2011) e depôs Mohammed Morsi (2013), no Egito.
Vemos que fazer uma revolução não é tão difícil assim. Acontece é que as direções tradicionais da classe trabalhadora sempre jogam a revolução para 100 ou 200 anos à frente, sempre afirmando que as massas não estão preparadas ou que não há conjuntura. E, por vezes, quando as massas se colocam em luta, as direções as freiam, por medo de perderem o controle da situação, como aconteceu nas Jornadas de Junho de 2013, em que Dilma cumpriu um papel nefasto em frear e até criminalizar os movimentos. Vários militantes foram incriminados, sob as leis de antiterrorismo, vários jovens foram agredidos, Rafael Braga chegou a ser preso por carregar produtos de limpeza. Foi nesse momento que a burguesia decidiu que o PT não servia mais para governar, afinal, como um partido dos trabalhadores não consegue controlar as massas? Assim, a burguesia decidiu por não mais “terceirizar” a gestão do Estado, e ela própria fazer o trabalho de controlar as massas.
Assim, em 2016 Dilma foi impedida, e seu vice, Michel Temer, assume o poder e o PT grita aos sete ventos que havia um golpe no Brasil. Em abril de 2018, Lula é preso e, assim, se torna inelegível, e a “esquerda” grita aos sete ventos que a democracia havia sido perdida, estávamos em uma ditadura. No mesmo ano, Bolsonaro é eleito, e para a esquerda reformista isso caracteriza a implementação do fascismo.
O conceito de fascismo segundo a esquerda reformista
Vemos que para chegar a essa análise o PT e a esquerda reformista produziram uma linha de raciocínio, ou, como gostam de dizer os analistas pós-modernos: criaram uma narrativa. E esquerda pequeno burguesa comprou esse “discurso”. Alguns teóricos de renome se dedicaram a produzir base teórica sobre o tema, como Vladmir Safatle e seu livro “O que é fascismo?” e Marcia Tiburi e seu livro “Como conversar com um fascista?”, para ficar nesses dois.
Assim, até os acadêmicos mais renomados abraçaram essa ideia, como se fosse verdade, como se estivesse baseada em fatos históricos. A falta de uma teoria revolucionária (o marxismo) fez com que esses intelectuais se perdessem em uma névoa de idealismo, pessimismo e revisionismo. O medo colocou escamas em seus olhos, fazendo verem a realidade de forma turva. Abandoaram até os fatos históricos para se agarrarem em frases e sentenças que só os próprios acadêmicos concordam e entendem (ou fingem entender).
Em vez de olharem para o passado, e investigar cientificamente as condições materiais que permitiram o fascismo real, preferiam se render ao subjetivismo, à imprecisão conceitual e ao apelo emocional. Para estes, o fascismo não deve ser visto como um advento político, mas, como um “produto” psicológico. Unindo Freud, Foucault, Deleuze, Arendt e outros pós-modernos de renome, conseguiram o “argumento da autoridade”. Assim, o fascismo virou algo sujeito às “origens psicológicas e libidinais”.
Safatle chega a apontar os quatro elementos que definem a vida fascista: 1) o culto à violência; 2) ressurreição do Estado Nação em sua versão paranoica; 3) sempre solidário à insensibilidade absoluta em relação à violência com classes vulneráveis e historicamente marcadas pela opressão; 4) deposição da força popular em prol de uma liderança fora da lei.
Podemos perceber que esta explicação “atravessa a calçada” quando vê o marxismo, afinal, a luta de classes sequer existe. Não é preciso explicar a crise do capitalismo nem a crise das direções de esquerda. Não importa que haja na sociedade propriedade privada, mais-valia, capital. Ele não cita sequer o papel do partido fascista na tomada do poder. Sua análise é personalista e subjetivista. Em verdade, esses quatro elementos poderiam definir não apenas o fascismo, mas, também diversos modelos democráticos burgueses quando a burguesia está em crise. O mais grave é que, sem explicar o contexto político-econômico que possibilitou o fascismo, faz parecer que ele não se trata de uma decisão da classe dominante, mas como a decisão individual de um líder, e que essa decisão, de alguma forma, é ativada na população, por sua “pulsão de violência natural”. Assim, o fascismo faz parte de todos nós; todos somos fascistas, em alguma medida, mesmo os de esquerda. Vejamos o que Deleuze e Guattari afirmam sobre o tema:
“(…) toda uma segmentaridade flexível que trata de energias moleculares e determina eventualmente o desejo de já ser fascista. As organizações de esquerda não são as últimas a secretar seus microfascismos. É muito fácil ser antifascista no nível molar, sem ver o fascista que nós mesmos somos, que entretemos e nutrimos, que estimamos com moléculas pessoais e coletivas”. (Mil Platôs, Vol. 3, Cap. 9, grifo nosso).
Essa é uma das bases que levam os teóricos brasileiros atuais a pensarem assim. O “microfascismo” está em todos nós. Todos somos, portanto, em alguma medida, opressores. A tese pós-moderna de que todos temos “privilégios” e devemos “descontruir” nossos marcadores sociais. Ou seja, a concepção de luta de classes é jogada na lata do lixo e substituída por um subjetivismo que joga trabalhador contra trabalhador.
O resultado prático disso é que a esquerda hoje está mais preocupada em combater individualmente os eleitores de Bolsonaro, que coletivamente o próprio Bolsonaro. Mais preocupados em “cancelar” e apontar o dedo para quem não está usando máscara ou indo para praia do que em atacar o verdadeiro responsável por esse cenário caótico, que já ceifou a vida de mais de 300 mil pessoas.
Por verem o fascismo através de uma análise subjetivista, psicologizante, não conseguem ver outra saída, a não ser acusar esses “fascistas”, em vez de mobilizar toda a classe em torno das reinvindicações reais: saúde, educação, transporte, emprego etc. ao dar uma explicação personalista, apresentam uma “solução” igualmente personalista. Sendo que esses supostos “fascistas” são nossos pais, irmãos, colegas de trabalho etc.
Isso cai como uma luva para as direções de esquerda reformistas. Porque, assim, elas têm a desculpa perfeita para não organizarem a uma luta real contra Bolsonaro. Afinal, “não há correlação de forças”, a massa é atrasada e conservadora, são burros, são gado, são bolsominions. Pronto, o cenário ideal para a “guerra entre nós e paz aos senhores”. A luta de classes “some”, e o que fica é a guerra entre “bolsominions x petralhas”, “esquerda x direita”. Alguns, chegam até ao ponto de afirmar que a culpa do Brasil estar do jeito que está é porque o brasileiro é burro e não sabe votar. Assim, pegam os 57 milhões que votaram no Bolsonaro, ou seja, apenas ¼ da população brasileira, para atacar a imensa maioria que não votou nele. Uma generalização criminosa, sem qualquer rigor conceitual, mas comumente repetida até por acadêmicos respeitados.
Assim, além de subestimarem a força e a capacidade da classe trabalhadora, atuam na divisão da própria classe, já que em vez de organizarem uma luta real, uma grande greve que derrube Bolsonaro e conquiste vacina para todos, preferem culpar a classe por ter (supostamente) eleito Bolsonaro.
O conceito de fascismo segundo os revolucionários
Para entender o que é o fascismo não basta analisar as subjetividades, a libido ou os discursos. É preciso uma teoria política revolucionária, o materialismo histórico. Para entender a história da humanidade é preciso entender a história da luta entre as classes. Toda vitória ou derrota da classe trabalhadora é sempre fruto da tensão entre ela e a burguesia. O objetivo da classe dominante é se perpetuar no poder, e ela buscará sempre o modo mais econômico para isso. Mas, se for necessário gastar com repressão para manter os “de baixo” em uma condição de submissão e exploração, ela o fará. Assim, ela pode se utilizar de golpes parlamentares, do bonapartismo, de ditaduras religiosas ou militares e do fascismo. Mas, sua primeira opção sempre será a democracia, que é em última análise uma ditadura da burguesia apoiada pelas leis. A democracia burguesa é o terreno mais seguro para que a classe dominante possa realizar seus negócios.
Podemos dizer que o fascismo é só a última alternativa da classe dominante, quando não há mais nenhuma saída e ela teme perder o poder para os trabalhadores. Neste caso, o nível de organização e de consciência da classe tem um papel fundamental. Se há um partido dos trabalhadores firme, as investidas serão fracassas. Mas, se por outro lado, os partidos dos trabalhadores capitulam e adotam uma política de conciliação com a burguesia, o cenário está mais favorável para uma vitória do fascismo, em vez de uma vitória do socialismo.Vejamos como Trotsky expõe a questão, em seu texto “Bonapartismo, Fascismo e Guerra”, de 1940):
“O oportunismo das cúpulas da classe operária, submetidas à influência da burguesia, poderia obstruir, retardar, dificultar, adiar o cumprimento da tarefa revolucionária do proletariado. É precisamente esta condição da sociedade que estamos observando agora. O fascismo não veio “em vez” do socialismo. O fascismo é a continuação do capitalismo, uma tentativa de perpetuar sua existência por meio das medidas mais bestiais e monstruosas. O capitalismo obteve uma oportunidade de recorrer ao fascismo apenas porque o proletariado não realizou a revolução socialista a tempo. O proletariado ficou paralisado no cumprimento de sua tarefa pelos partidos oportunistas”.
O fascismo é a forma mais brutal do capitalismo de se manter no poder. E isso ocorre justamente quando o proletariado se radicaliza, mas, não leva até o fim a revolução socialista, uma vez que as direções traidoras e oportunistas capitularam. Sendo assim, a burguesia usa o fascismo como a “última carta na manga”, evitando a todo custo perder o jogo para a classe trabalhadora.
Assim, os conciliadores cumprem um papel nefasto diante do fascismo; sob o argumento de temerem um fascismo se unem com a direita mais retrógrada, bloqueando o caminho para o socialismo. O resultado é que a burguesia se torna mais forte e, se preciso for, toma mão do fascismo para se manter no poder.
Se hoje as direções petistas (mesmo a maior parte do PSOL, PCdoB e PCB) acusam Bolsonaro de fascista e alegam ser necessário uma frente ampla com o centro e a direita para restaurar a democracia, o mais provável efeito dessa conciliação não será a derrota de Bolsonaro, mas, justamente, o fortalecimento da burguesia, que se for necessário pode, de fato, instaurar um fascismo. Ou seja, o medo do fascismo, faz os oportunistas se unirem com a burguesia, tornando-a mais forte. E essa burguesia não hesitará em impor o fascismo sobre os trabalhadores. Trotsky afirma: “A socialização dos meios de produção é a única solução para o problema econômico em determinada etapa do desenvolvimento da humanidade. A demora na solução desse problema leva à barbárie do fascismo.”
O fascismo é, portanto, antes de tudo uma questão política e não subjetiva-psicológica. A ideologia dominante de um capitalismo em crise é que irá gerar uma moral decadente que sustente o fascismo, e não o contrário, como vociferam os reformistas academicistas. Se é verdade que existe uma violência e uma crise moral durante o fascismo ela é fruto de um cenário político, é o efeito, e não a causa.
“Tanto a análise teórica quanto a rica experiência histórica do último quarto de século demonstraram com igual força que o fascismo é cada vez o elo final de um ciclo político específico composto do seguinte: a crise mais grave da sociedade capitalista; o crescimento da radicalização da classe trabalhadora; o crescimento da simpatia pela classe trabalhadora e um desejo de mudança por parte da pequena burguesia rural e urbana; a extrema confusão da grande burguesia; suas manobras covardes e traiçoeiras destinadas a evitar o clímax revolucionário; o esgotamento do proletariado; crescente confusão e indiferença; o agravamento da crise social; o desespero da pequena burguesia, seu desejo de mudança, a neurose coletiva da pequena burguesia, sua prontidão para acreditar em milagres; sua prontidão para medidas violentas; o crescimento da hostilidade para com o proletariado que enganou suas expectativas. Estas são as premissas para a rápida formação de um partido fascista e sua vitória.
No trecho acima, Trotsky esmiúça os elementos necessários para que haja a formação e vitória do partido fascista. Percebamos que o fascismo não é apenas uma empreitada individual de um líder ou de grupos, mas, exige um único partido nacional, como construíram Hitler, Mussolini e Franco.
Bolsonaro hoje sequer está filiado a um partido, após romper com o PSL. E sua tentativa de fundar um novo partido, o Aliança pelo Brasil, foi uma verdadeira piada. Eram necessárias cerca de 492 mil assinaturas, porém, eles só conseguiram cerca de 87 mil, das quais só 50 mil eram válidas, incluindo eleitores inexistentes e falecidos. Ou seja, um presidente que consegue 57 milhões de votos, mas, que não consegue que 1% deles (500 mil) assinem pela criação de seu partido.
Isso ocorre porque entre votar em alguém e, de fato, defender sua política há um salto. Mas, a esquerda reformista não enxerga isso. Preferem uma análise impressionista, por exemplo, quando pegam um vídeo de um grupelho de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais e compartilham insaciadamente, como se aquela meia dúzia de apoiadores lunáticos expressassem a totalidade da classe trabalhadora brasileira. E fazem o mesmo com o fascismo.
É bem verdade que existem grupos fascistóides e que eles cresceram nos últimos anos. Também é verdade que existem pessoas que reproduzem a ideologia de partidos fascistas do passado e até cometem ataques covardes contra negros, trans e militantes. Contudo, entre reconhecer que esses grupos existem e afirmar que eles dominam há um abismo. O próprio Bolsonaro não defende abertamente a organização desses grupos, ainda que seus discursos de ódio e discriminação, de fato, sirvam para inflamar esses lacaios. Mas, a resposta que a esquerda vem dando além de não combater esses grupos ainda os propaga mais, na medida em que dá visibilidade para eles nas redes sociais, difundido um discurso apocalíptico e sem combater frontalmente esses grupelhos.
Em um cenário fascista, todos os outros partidos seriam proibidos e perseguidos, bem como os sindicatos seriam controlados pelo partido nazista, assim como todas as iniciativas de organização operária. Ou seja, o fascismo precisa atacar os instrumentos de organização e luta da classe, para impedi-la de reagir. Um forte aparato militar é contratado para manter a ordem, bem como milícias de mercenários que irão perseguir as lideranças para reprimir na raiz a resistência. As redes de comunicação e transporte precisariam ser controladas pelo partido fascista e, atualmente, o uso da internet seria totalmente controlado ou simplesmente proibido, como vemos em países em situação revolucionária.
Para ser honesto, se houvesse um fascismo, este artigo deveria ser censurado e seu autor preso e torturado. Não há nenhum elemento de fascismo hoje no Brasil: Bolsonaro não tem sequer um partido; as forças armadas não dispõem de estrutura de repressão disponível; o governo não tem controle da imprensa nem da comunicação (internet-telefonia); qualquer um pode se reivindicar comunista publicamente nas redes sociais; os partidos de esquerda recebem financiamento público.
A verdade é que os ataques que a classe sofre hoje estão todos baseados nas leis burguesas, são todos constitucionais, como a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista, a perseguição e criminalização de militantes durante as Jornadas de Junho de 2013. Milhares de negros e indígenas morrem assassinados todos os anos no Brasil e basta a polícia alegar auto de resistência para matar trabalhadores. Assim como a Justiça burguesa pode encarcerar negros em massa, baseado no anticientífico argumento da “raça”, como vimos acontecer esse ano no Paraná. Ou seja, estamos no “bom e velho” capitalismo. A diferença é que agora ele está em crise e, com isso, precisa reprimir mais ainda a classe trabalhadora. A democracia não foi “roubada” e nem vivemos um estado de exceção, como afirma a esquerda amedrontada; a democracia burguesa segue cumprindo seu duro dever.
O Brasil já até teve um partido abertamente fascista que tentou se projetar, o Ação Integralista Brasileira. Mas foi combatido, no emblemático evento histórico da Batalha da Praça da Sé, em outubro de 1934, conhecida como A Revoada dos Galinhas Verdes. Neste episódio os militantes de esquerda, incluindo anarquistas e trotskistas, se reuniram em um bloco e colocaram os “galinhas verdes” para correr. Naquele episódio a militância mostrou como tratar os fascistas na raiz do problema. Diferente das direções de esquerda de hoje, que tratam o fascismo “enfrentando individualmente” e denunciando os microfascismo “de todos nós”.
Bolsonaro: um fascista?
Que Bolsonaro possui um pensamento preconceituoso, racista, machista, homofóbico é um fato. Também é verdade que ele se baseia no fortalecimento do militarismo e propaga um pensamento anti-esquerda e anti-comunista, e isso, por si só, já seria motivo suficiente para derrubarmos esse governo assassino. Contudo, chamar Bolsonaro de fascista não ajuda em nada na organização de sua derrubada. Pelo contrário, apenas deturpa a análise da realidade, fazendo mesmo os militantes mais honestos acreditarem que realmente estamos diante do fascismo e, portanto, está justificado se unir com a direita. Afinal, comparado com um fascista, qualquer coisa é melhor. Assim, a esquerda reformista poderia fazer até a campanha para Doria, Luciano Hulk, Aécio ou qualquer um da direita mais covarde, sob a justificativa de que a tarefa agora seria “vencer o fascismo”.
Por mais atrasado e retrogrado que seja, não podemos dizer que estamos no fascismo. Assim como não é possível dizer que Bolsonaro tem pretensões de implantar um governo fascista, pois como já explicamos ele não dispõe de um partido fascista. Assim, essa análise é apenas uma definição pessoal da psicologia ou da “subjetividade” do Bolsonaro, ignorando o cenário político internacional, o que é contrário aos princípios marxistas. A política não é definida pelas intenções individuais das lideranças, por mais que elas possam ter um papel determinante em determinado momentos históricos.Mas, não podemos ignorar que Bolsonaro não é uma mente que toma decisões isoladas. Em verdade, ele está totalmente sujeito à burguesia internacional, chegando ao ponto de bater continências para bandeira do EUA e lambendo as botas de Trump. Sendo esse mais um argumento para “provar” que ele se afasta do fascismo, afinal, sequer um ultranacionalista ele é. Um fascista faria uma política protecionista, seria patriota, contudo, Bolsonaro é subserviente aos EUA e aos interesses da burguesia internacional, disposto a vender todas as empresas nacionais. Bolsonaro não é sequer um típico militar patriota, parece mais odiar a classe trabalhadora brasileira; é apenas um dos lacaios da grande burguesia imperialista, ele deve satisfação ao “grande mercado”, por mais que tenham um comportamento populista e falem muitas besteiras por conta própria. Mas, fica muito evidente que a burguesia já chamou a atenção de Bolsonaro algumas vezes, ao ponto de ir à televisão “se retratar” pelos absurdos que ele despeja em seus espasmos de impulsividade.
Ele só está no poder ainda porque foi o nome que a burguesia se utilizou para aplicar toda as contrarreformas que precisa, para arrancar os direitos dos trabalhadores, fazer sangrar a classe. Para depois, qualquer um que entre em seu lugar será visto como deus na terra. Após um governo como Trump, até Joe Biden parece ser de esquerda, ser um progressista. O mesmo se dará com Bolsonaro. O método da burguesia é fazer a classe pensar: “Se já chegamos ao fundo do poço, não há mais como piorar”. Mas, sempre dá para piorar. A pandemia é a prova disto. Neste momento já morreram mais de 350 mil brasileiros. E, até 2022, vai piorar muito a situação. O fundo do poço é muito mais em baixo.
Mas, a esquerda reformista gosta de frases de efeito. Chama Bolsonaro de genocida, acreditando que quanto mais xingar ele, mais sua imagem será suja. Mas, não é assim que as coisas funcionam. Frases de efeito e ofensas não farão com que quem ainda tem esperanças em Bolsonaro, parem de ter. Chamar de Bolsonaro de genocida não explica nada, e ainda é conceitualmente errado. Bolsonaro não quer destruir a humanidade. Sequer quer matar todos os negros. Em verdade, nenhum burguês pode desejar isso hoje. A burguesia precisa da classe trabalhadora para explorar sua força de trabalho e ficar rica às custas de nossos suor e sangue. Mais de 350 mil mortes é um absurdo, um crime pelo qual Bolsonaro deveria responder e pagar uma alta pena. Porém, isso não quer dizer que ele quer destruir toda uma etnia ou o ser humano. O que ele quer é reduzir o exército de reserva, a parcela mais pobre e sofrida da classe paga com sangue pelo descaso da burguesia.
Assim, não há uma “necropolítica” como afirmam vulgarmente os acadêmicos. Não é possível dizer que há um “novo” cenário proposital de mortes em massa enquanto política de Estado. A burguesia segue matando como sempre fez. Em verdade, se pegarmos cenários como o da segunda Guerra Mundial e as ações do Nazismo, por exemplo, veremos que ali as decisões da classe dominante tiverem um efeito de mortes em massa sem precedentes. Se tomarmos o caso de outra pandemia, a da Peste negra, as mortes chegaram a um nível calamitoso, com mais de um terço da população da Europa morta.
Não falamos isso para amenizar a crueldade e responsabilidade de Bolsonaro. Mas, justamente para que ele pague pelo seu crime, de negar aos trabalhadores o direito à vida ao negar vacina para todos e auxílio emergencial para quem precisa. Entender que Bolsonaro não é um genocida faz compreender a realidade como ela é: as mortes são resultado da crise do capitalismo e não de uma pessoa em específico. Se compreendemos que essas mortes são culpa da “psique genocida” de um homem, isso implicaria no fato de que se tiramos ele, então, a classe deixará de morrer em massa, enquanto que isso não é uma verdade. Se tivesse outro governo, e ele adotasse uma política voltada a salvar a economia burguesa, o resultado seria o mesmo: milhares de mortes.
O mesmo serve para dizer que há uma “necropolítica”. Falar que há uma política de Estado que tem a morte como fundamento é ignorar as intenções do imperialismo, que deseja e precisa da classe para produzir mais-valia. Há quem afirme que existe um “genocídio da população negra”, mas, se isso fosse verdade, isso implicaria em dizer que a burguesia quer matar mais de metade da população brasileira, o que destruiria a burguesia brasileira, por falta de mão de obra para explorar a mais-valia, o que afetaria a economia internacional. Temos sim um racismo covarde no Brasil, que mata a juventude sem remorso. Mas, ela sempre fez isso, e está ampliando essa ação porque o capitalismo está em crise, assim ela precisa de um aparelho repressivo que assuste a classe e a impeça de reagir. Assim, essas mortes sempre serão limitadas de modo que a burguesia sempre tenha mão de obra barata para enriquecer. Um senhor nunca poder matar todos os escravos, ou ele morre de fome, já que ele não planta, não cozinha, e nem produz absolutamente nada. Os senhores querem os escravos vivos e subservientes. Matarão sempre um ou outro como medida disciplinar, mas nunca como um projeto de destruição de todos eles.
Mais uma vez essa análise apocalíptica serve mais para amedrontar do que para reverter a situação. E, por fim, não colocam em xeque o próprio capitalismo. Fala-se de fascismo, necropolítica, genocídio, mas, não se fala em destruir o sistema econômico capitalista, que é a raiz de todas essas doenças. No fundo, a esquerda reformista tem esperança de que é possível humanizar o capitalismo, como se essas políticas assassinas são apenas um aspecto “exagerado”, mas, o capitalismo em si não é mal. Ou seja, os reformistas acreditam ser capaz controlar a maldade do capitalismo. Trotsky deixa muito claro que a luta contra o fascismo deve ser uma luta contra o capitalismo imperialista. Vejamos o que ele escreve no texto “‘Lutar contra o imperialismo para lutar contra o fascismo”, de 1938:
A conclusão é que é impossível lutar contra o fascismo sem lutar contra o imperialismo. Os países coloniais e semicoloniais devem lutar em primeiro lugar contra aquele país imperialista que os oprime diretamente, independentemente de ter a máscara do fascismo ou da democracia.
Nos países da América Latina, o melhor e mais seguro método de luta contra o fascismo é a revolução agrária. Como o México deu passos importantes nessa estrada, o levante do general Cedillo ficou suspenso no ar. Pelo contrário, as cruéis derrotas dos republicanos na Espanha se devem ao fato de que o governo Azana, aliado a Stalin, suprimiu a revolução agrária e o movimento independente dos trabalhadores. Uma política social conservadora e ainda mais reacionária em países fracos e semicoloniais significa, no sentido pleno da palavra, traição à independência nacional. (tradução nossa)
Ou seja, a melhor forma de lutar contra o fascismo é organizando a classe trabalhadora e arrancando conquistas. Porque o fascismo é uma ação do próprio imperialismo, logo, lutar contra a opressão imperialista é lutar contra o fascismo. São duas faces de uma mesma moeda. Os reformistas não enxergam isso, preferem “atacar a subjetividade”. Chamam Bolsonaro de nazista, mas esperam até 2022 para “vencer eles nas urnas”. Falam que a polícia é genocida, mas em vez de lutarem pelo fim dessa instituição sugerem cursos de antirracismo aos policiais. Falam de necropolítica, mas, acham que é possível viver num capitalismo humanizado, que proteja a natureza e os seres humanos. Enfim, confiam no capitalismo e na burguesia, como numa síndrome de Estocolmo.
Mas, aos que acreditam que estamos no fascismo, vale lembrar que os métodos fascistas de repressão ainda não foram aplicados aqui no Brasil. Não há polícia em massas nas ruas e nas escolas, nos impedindo de nos organizar. Não há campos de concentração e câmara de gás. A polícia mata pretos baseando-se nas leis burguesas, assim como a Justiça burguesa nos encarcera também baseada nas leis. Ou seja, tudo dentro da legitimidade. Para que fascismo para matar e prender negros em massa? A democracia burguesa sai mais barato e queima menos a imagem das lideranças.
Vejamos a explicação de Trotsky sobre o fascismo, em seus texto “Para onde vai a França?”, de 1930:
Atualmente, em todos os países vigoram as mesmas leis: as da decadência capitalista. Se os meios de produção continuam em mãos de um pequeno número de capitalistas, não há salvação para a sociedade. Ela está condenada a seguir de crise em crise, de miséria em miséria, de mal a pior. De acordo com cada país, as conseqüências da decrepitude e decadência do capitalismo se expressam sob formas diversas e com ritmos desiguais. Porém, o fundo do processo é o mesmo em todos os lados. A burguesia conduziu a sociedade à bancarrota. Não é capaz de assegurar ao povo nem o pão nem a paz. É precisamente por isso que não pode suportar a ordem democrática por muito mais tempo. E compelida a esmagar os operários com a ajuda da violência física. Mas é impossível acabar com o descontentamento de operários e camponeses somente através da polícia. Enviar o exército contra o povo nem sempre é possível: freqüentemente, ele começa a decompor-se e termina com a passagem de grande parte dos soldados para o lado do povo. Por isso, o grande capital é obrigado a criar grupos armados, especialmente treinados para atacar os operários, como certas raças de cachorros são treinadas para atacar a caça. A função histórica do fascismo é esmagar a classe operária, destruir suas organizações, sufocar a liberdade política, quando os capitalistas se sentem incapazes de dirigir e dominar com a ajuda da maquinaria democrática.
O bonapartismo à brasileira
Há alguns anos nós, da Esquerda Marxista, explicamos que há no Brasil uma tentativa de investida bonapartista, e não um fascismo. Um dos principais textos nossos foi nosso Informe Político à Conferência Nacional da Esquerda Marxista, de 2019, intitulado: Situação política e as tarefas dos marxistas. Sugerimos a leitura dele.
E esse não é apenas um debate conceitual, para decidir o melhor termo usar. Não! Em uma guerra, é fundamental compreender o terreno em que se luta e o inimigo. Sem isso, provavelmente seremos derrotados. Se Bolsonaro fosse um fascista seria necessário organizar uma luta clandestina, e muito mais radical.
Por outro lado, se caracterizamos Bolsonaro como um bonapartista, isso quer dizer que os métodos e armas de luta serão outros. Esse é o nosso ponto. Isso não quer dizer que nunca possa haver um fascismo. Até poderia, mas, a verdade é que esta é a opção mais improvável. Até um golpe militar é uma opção quase que impossível. Os próprios militares não querem (e nem sabem como) implantar um regime militar. Os militares da ativa no brasil não chegam a 350 mil. Bolsonaro tem muita saliva e pouca pólvora. Ou seja, uma quantidade pífia. Não falta só mão de obra, falta fúsil e munição para garantir uma força de repressão em cada esquina. Hoje, as forças armadas sequer seriam capazes de garantir a proibição da entrada de drogas no Brasil, caso a burguesia decidisse de fato fazer uma política contra as drogas (coisa que os governantes nunca se propuseram a fazer, intencionalmente).
De fato, há em Bolsonaro um apoio às forças armadas. Ele está tirando dinheiro da saúde e educação para ampliar o orçamento do Ministério da Defesa. Seu plano é ampliar em muito as forças militares de repressão, esta é uma necessidade de um governo que irá arrancar direitos da classe, para garantir que a classe não insurja contra essas medidas. O bonapartismo toma as forças de repressão para se manter no poder, assim como o fascismo e a própria democracia burguesa, obviamente em escalas e proporções diferentes. Mas, não podemos nos deixar levar pelo impressionismo. O orçamento de guerra de Bolsonaro, contudo, não tem em vista uma ditadura militar, seu objetivo é aumentar salários de oficiais e dar cargos públicos, para conquistar membros de sua base, que são os militares. Por isso, nossa palavra de ordem é exatamente: Abaixo o governo Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais. Percebamos que colocamos as altas patentes das forças armadas ao lado da burguesia. Para nós, eles são igualmente nossos inimigos.
Nossa política não é, portanto, de apenas xingar Bolsonaro e xingar militares. Até porque, as baixas patentes das forças armadas em uma situação revolucionária tendem a se negarem a atacar a sua própria classe e viram as armas contra seus superiores. Os governantes do Brasil sabem disso, inclusive, caso fossem implantar um fascismo no Brasil eles iriam precisar contratar um exército de mercenários, em especial da pequena burguesia, dispostos a fazer de tudo em troca de dinheiro. Mas, repetimos que esse não é o cenário mais provável no Brasil hoje. E a única forma de combater esse tipo de ação é organizando a classe e ensinando a ela os métodos históricos de autodefesa operário, e não com palavreados ofensivos e elegendo parlamentares.
Outra característica do bonapartismo é um personalismo excessivo. A figura bonapartista precisa se colocar como se estivesse acima das instituições, acima das classes, como se fosse o único elemento de coesão capaz de salvar a nação e resolver os problemas do passado. Nesse cenário, algumas ideologias ajudam a classe dominante, como o nacionalismo exagerado (e a xenofobia), a religiosidade (e a intolerância) e o racialismo (e o racismo). Bolsonaro se utiliza de todas essas armas. Mas, novamente, estas ideologias estão presentes na história do capitalismo, mesmo nas democracias mais “avançadas” vemos essas ideologias. Logo, não é isso que define o fascismo, ou o Bonapartismo. Ao menos não unicamente. Há uma diferença entre reproduzir essas ideologias e destilar preconceitos, como faz Bolsonaro, e organizar um partido que defenda publicamente a morte de judeus, negros, gays e comunistas, convidando as pessoas a se filiarem. A burguesia prefere atacar esses grupos de forma dissimulada, sem deixar classe que é sua posição oficial. Por exemplo, hoje Bolsonaro permite partidos e militantes que se dizem socialistas. Isso ajuda na falácia de dizer que vivemos em uma democracia, ao mesmo tempo em que as instituições burguesas atropelam as liberdades democráticas. Mas, a democracia, permanece intacta. Ela é a base que sustenta o capitalismo, seu Estado e a propriedade privada de forma mais econômica.
De certa forma, todo fascismo tem características bonapartistas. Por isso, inclusive, é comum essa confusão, porque tendemos a “exagerar” e a definir por “aproximação”, já que o termo fascismo é muito mais comum. E nos países colonizados como o Brasil todo governo tem algo de Bonapartismo, afinal, nossa condição de exploração abre brechas para esse tipo de governo. Um exemplo disso foi o governo Getúlio Vargas, como explicamos no nossos artigo: Getúlio Vargas, um Bonaparte brasileiro. Entender como essas figuras chegam ao poder é, portanto, fundamental para entender o que são e como enfrentá-las.
Como Bolsonaro chegou ao poder?
Para alguns, Bolsonaro chega ao poder porque uma “onda conservadora” tomou conta do Brasil e do mundo. Assim, misteriosamente um sentimento retrógrado invade os corações da classe trabalhadora e ela se torna tudo o que há de mais atrasado: conservadora, negacionista, anticientífica, antipetista, de direita, fanática religiosa, fascista. Essa explicação não explica nada. Na verdade, ela poderia, quando muito, apenas descrever um fato. Mas, por que essa suposta onda conservadora ganha espaço? Para isso, os analistas sociais não têm uma reposta mais profunda, a não ser a tautologia de que há uma onda conservadora.
Assim, misteriosamente os cidadãos dos EUA, que elegeram Obama por dois mandatos, viram a casaca e decidem eleger Trump. No Brasil, após quase quatro mandatos do PT, a classe se torna “de repente” fascista e decide ter Bolsonaro como presidente. Novamente, para os reformistas, isso ocorre porque essas pessoas sempre foram “perversas” em seu interior. Foi o microfascismo que apenas aflorou. Vemos que o modelo de compreensão política segue a lógica subjetivista-psicologizante dos intelectuais de esquerda.
Assim, essa miopia os torna cegos para perceberem que na eleição de Trump, em 2016, a maioria da população não foi votar; houve apenas 138 milhões de votos, dos quase 224 milhões de eleitores aptos. E Hillary obteve cerca de 3 milhões de votos a mais que Trump, mas, como o sistema eleitoral dos EUA não é “por cabeça”, Trump acabou ganhando. Mas, dizer que 63 milhões de pessoas votaram em Trump, quando 66 milhões votaram em Hillary e mais de 80 milhões não votaram em nenhum deles, é uma análise muito limitada para afirmar que há uma onda conservadora. Sobretudo se contarmos toda a população, que é de cerca de 323 milhões de pessoas, ou seja, apenas 20% votaram em Trump
Algo parecido aconteceu no Brasil: 58 milhões de pessoas votaram em Bolsonaro, o que de fato é muito. Mas, por outro lado, 47 milhões votaram em Haddad e mais de 42 milhões anularam ou se abstiveram. Ou seja, os que decidiram não votar em Bolsonaro foram quase 90 milhões. E se colocarmos toda a população brasileira, que é de cerca de 210 milhões de pessoas, cerca de apenas 27% da população votou em Bolsonaro, ou seja, um quarto da população. Isso não pode ser tomado para afirmar que o brasileiro é burro, que quis eleger um fascista e que o fascismo está em todos. Esse é um método errado e desonesto, que só expressa uma subestimação da classe trabalhadora.
Mas, entre esses que votaram em Bolsonaro, muitos o fizeram por não quererem mais o PT. E qual a explicação política para esse “antipetismo”? Não podemos só vociferar que a onda conservadora e os direitistas tomaram conta do pais. É preciso entender as razões dessas pessoas.
A verdade é que a classe é pragmática, ela atua de acordo com suas necessidades e compreensões práticas e imediatas, na maior parte das vezes. A classe construiu o PT nos anos 80, assim como a CUT. Ela conseguiu eleger Lula, por dois mandatos. Após Lula, elegeu mais duas vezes Dilma e a verdade é que, durante esse tempo, percebeu que lançou muitas expectativas no PT, mas que o “retorno” não foi tão grande assim. Dessa forma, os mais velhos se decepcionaram e desanimaram e os mais jovens começaram a ter aversão à política partidária.
Para os jovens, não havia esperança de futuro garantido como prometido nos discursos do PT: “O filho do pião vai virar doutor”. Na prática, muitos poucos filhos da classe trabalhadora conseguiram virar doutor. A imensa maioria não passou no vestibular: no Enem só tem vaga para 4%. Os outros sequer conseguem pagar uma faculdade particular.
Em 2013, a passagem ainda aumentou mais uma vez, a juventude foi para a rua e quem a reprimiu? O governo PT e seus aliados. No caso do Rio de Janeiro, a polícia do Cabral, da UPP que matou Amarildo e que prendeu Rafael Braga; e as Forças Armadas, que ocuparam a Maré e apoiaram a invasão militar ao Haiti. Não era esse “Partido dos Trabalhadores” que os jovens queriam.
Na política não há lugar para o vazio. Se há espaço, ele será ocupado. E foi exatamente isso que ocorreu. Bolsonaro “surfou na onda” desse ódio aos políticos, ódio às instituições burguesas. Bolsonaro se mostrou como um candidato contra o sistema. Bolsonaro prometeu atacar a criminalidade, a corrupção, as drogas, ou seja, ele tocou nas questões vitais da classe. Sabemos que era tudo falácia, típica de um pretenso bonapartista. Mas, ele se colocou de fora das instituições, se mostrou como alguém que era contra o establishment.
Bolsonaro aproveitou os ataques da burguesia contra o PT – com acusações a Lula de corrupção, acusações contra Dilma de pedalada fiscal e todo tipo de ataques – para fazer sangrar o PT. Em última análise, isso era uma tentativa de atacar os instrumentos de luta da classe operária. Assim, se o PT e Lula são a esquerda e a vida está assim difícil, então, a classe faz sua experiência com o outro lado: a direita.
Portanto, Bolsonaro venceu não porque o povo virou fascista, mas porque o povo quis fazer uma experiência com outra proposta, para ver se iria mudar as coisas. Se houvesse um candidato de esquerda mais radical ele atrairia a juventude. Mas, Haddad e o PSOL seguiram o “bom e velho” reformismo e conciliação de sempre. E os trabalhadores já estavam de saco cheio disso.
Então, a maior parte não foi votar, e dos que foram, 10 milhões a mais votaram em Bolsonaro. Assim, ele virou presidente. Quase que por acidente de percurso, uma vez que ele não era a melhor escolha da burguesia. Ela preferia alguém mais controlável, que falasse menos besteira e corresse menos o risco de colocar tudo a perder por mera impulsividade. Mas, como não havia outro nome, a burguesia usou a lógica do: “só tem tu, vai tu mesmo!”. Agora, usa uma enforcadeira, para que o cão não saia do controle. Mas, se for preciso tirá-lo, a burguesia não hesitará de fazer. Da mesma forma que atacou Daniel Silveira, por se voltar contra o STF, e como está punindo Moro.
Se entendermos assim o cenário, de forma política, podemos dar uma reposta melhor. Porém, se apenas xingarmos Bolsonaro e seus seguidores, não ganharemos nenhum deles para o nosso lado, e muito menos iremos derrotar Bolsonaro. A única forma de ganhar essa luta é organizando os mais animados para lutar pelos direitos mais básicos dos trabalhadores e da juventude. Não por disputas personalistas, como brigas de torcida, baseadas em fanatismo, emoções e moralidade.
Como derrotar Bolsonaro?
Como buscamos explicar neste artigo, um terror tomou a esquerda e boa parte da militância. Quando as direções analisam que há um aumento da direita, uma onda conservadora e uma empreitada fascista em curso, faz com que a maior parte da militância acredite que não há uma conjuntura favorável à organização da classe contra Bolsonaro e seus ataques.
Além disso, as próprias eleições têm mostrado uma inclinação não para a direita, mas justamente para expressar essa insatisfação com o capitalismo. As abstenções e votos nulos são sintomas de uma falta de esperanças nos antigos métodos burgueses de eleição. Não uma expressão de que a classe está indo à direita. A classe está com disposição, mas falta uma direção que organize toda essa indignação, falta um partido revolucionário.Lula foi em rede nacional falar sobre as atualizações sobre seu caso e sua possível “volta” ao jogo eleitoral. Em nenhum momento ele falou sobre uma greve geral que tenha como reinvindicação vacina para todos e um salário emergencial que garanta que todos possam ficar em casa. Só uma greve geral conquistaria um lockdown de verdade e não esse “fake” que está acontecendo.
As centrais sindicais se recusam a fazer manifestações de massas, sob justificativa de que isso espalharia o vírus, o que é verdade. Mas, por outro lado, já houve mais de 350 mil mortes e estamos registando cerca de 3 mil mortes por dia. Ou seja, isso indica que as pessoas estão nas ruas. E não só por causa dos bares e praias lotadas, mas porque já se passou um ano desde o início dessa pandemia e a classe pega transporte lotado todos os dias e é obrigada trabalhar. Então, para ela, não existe lockdown durante toda a semana.
Parte da esquerda foca em atacar essas pessoas que extravasam nos fins de semana, enquanto o governo Bolsonaro segue aplicando sua política de assassinato de centenas de milhares de pessoas.
É preciso dialogar com a classe trabalhadora. Não para debater o melhor nome para as eleições de 2022 e, sim, sobre como vamos lutar por saúde, transporte e educação públicos, gratuitos e para os todos já. Só dialogando em torno das necessidades mais básicas da classe é que será possível atrair as pessoas para a luta. Debater nomes e números de votações é o que a classe fez a vida toda e sua vida segue dura e dolorida. Não podemos esperar até 2022, isso seria o mesmo que defender o “fica Bolsonaro”. Afinal, se a prisão de Lula foi ilegal, apenas para retirar ele do processo eleitoral e Bolsonaro ganhar, então, por que aceitar a eleições de Bolsonaro? Se a eleição de Bolsonaro foi uma fraude, Lula deveria ser o primeiro a impedir que ele continue no governo do país. Mas, ele afirma que o “cidadão foi eleito democraticamente”.
Se Lula afirma que não sente rancor nem raiva dos que o acusaram e o prenderam injustamente, a classe, por sua vez, não está assim “serena e tranquila. As pessoas não aguentam mais as injustiças sociais, elas sentem ódio, por estarem desempregadas, por sofrerem violências, por perderem parentes e amigos para o vírus, por não verem perspectivas de futuro para os seus filhos.
Para nós, da Esquerda Marxista, é preciso derrubar Bolsonaro já. É preciso construir um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais. Não há outra alternativa para a classe trabalhadora. Quanto mais deixarmos Bolsonaro no poder, mais gente morrerá. Não adianta usar palavras “fortes” contra Bolsonaro e contra o sistema enquanto se tem atitudes recuadas e conformadas, que criticam muito, mas que mantém as coisas da mesma forma que estão.
Nós não consideramos Bolsonaro um fascista, mas queremos derrubar ele agora. Para nós, ele não é um genocida, mas tem que responder pelo crime contra os milhares de mortos por Covid-19. Para nós, não há um “neoliberalismo” ou uma “necropolítica”, mas queremos construir uma nova sociedade em que a vida da classe tenha valor, uma sociedade socialista. Estamos convencidos de que é possível derrubar Bolsonaro, distribuir vacinas e ter muito mais conquistas para a classe, basta nos organizarmos.
Temos certeza de que hoje é mais fácil uma revolução no Brasil do que o fascismo. Por isso, convidamos você a construir conosco essa luta, pela derrubada de Bolsonaro. E pela construção de um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais.
Venceremos!